Nome do Projeto
Representações da deficiência na literatura pós-colonial em língua portuguesa
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
08/08/2025 - 01/05/2029
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Linguística, Letras e Artes
Resumo
Nas últimas décadas, o movimento das pessoas com deficiência tem alcançado notável evidência em suas reivindicações por condições mais dignas e justas de vida. A crescente acessibilidade conquistada em espaços de saúde, educação, trabalho, ciência, lazer e cultura permitiu um convívio maior com as diferenças e levou à reflexão sobre a diversidade epistêmica experimentada pelos corpos com deficiência. Apesar de todos esses avanços, ainda são raras as abordagens que levem em consideração esse grupo social no âmbito dos Estudos Literários. No que diz respeito aos contextos marcados pela colonização, como é o caso de Brasil, Portugal e dos países africanos de língua portuguesa, estudos pós-coloniais (ou mesmo des-/de-/contra-coloniais) foram questionados e proficuamente renovados a partir de seu tensionamento com as teorias críticas de raça e de gênero. Esse entrecruzamento teórico impulsionou relevantes análises críticas de obras literárias em língua portuguesa, sobretudo em sua relação com o passado colonial. O corpo com deficiências, porém, tem sido uma ausência pouco problematizada nos referidos estudos, mesmo que sejam numerosos os casos de escritores que construíram personagens com tais características associadas ao processo colonial: Uanhenga Xitu, Luandino Vieira, Pepetela (Angola); Conceição Evaristo, Miriam Alves (Brasil); Saramago, Lobo Antunes, Djaimilia Pereira de Almeida (Portugal); Mia Couto, Eduardo Quive (Moçambique), para ficar em alguns exemplos. Diante dessa ausência, o projeto proposto tem por principal objetivo a análise dos personagens com deficiência na literatura pós-colonial em língua portuguesa. Algumas perguntas que este estudo pretende responder são: 1. O que é ser uma pessoa com deficiência para esses textos literários? 2. Como o passado de colonização em comum entre esses países atravessa os corpos das personagens? 3. Que possibilidades esses corpos oferecem para relermos o passado colonial e repensarmos nossa literatura pós-colonial? A fundamentação
teórica que ancora o projeto buscará subsídios nos Estudos Deficiência em tensionamento com os Estudos Pós-Coloniais. Assim, nomes da antropologia e da sociologia das deficiências, como os de Pamela Block, Débora Diniz, Anahi Guedes de Mello, Margarete Gesser, serão abordados em conjunto com nomes da crítica literária como Ana Mafalda Leite, Inocência Mata, Margarida Calate Ribeiro, entre outros. Alguns casos de pesquisadores que têm aproximado os estudos literários dos estudos da deficiência em outros contextos culturais e linguísticos, como os de Julia Rodas, Ralph Savarese, Alice Hall e Maria Fernanda Arentsen fornecerão importantes subsídios para a leitura dos textos. Os resultados esperados são a constituição de fontes bibliográficas inéditas por meio de livros, capítulos e artigos, com extrema importância para a renovação dos Estudos Pós-Coloniais, bem como para a inserção dos Estudos da Deficiência no âmbito da crítica literária.
Objetivo Geral
O objetivo geral deste projeto é analisar as representações dos corpos com deficiência na literatura pós-colonial dos países de língua portuguesa.
Justificativa
A representação de pessoas com deficiência na literatura não é exatamente uma novidade. Desde a antiguidade até o contemporâneo, o cânone literário é repleto de personagens com características que remetem à condição de deficiência, seja esta física, mental, intelectual ou social (conforme parâmetros de classificação da Lei Brasileira de Inclusão – LBI, 2015).
