O mundo pós-segunda guerra mundial nunca mais fora o mesmo. Transformações radicais ocorreram. O Brasil não foi cenário de guerra, mas sofreu alguns impactos da mesma, principalmente no que se refere à saúde e agricultura.
Quanto à saúde, não havia ainda no país um sistema de saúde que contemplasse a todas as populações, apenas trabalhadores assalariados contribuintes dos fundos de pensão privados, tinham acesso às condições mínimas de saúde, até então as demandas de saúde eram mais relacionadas ao trabalho e falta de saneamento básico. Na agricultura, os princípios ativos que fora utilizado como armamentos durante a guerra passaram a ser utilizados na agricultura moderna, implantados no país através dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde, tornando assim, o campo lugar de depósito de agrotóxicos.
Com luta e resistência popular o país conquistou o Sistema Único de Saúde (SUS), um dos mais completos do mundo, sua operacionalização tem sofrido grandes desafios ao longo de seus jovens 30 anos (SANTOS, 2018).
Em meio às inúmeras demandas sociais que o SUS tenta suprir, com certeza o impacto dos agrotóxicos a saúde da população brasileira, tem custado caro ao sistema, e muito recurso econômico e humano ainda será dispensado. Já que estes princípios ativos são reproduzidos de geração em geração nas pessoas, causam danos a saúde que demandam desde procedimentos simples, até média e alta complexidade.
A cada dólar comprado de agrotóxico, 1,28 dólares são gastos em saúde pública, isso apenas em casos de intoxicações agudas, sem contabilizar os agravos crônicos (SOARES, 2010).
Esses produtos químicos têm causado inúmeros impactos em todo ecossistema, desde a saúde dos trabalhadores, o meio ambiente, os alimentos, as águas e a saúde das famílias que moram no campo ou nas cidades. Em 2017 foram comercializados 571 mil toneladas de princípios ativos no Brasil, no Estado do Grande do Sul, 70 mil toneladas (VIGISOLO, 2018).
Segundo o Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Rio Grande do Sul (CEVS), o Estado tem tido avanços quanto ao serviço de vigilância ao agravo de intoxicações agudas por agrotóxicos. De 1,56 casos por 100 mil habitantes notificados no ano de 2012, o RS atingiu 7,08 casos por 100 mil habitantes em 2018. O que demonstra uma diminuição da subnotificação e a meta de 6 casos por 100.000 habitantes pactuada no Plano Estadual de Saúde 2016-2019 foi alcançada. Em 2015, a média nacional de notificação deste agravo foi de 6,26 por 100 mil habitantes (VIGISOLO, 2018).
Dados como estes mencionados anteriormente, demonstram a importância de políticas de vigilância em saúde, e que possa ir além, monitorar também os impactos crônicos dos agrotóxicos na saúde das populações. Uma vez que a sensibilização das pessoas a falar sobre um, dos tantos agravos que estes produtos causam a saúde, já é um grande avanço do ponto de vista de criar estratégias para atender a demanda de saúde, e chamar atenção da sociedade para a abrangência do problema.
Resultados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA) do Ministério da Saúde, publicado em abril deste ano, 2019, revelam Agrotóxicos detectados na água que abastece mais de 2.300 cidades de 2014 a 2017. Em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos. Subiu para 84% em 2015 e foi para 88% em 2016, chegando a 92% em 2017.
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) contemplou amostras de 25 alimentos, coletadas no período de 2013 a 2015 observaram-se que das 12.051 amostras de alimentos analisadas, 2.371 (19,7%) foram consideradas insatisfatórias, contendo irregularidades relacionadas ao Limite Máximo de Resíduos (LMR), (ANVISA, 2016). Cabe ressaltar que os LMRs permitidos no Brasil são consideravelmente superiores aos preconizados pela legislação em outros países.
Já no ciclo 2017/2018, foram pesquisados apenas 14 alimentos de origem vegetal e analisadas 4.616 amostras, destas 1.072 (23%) foram consideradas insatisfatórias, até 270 ingredientes foram pesquisados (ANVISA, 2019).
Cerca de dois terços de agrotóxicos usados no Brasil, são proibidos na União Europeia. E os limites permitidos para presença dos agrotóxicos nos alimentos ou na água são muito diferentes também. O glifosato, por exemplo, principio ativo mais usado, cujo limite de presença na água é de 0,1 microgramas por litro, aqui é permitido 500 microgramas por litro (LAZZERI, 2017).
Contudo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) considera, caso seja encontrado resíduo de agrotóxico num alimento em concentração igual ou inferior ao LMR, o alimento pode ser considerado seguro para a saúde do consumidor, com relação a esse agrotóxico.
Dutra e Ferreira 2019, em estudo de análise temporal com informações sobre nascidos vivos (SINASC/Ministério da Saúde), constataram taxas mais elevadas de anomalias congênitas em crianças nascidas nas microrregiões do estado do Paraná com maiores produções de grãos.
No RS, estudo sobre perfil ocupacional de trabalhadores rurais expostos a agrotóxicos na região das missões, demonstrou que os trabalhadores do campo, grupo mais exposto, apresentou maior incidência de micronúcleos quando comparado com indivíduos do grupo não exposto (SCHÄFFER,2019). Os micronúcleos são bons biomarcadores e um dos principais métodos de monitoramento de lesões genéticas, pois são estruturas extranucleares compostas por fragmentos de cromossomos que durante a mitose não foram incorporados ao núcleo principal (FENECH, 2000).
Moro 2012, ao analisar resíduos de agrotóxicos e medicamentos veterinários de 509 amostras de leite in natura, da região noroeste do RS, de fevereiro a novembro de 2011, detectou 31 compostos dos 96 princípios ativos avaliados. Sendo os agrotóxicos detectados com maior frequência (97,5%), em relação aos resíduos de medicamentos veterinários. Dos agrotóxicos detectados 36,9 % eram herbicidas, 26,3% inseticidas e 13,2% fungicidas.
Estudos nesse sentido são necessários para melhor discutir a relação entre uso indiscriminado, e ao mesmo tempo legalizado de agrotóxicos em nosso país, com o modelo de desenvolvimento econômico e suas consequências para a saúde pública (PIGNATI, 2014).