Nome do Projeto
A perspectiva histórica entre as gerações: a alteração das lembranças da Segunda Guerra Mundial de acordo com seu interlocutor
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
31/05/2020 - 31/07/2025
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Linguística, Letras e Artes
Resumo
Cada geração de alemães vivenciou de forma distinta a experiência do Nacional-Socialismo e da Segunda Guerra Mundial. Em termos gerais, o ano de 1927 é considerado uma data de corte da "culpa" para os que não teriam tido condições de participar ativamente e conscientemente do regime nazista. No caso dos escritores Günter Grass e Martin Walser, que nasceram nesse ano, o critério de corte priva-os da culpa coletiva, embora ambos tenham participado pessoalmente da batalha no front. Mesmo as gerações alemãs que não foram contemporâneas do cataclisma nacional-socialista relacionam-se com as memórias desse período histórico. Até hoje os acontecimentos que circundaram a Segunda Guerra seguem sendo constantemente retomados. Novas descobertas surgem, novos relatos são trazidos à tona, modificando as perspectivas de análise da história alemã recente. Fica desmentida, assim, a noção de que o assunto está esgotado ou de que o país reconciliou-se inteiramente com seu passado. No modelo utilizado por Aleida Assmann, as gerações que foram influenciadas pelos eventos da Segunda Guerra são divididas em sete grupos (Geração de '14, de '33, de '45, filhos da guerra (Kriegskinder), de '68, de '78, e de '85.), dos quais as gerações de '33 e de '45 assumem relevo, por compreenderem os autores antes referidos. Tal classificação deve ser recebida com a ressalva de seu caráter didático, que não necessariamente corresponde à consciência pessoal dos participantes dessas gerações. Na tensão entre memória individual e memória coletiva, os autores alemães compuseram suas narrativas individuais inspirados não apenas nos fatos que experienciaram, mas também nas percepções de sua geração.

Objetivo Geral

Geral: desenvolver o estudo sobre as principais perspectivas históricas acerca dos fatos ocorridos na
Segunda Guerra Mundial, como questões de responsabilidade e de culpa, avaliação do próprio papel e de
outros participantes, e a elaboração do trauma, no contexto literário alemão do pós-guerra. Específicos: -
revisar fontes teóricas que sustentem uma reflexão sobre as diferenças de pensamento entre gerações de
alemães que participaram ativa ou indiretamente da Segunda Guerra Mundial; - proceder à (re)leitura de
textos literários de língua alemã, escritos depois de 1945, que tratem da temática da Segunda Guerra
Mundial para identificar e classificar a linha de pensamento seguida pelos autores e procurar
semelhanças e diferenças entre as gerações; - examinar também a questão territorial e política, já que
estas tiveram uma grande influência nas linhas de pensamento representadas literariamente; - elaborar
um ensaio teórico sobre o desenvolvimento de um ponto de vista comum a determinada geração de
alemães e como este está representado na literatura pós Segunda Guerra Mundial; - elaborar uma
publicação final sobre as diferentes modalidades de perspectivas sobre a Segunda Guerra Mundial; -
orientar alunos de Iniciação Científica, Graduação (TCC), Mestrado e Doutorado em trabalhos
relacionados ao tema da pesquisa; - contribuir para o crescimento da fortuna crítica das obras literárias
alemãs que, apesar do interesse dos alunos nesta temática, tem pouca representatividade nas
universidades brasileiras.