Em Édipo Rei (SÓFOCLES, 2013), por exemplo, as deficiências assumem centralidade no desenrolar do enredo. A antípoda Édipo/Tirésias não está focada apenas nos elementos realeza/pobreza, racionalidade/profecia, juventude/senilidade, mas sobretudo na vidência/cegueira. Édipo é capaz de ver, mas não enxerga seu passado e sua identidade. O cego Tirésias é o único que vê esses elementos – justamente por esse motivo, conhece o destino do protagonista. Ironicamente, é a marca física de uma deficiência que permite o reconhecimento trágico do herói (os pés deformados que o nomeiam confirmam que ele é a criança rejeitada por Laio e Jocasta). Se Édipo inicia o drama vidente (e desconhecedor de si), encerra cego como Tirésias (e agora capaz de enxergar a própria história).
Em Frankenstein (SHELLEY, 2020), por sua vez, a criatura resultante das experiências de Victor é caracterizada pela deformidade. O que assusta em sua aparência não é o irreconhecível, mas o jogo entre reconhecimento e desconhecimento das formas. Como refletiu Jacques Derrida em A lei do gênero (2019), o conceito de monstruosidade está na mistura das formas, e não em uma forma propriamente nova. Como seu corpo foi composto por retalhos, ele é desproporcional em sua unidade, e o reconhecimento das partes causa pânico. Embora a crítica à ciência moderna, o romance de Shelley evoca o imaginário do bestiário medieval, representando o corpo deficiente como um corpo a ser temido por ameaçar uma estética aceitável da corporalidade – que Anahi Guedes de Mello (2016) define como corponormatividade.
Em Bartleby (MELVILLE, 2015), por fim, pode-se entender o protagonista da narrativa como alguém que não se encaixa nas regras silenciosas de conduta social. Diante de perguntas retóricas com imperativos implícitos em seu ambiente de trabalho, responde com sinceridade: “I would prefer not to”. A dificuldade para a compreensão de tratados implícitos e a sinceridade excessiva são características recorrentes em pessoas autistas. Se o diagnóstico da condição como uma deficiência social é recente, a existência dos sujeitos com tal condição sempre ocorreu. A recusa do corpo que hoje sabemos autista à lógica utilitarista do capital configura assim o grande dilema do conto de Melville.
Aos casos supracitados de Sófocles, Shelley e Melville, poderíamos acrescentar tantos outros, como os de Homero, Jonathan Swift, Samuel Defoe, Charlotte Brontë, Edgar Alan Poe, Victor Hugo, Mathew Barrie, Charles Dickens, Robert Stevenson, Oscar Wilde, Franz Kafka, Jorge Luis Borges, John Coetzee... Tal diversidade de personagens (alguns estereotipados – seja pelo olhar caritativo, seja pelo olhar da abjeção – outros subversivos e problematizadores das hierarquias dos corpos) tem impulsionado profícuos estudos, sobretudo de críticos literários de língua inglesa, como é o caso de Julia Miele Rodas (2004, 2009, 2018), Ralph James Savarese (2010, 2015), Alice Hall (2016), Geethu Vijayan (2021), ou ainda de língua francesa, como é o caso de Maria Fernanda Arentsen (2016, 2020).
Quando pensamos nos estudos realizados em língua portuguesa, no entanto, raríssimos são os casos de pesquisadores que têm aproximado os Estudos Literários dos Estudos da Deficiência. E não o é por falta de matéria literária, já que há significativos personagens com deficiência em narrativas de autores como Maria Firmina dos Reis, Machado de Assis, Eça de Queirós, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Luandino Vieira, Rubem Fonseca, Pepetela, Marcelo Rubens Paiva, Cristóvão Tezza, Miriam Alves, José Saramago, Lobo Antunes, Mia Couto, Conceição Evaristo, Paulo Scott, Valério Romão, Djaimilia Pereira de Almeida, entre outros...
Pensar as deficiências em um contexto de língua portuguesa, sobretudo no Brasil e nos países africanos, é bastante diferente de fazê-lo a partir de contextos hegemônicos. Particularidades culturais e históricas podem fazer com que as diferenças entre os corpos sejam encaradas socialmente de formas distintas. Como afirmam Margarete Gesser e Anahi Guedes de Mello (2021), importantes referências brasileiras dos Estudos da Deficiência, é preciso “produzir aleijamentos desde o Sul Global”. Para as autoras, o aleijamento seria o agenciamento político e situado do corpo com deficiência no Sul Global, uma contrapartida provocativa ao conceito de crip (McRuer, 2005), importante abordagem pós-estrutural das deficiências em solo estadunidense.
Ao pensar na história do corpo com deficiências no Sul Global, facilmente percebemos a relevância que a colonização adquire na sua percepção. Sabemos que a colonização buscou a exploração não só de recursos de terras africanas e americanas, como da força-de-trabalho das próprias pessoas locais. Hierarquizar, portanto, aqueles mais e menos aptos à exploração por meio da escravidão, primeiramente, e dos trabalhos sem dignidade, posteriormente, era uma forma de domínio do corpo do outro.
As lesões oriundas de mutilações nos ambientes de trabalho cruéis e desumanos (seja do período pré-abolição, seja do período pós-abolição) foram inclusive elementos de coerção social do regime colonial. Chibatar, deformar ou amputar membros, por exemplo, foram algumas práticas recorrentes no macabro repertório da violência colonial. Para além da inestimável dor em si, as lesões castigavam o corpo colonizado tornando-o menos valioso na lógica produtivista, ficando assim mais propício ao descarte em uma sociedade utilitarista.
Outro aspecto importante a se mencionar é o rastro de destruição que o colonialismo deixa após seu fim político ou oficial. Com o desmantelamento do império, sobrou a colonialidade do poder (Quijano, 2000), e com ela, o hábito de violar os corpos. No caso africano, destaca-se o caso das guerras civis: disputas neocoloniais pelo poder que foram geradoras de um excedente de milhões de corpos com deficiências físicas, sociais e mentais. Neste contexto, destacam-se os numerosos casos de mutilados pelas minas terrestres.
A carência de assistência médica qualificada é ainda um dos efeitos do colonialismo. Como já advertia Frantz Fanon (1976), a medicina foi instrumento importante para o estabelecimento da empreitada colonial. Em não raros casos, conforme aponta o psiquiatra martinicano-argelino, a medicina era a segunda atividade de muitos colonizadores instalados em solo africano. A primeira era o enriquecimento por meio de propriedades de exploração de recursos naturais, como fazendas, plantações ou garimpos. O descaso com os sujeitos africanos reflete-se em práticas criminosas descritas por Fanon (1976), como a comercialização de medicamentos estragados ou a diluição de vacinas em água para a multiplicação de doses. Ou seja, o enriquecimento (ilícito, inclusive) vem à frente do juramento médico de cuidado com a vida humana nos ambientes coloniais. Esse modus operandi persiste em muitos locais agora independentes, infelizmente.
Dado o exposto, é de suma importância que a história da colonização no ocidente seja contada pelos corpos aleijados pelo próprio processo colonial, entendendo os aleijamentos como posição política dos corpos violados pela lógica produtivista da modernidade ocidental. Se Homi Bhabha (2013, p. 246), nos anos 1990, falava da importância das contranarrativas de mulheres e de imigrantes para confrontar a história linear e positivista da colonização, no século XXI torna-se ainda mais evidente a necessidade de conhecer a história colonial por meio desses corpos lidos como errados ou inadequados. Assim, o presente projeto propõe a análise de personagens com deficiência em narrativas literárias brasileiras, portuguesas, angolanas e moçambicanas que evidenciem sua ligação com o passado colonial.
Em Édipo Rei (SÓFOCLES, 2013), por exemplo, as deficiências assumem centralidade no desenrolar do enredo. A antípoda Édipo/Tirésias não está focada apenas nos elementos realeza/pobreza, racionalidade/profecia, juventude/senilidade, mas sobretudo na vidência/cegueira. Édipo é capaz de ver, mas não enxerga seu passado e sua identidade. O cego Tirésias é o único que vê esses elementos – justamente por esse motivo, conhece o destino do protagonista. Ironicamente, é a marca física de uma deficiência que permite o reconhecimento trágico do herói (os pés deformados que o nomeiam confirmam que ele é a criança rejeitada por Laio e Jocasta). Se Édipo inicia o drama vidente (e desconhecedor de si), encerra cego como Tirésias (e agora capaz de enxergar a própria história).
Em Frankenstein (SHELLEY, 2020), por sua vez, a criatura resultante das experiências de Victor é caracterizada pela deformidade. O que assusta em sua aparência não é o irreconhecível, mas o jogo entre reconhecimento e desconhecimento das formas. Como refletiu Jacques Derrida em A lei do gênero (2019), o conceito de monstruosidade está na mistura das formas, e não em uma forma propriamente nova. Como seu corpo foi composto por retalhos, ele é desproporcional em sua unidade, e o reconhecimento das partes causa pânico. Embora a crítica à ciência moderna, o romance de Shelley evoca o imaginário do bestiário medieval, representando o corpo deficiente como um corpo a ser temido por ameaçar uma estética aceitável da corporalidade – que Anahi Guedes de Mello (2016) define como corponormatividade.
Em Bartleby (MELVILLE, 2015), por fim, pode-se entender o protagonista da narrativa como alguém que não se encaixa nas regras silenciosas de conduta social. Diante de perguntas retóricas com imperativos implícitos em seu ambiente de trabalho, responde com sinceridade: “I would prefer not to”. A dificuldade para a compreensão de tratados implícitos e a sinceridade excessiva são características recorrentes em pessoas autistas. Se o diagnóstico da condição como uma deficiência social é recente, a existência dos sujeitos com tal condição sempre ocorreu. A recusa do corpo que hoje sabemos autista à lógica utilitarista do capital configura assim o grande dilema do conto de Melville.
Aos casos supracitados de Sófocles, Shelley e Melville, poderíamos acrescentar tantos outros, como os de Homero, Jonathan Swift, Samuel Defoe, Charlotte Brontë, Edgar Alan Poe, Victor Hugo, Mathew Barrie, Charles Dickens, Robert Stevenson, Oscar Wilde, Franz Kafka, Jorge Luis Borges, John Coetzee... Tal diversidade de personagens (alguns estereotipados – seja pelo olhar caritativo, seja pelo olhar da abjeção – outros subversivos e problematizadores das hierarquias dos corpos) tem impulsionado profícuos estudos, sobretudo de críticos literários de língua inglesa, como é o caso de Julia Miele Rodas (2004, 2009, 2018), Ralph James Savarese (2010, 2015), Alice Hall (2016), Geethu Vijayan (2021), ou ainda de língua francesa, como é o caso de Maria Fernanda Arentsen (2016, 2020).
Quando pensamos nos estudos realizados em língua portuguesa, no entanto, raríssimos são os casos de pesquisadores que têm aproximado os Estudos Literários dos Estudos da Deficiência. E não o é por falta de matéria literária, já que há significativos personagens com deficiência em narrativas de autores como Maria Firmina dos Reis, Machado de Assis, Eça de Queirós, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Luandino Vieira, Rubem Fonseca, Pepetela, Marcelo Rubens Paiva, Cristóvão Tezza, Miriam Alves, José Saramago, Lobo Antunes, Mia Couto, Conceição Evaristo, Paulo Scott, Valério Romão, Djaimilia Pereira de Almeida, entre outros...
Pensar as deficiências em um contexto de língua portuguesa, sobretudo no Brasil e nos países africanos, é bastante diferente de fazê-lo a partir de contextos hegemônicos. Particularidades culturais e históricas podem fazer com que as diferenças entre os corpos sejam encaradas socialmente de formas distintas. Como afirmam Margarete Gesser e Anahi Guedes de Mello (2021), importantes referências brasileiras dos Estudos da Deficiência, é preciso “produzir aleijamentos desde o Sul Global”. Para as autoras, o aleijamento seria o agenciamento político e situado do corpo com deficiência no Sul Global, uma contrapartida provocativa ao conceito de crip (McRuer, 2005), importante abordagem pós-estrutural das deficiências em solo estadunidense.
Ao pensar na história do corpo com deficiências no Sul Global, facilmente percebemos a relevância que a colonização adquire na sua percepção. Sabemos que a colonização buscou a exploração não só de recursos de terras africanas e americanas, como da força-de-trabalho das próprias pessoas locais. Hierarquizar, portanto, aqueles mais e menos aptos à exploração por meio da escravidão, primeiramente, e dos trabalhos sem dignidade, posteriormente, era uma forma de domínio do corpo do outro.
As lesões oriundas de mutilações nos ambientes de trabalho cruéis e desumanos (seja do período pré-abolição, seja do período pós-abolição) foram inclusive elementos de coerção social do regime colonial. Chibatar, deformar ou amputar membros, por exemplo, foram algumas práticas recorrentes no macabro repertório da violência colonial. Para além da inestimável dor em si, as lesões castigavam o corpo colonizado tornando-o menos valioso na lógica produtivista, ficando assim mais propício ao descarte em uma sociedade utilitarista.
Outro aspecto importante a se mencionar é o rastro de destruição que o colonialismo deixa após seu fim político ou oficial. Com o desmantelamento do império, sobrou a colonialidade do poder (Quijano, 2000), e com ela, o hábito de violar os corpos. No caso africano, destaca-se o caso das guerras civis: disputas neocoloniais pelo poder que foram geradoras de um excedente de milhões de corpos com deficiências físicas, sociais e mentais. Neste contexto, destacam-se os numerosos casos de mutilados pelas minas terrestres.
A carência de assistência médica qualificada é ainda um dos efeitos do colonialismo. Como já advertia Frantz Fanon (1976), a medicina foi instrumento importante para o estabelecimento da empreitada colonial. Em não raros casos, conforme aponta o psiquiatra martinicano-argelino, a medicina era a segunda atividade de muitos colonizadores instalados em solo africano. A primeira era o enriquecimento por meio de propriedades de exploração de recursos naturais, como fazendas, plantações ou garimpos. O descaso com os sujeitos africanos reflete-se em práticas criminosas descritas por Fanon (1976), como a comercialização de medicamentos estragados ou a diluição de vacinas em água para a multiplicação de doses. Ou seja, o enriquecimento (ilícito, inclusive) vem à frente do juramento médico de cuidado com a vida humana nos ambientes coloniais. Esse modus operandi persiste em muitos locais agora independentes, infelizmente.
Dado o exposto, é de suma importância que a história da colonização no ocidente seja contada pelos corpos aleijados pelo próprio processo colonial, entendendo os aleijamentos como posição política dos corpos violados pela lógica produtivista da modernidade ocidental. Se Homi Bhabha (2013, p. 246), nos anos 1990, falava da importância das contranarrativas de mulheres e de imigrantes para confrontar a história linear e positivista da colonização, no século XXI torna-se ainda mais evidente a necessidade de conhecer a história colonial por meio desses corpos lidos como errados ou inadequados. Assim, o presente projeto propõe a análise de personagens com deficiência em narrativas literárias brasileiras, portuguesas, angolanas e moçambicanas que evidenciem sua ligação com o passado colonial.
Metodologia
Um dos métodos de estudo mais amplamente utilizados pela crítica literária, atualmente, no âmbito de narrativas, é a análise de personagem. Para a teoria da literatura, no entanto, esta foi uma categoria tradicionalmente relegada às margens da narratologia (REIS, 2018). Como contraposição às leituras realistas do fim do século XIX e início do XX que reduziram a personagem literária a um espelho da realidade, teóricos formalistas e estruturalistas trataram de concebê-la como uma função narrativa. De Vladimir Propp a Claude Lévi-Strauss, buscou-se encontrar narrativas prototípicas em que os personagens desempenhariam os mesmos papeis diante do enredo.
No entanto, conforme reflete Michel Zéraffa (2010, p. 10),
O campo do romanesco é, por excelência, o da interpretação. Tendo observado o mundo e a si mesmo, o romancista pensa o mundo e se pensa, e é pouco dizer que sua hermenêutica exige o recurso a modos de expressão específicos: nenhuma técnica nenhuma forma, é puramente operatória.
Não só o romance, mas todo texto ficcional configura assim uma leitura da realidade. Transcender a redução funcionalista da personagem implica, portanto, uma revisão do conceito de representação para além da mimesis aristotélica. Nesse sentido, os Estudos Culturais (sejam eles focados em questões de colonização, raça, gênero, orientação sexual ou outras) foram fundamentais para uma abordagem política da representação, impactando diretamente na visão sobre a personagem narrativa.
Edward Said (2007), no seu clássico Orientalismo: Oriente como uma invenção do Ocidente, recorre aos conceitos de discurso foucaultiano e de hegemonia gramsciano para discorrer sobre os impactos da construção de uma personagem (não só na literatura, mas em toda cultura) na manutenção do projeto colonial. Por meio de representações do sujeito oriental como místico, exótico, ameaçador, perigoso, subdesenvolvido, entre outros, sustenta-se a suposta necessidade de intervenção do ocidente. Assim, abordar a representação em um sentido cultural implica abordar a forma como determinados corpos são lidos pelo imaginário social dominante. Daí a importância, atualmente, de leituras que deslindam a manutenção ou ruptura de estereótipos em personagens negras, indígenas, mulheres, transexuais, migrantes, entre outras.
Para Maria da Glória Bordini (2006, p. 141), “o que se encontra na narrativa de hoje são representações culturalmente orientadas, dando existência – verbal, no caso da literatura – a sujeitos com experiências de privação, preconceito, opressão, crueldade ou vacuidade”. A existência ficcional de um grupo historicamente ignorado, como é o caso das pessoas com deficiência, é capaz de orientar outros sentidos de leitura para as pessoas reais. Afinal, como conclui a referida pesquisadora (Bordini, 2006, p. 142), “a personagem atualmente pode ser examinada não apenas como imagem do homem ou puro ser de linguagem, mas projeta-se como o lugar de identificação para o leitor, em que todos os problemas da contemporaneidade convergem”.
A esta pesquisa interessa, particularmente, entender a forma como personagens com deficiência são representadas pela literatura pós-colonial de países como Brasil, Portugal, Angola e Moçambique. O que é ser uma pessoa com deficiência para esses textos? Como o passado de colonização em comum entre esses países atravessa os corpos dessas personagens? Que possibilidades esses corpos oferecem para relermos o passado colonial e repensarmos nossa literatura pós-colonial? Neste projeto acredita-se que a resposta a essas perguntas, ancorada no exame crítico das obras literárias selecionadas, bem como na fundamentação teórica dos Estudos da Deficiência e dos Estudos Pós-Coloniais, é capaz de fazer com que entendamos melhor a nós mesmos, pessoas com ou sem deficiências de contextos outrora colonizados. Afinal, este lugar de projeção que é a personagem contemporânea, tal qual fala Bordini, é o lugar de experiência das diferenças não só culturais, mas também físicas, mentais, cognitivas ou sensoriais que nos constituem enquanto sujeitos.
No entanto, conforme reflete Michel Zéraffa (2010, p. 10),
O campo do romanesco é, por excelência, o da interpretação. Tendo observado o mundo e a si mesmo, o romancista pensa o mundo e se pensa, e é pouco dizer que sua hermenêutica exige o recurso a modos de expressão específicos: nenhuma técnica nenhuma forma, é puramente operatória.
Não só o romance, mas todo texto ficcional configura assim uma leitura da realidade. Transcender a redução funcionalista da personagem implica, portanto, uma revisão do conceito de representação para além da mimesis aristotélica. Nesse sentido, os Estudos Culturais (sejam eles focados em questões de colonização, raça, gênero, orientação sexual ou outras) foram fundamentais para uma abordagem política da representação, impactando diretamente na visão sobre a personagem narrativa.
Edward Said (2007), no seu clássico Orientalismo: Oriente como uma invenção do Ocidente, recorre aos conceitos de discurso foucaultiano e de hegemonia gramsciano para discorrer sobre os impactos da construção de uma personagem (não só na literatura, mas em toda cultura) na manutenção do projeto colonial. Por meio de representações do sujeito oriental como místico, exótico, ameaçador, perigoso, subdesenvolvido, entre outros, sustenta-se a suposta necessidade de intervenção do ocidente. Assim, abordar a representação em um sentido cultural implica abordar a forma como determinados corpos são lidos pelo imaginário social dominante. Daí a importância, atualmente, de leituras que deslindam a manutenção ou ruptura de estereótipos em personagens negras, indígenas, mulheres, transexuais, migrantes, entre outras.
Para Maria da Glória Bordini (2006, p. 141), “o que se encontra na narrativa de hoje são representações culturalmente orientadas, dando existência – verbal, no caso da literatura – a sujeitos com experiências de privação, preconceito, opressão, crueldade ou vacuidade”. A existência ficcional de um grupo historicamente ignorado, como é o caso das pessoas com deficiência, é capaz de orientar outros sentidos de leitura para as pessoas reais. Afinal, como conclui a referida pesquisadora (Bordini, 2006, p. 142), “a personagem atualmente pode ser examinada não apenas como imagem do homem ou puro ser de linguagem, mas projeta-se como o lugar de identificação para o leitor, em que todos os problemas da contemporaneidade convergem”.
A esta pesquisa interessa, particularmente, entender a forma como personagens com deficiência são representadas pela literatura pós-colonial de países como Brasil, Portugal, Angola e Moçambique. O que é ser uma pessoa com deficiência para esses textos? Como o passado de colonização em comum entre esses países atravessa os corpos dessas personagens? Que possibilidades esses corpos oferecem para relermos o passado colonial e repensarmos nossa literatura pós-colonial? Neste projeto acredita-se que a resposta a essas perguntas, ancorada no exame crítico das obras literárias selecionadas, bem como na fundamentação teórica dos Estudos da Deficiência e dos Estudos Pós-Coloniais, é capaz de fazer com que entendamos melhor a nós mesmos, pessoas com ou sem deficiências de contextos outrora colonizados. Afinal, este lugar de projeção que é a personagem contemporânea, tal qual fala Bordini, é o lugar de experiência das diferenças não só culturais, mas também físicas, mentais, cognitivas ou sensoriais que nos constituem enquanto sujeitos.
Indicadores, Metas e Resultados
Renovação de abordagens no âmbito dos Estudos Literários; Publicação de importantes fontes para pesquisas de outras áreas relacionadas às deficiências, como Psicologia, Psicanálise e Pedagogia; Identificação e reconhecimento de estudantes com deficiência em personagens de obras literária; Formação de profissionais das áreas de Letras (professores, tradutores, editores e revisores), no âmbito da graduação e da pós-graduação, capacitados para lidar com a diversidade e as deficiências em seu cotidiano de trabalho.
Equipe do Projeto
Nome | CH Semanal | Data inicial | Data final |
---|---|---|---|
ANA CAROLINA BONI PIRES | |||
GUSTAVO HENRIQUE RÜCKERT | 9 | ||
Sophia Silva de Mendonça |