Justificativa

Os escritores Günter Grass e Martin Walser foram entrevistados pelo jornal alemão Die Zeit, por ocasião do ano de aniversário de oitenta anos dos dois (2007 ), e a publicação tem o sugestivo título de "Quem é um ano mais novo, não tem a menor ideia". O teor da entrevista trata do que os autores pensavam do conflito geracional e da mudança de paradigma de reflexão ao longo das décadas. Apesar de parecer exagerado, mesmo para a veloz alteração de gerações atual, o ano de nascimento desses dois escritores realmente trouxe-lhes consequências notáveis no que se refere ao seu enquadramento geracional. Nascidos em 1927, eles entraram na data de corte da "culpa" para os que não teriam tido condições de participar ativamente e conscientemente do regime. Ao mesmo tempo, no entanto, tinham idade suficiente para serem convocados para a bateria antiaérea antes do final da guerra; os mais jovens, mesmo que somente por um ano, não tiveram esta desventura. Martin Walser afirma:

Em cada década existe uma forma diferente, recomendada e conformada pelo Zeitgeist, de lidar com o passado alemão. Nos anos 60, ninguém queria tomar conhecimento disso [Holocausto], pois não era a hora. Cada década tornou-se então mais sensível e responsável. (DIE ZEIT, 2007, p. 6, tradução nossa)

Para Sarlo (2007, p. 116), os relatos da memória são plenamente influenciados não só pelos seus interlocutores como também pela forma de pensar de cada período:

Eles se estabelecem em um “teatro da memória” que foi desenhado antes e onde eles encontraram um espaço que não depende só de reivindicações ideológicas, políticas ou identitárias, mas de uma cultura e época que influi tanto nas histórias acadêmicas como nas que circulam no mercado.

Segundo Assmann (2007, p. 35, tradução nossa), cada geração viveu ou sobreviveu a guerras de uma maneira distinta: “Diferentes faixas etárias sofreram a guerra de diferentes perspectivas: daqueles, que lutaram em ambas as guerras até aqueles que, quando crianças, presenciaram os efeitos da guerra na população civil“.

Para Seligmann-Silva (2003, p. 67), existem, dentro da sociedade, formas heterogêneas de enxergar o passado: "A memória existe no plural: na sociedade dá-se constantemente um embate entre diferentes leituras do passado, entre diferentes formas de enquadrá-lo". Ricoeur também trata das distinções entre memória coletiva e individual: "[...] a memória é primordialmente pessoal ou coletiva? [...] a quem é legítimo atribuir o pathos correspondente à recepção da lembrança e a praxis em que consiste a busca da lembrança?" (RICOEUR, 2007, p. 105). Ele reafirma a individualidade de cada lembrança: "[...] a memória é passado, e esse passado é o de minhas impressões; nesse sentido, esse passado é meu passado" (Ibid., p. 107). Embora seja possível buscar uma narração coletiva, cada relato será uma pequena parte de uma composição que se sobrepõe ao outro e, possivelmente, irá contradizer-se em certos momentos, o que não invalida seu argumento.

No âmbito social, embora pareça que exista um distanciamento crítico suficiente para conversar abertamente sobre o tema da Segunda Guerra Mundial, depois de mais de setenta anos de seu término, as lembranças ainda afetam, se não os participantes originais, como ocorria até alguns anos atrás, seus familiares e seu legado. Para muitos jovens pesquisadores alemães o tema parece esgotado, mas o fato é que novas reviravoltas e reflexões sobre a época do nazismo, que continuam insistentemente aparecendo na mídia , desmentem a aparente conciliação com o passado. Assmann (2007) apresenta dois casos que chamaram a atenção da Alemanha em 1978 e 1986. Em 1978, Hans Filbinger teve de renunciar ao cargo de governador de Baden-Wüttenberg, graças à pressão da opinião pública, depois de revelada sua participação como juiz da Marinha e suas respectivas sentenças de execução de desertores às portas do final da guerra. O político afirmou então: "O que era correto naquela época, não pode ser considerado injustiça hoje" (FILBINGER apud ASSMANN, 2007, p. 50, tradução nossa). Assmann comenta o choque perante o tipo de justificativa utilizada pela geração do ex-governador e sua genuína crença em ter feito um trabalho digno:

O surpreendente no caso Filbinger não são as manobras de desvio e o modelo de justificação dessa geração, que possui tipicamente uma boa consciência e uma péssima memória. Surpreendente, é antes a exata aceitação justamente dessa postura pelos representantes de uma geração posterior. (ASSMANN, 2007, p. 50, tradução nossa)

Em 1986, o secretário-geral das Nações Unidas, entre 1972 e 1981, Kurt Waldheim, candidatou-se para a presidência da Áustria. Durante as eleições foi revelado que Waldheim calou sobre alguns detalhes de sua biografia, como a sua filiação voluntária ao partido nazista e atuação como soldado nazista nos Bálcãs na luta contra os movimentos de resistência locais. Ainda assim ele foi eleito e governou até 1992. Sabe-se que o caso da Áustria difere do da Alemanha: não houve na Áustria uma revisão de culpa, já que os austríacos, apesar de sua intensa colaboração, se consideravam vítimas da anexação do regime nazista .
Assmann comenta sobre a constante retomada dos acontecimentos que circundaram a Segunda Guerra Mundial: "Apenas quando esse presente já se passou, interrompeu-se ou está fechado, a lembrança pode emergir" (ASSMANN, 2007, p. 9, tradução nossa). Ou seja, com o passar do tempo, são feitas novas descobertas, criados novos entendimentos, e a perpectiva com a qual se analisa a história é modificada: "Os novos tempos decidem, julgam sobre o passado, que nunca pode ser idêntico com o passado de outrora. Enquanto o passado ainda era presente, ele era conectado pelas expectativas do futuro" (ASSMANN, 2007, p. 9, tradução nossa).

Assmann traz ainda em seu estudo um modelo em que divide as gerações que experienciaram a Segunda Guerra Mundial. Ela segmenta os alemães, que, de alguma forma, foram influenciados pelo evento da guerra, em sete grupos , dos quais apenas nos interessam as assim intituladas gerações de '33 e de '45, por compreenderem os autores aqui examinados.
É importante observar que tal divisão é atual, criada para fins didáticos e não uma conscientização própria dos seus participantes. É possível que, contemporaneamente, os alemães se reconheçam como membros de uma geração ou outra, graças a uma percepção ou empatia pelo que sua faixa etária carrega. Pode-se dizer ainda que é viável que esse pertencimento não seja gerado por características comuns, mas por um simples desejo de adequação que pode originar inclusive lembranças recém criadas. Jean-Yves e Marc Tadié explicam esse processo:

Na nossa memória, nossas lembranças se modificam em função do presente, do contexto. A intencionalidade desempenha um papel importante: à medida que nós avançamos na vida, nós forjamos uma certa ideia de nós mesmos. Da mesma forma que os historiadores terão a tendência de escolher, no passado de um país, os fatos que farão o sentido que eles querem dar, e apagar e atenuar os outros, também nós teremos a tendência de guardar, modificar e idealizar as lembranças que reforçam a ideia que fazemos de nós mesmos e suprimir as demais. (TADIÉ, 1999, p. 328, tradução nossa)

Assim sendo, mesmo que irrefletidamente, os alemães que conviveram com diferentes perspectivas da guerra compõem suas memórias individuais inspirados nas percepções de sua geração e ao revelarem-se na literatura ajudam-nos a mesmo compreender o passado e a condição humana dos indivíduos.

Metodologia

A investigação é de natureza bibliográfica e articula estudos relativos às visões acerca dos acontecimentos europeus entre 1933 e 1945 pelos seus participantes diretos e indiretos. Além das obras literárias e o corpus específico, também serão revisadas obras relativas à história do período e demais áreas afins.

Indicadores, Metas e Resultados

- incentivar estudos posteriores no âmbito das Letras Germânicas;

- fomentar o interesse na Literatura Alemão no curso recentemente criado de Licenciatura em Português e Alemão da UFPel;

- desenvolver nos alunos de graduação (nos bolsistas do projeto) a competência de participar de um projeto e pré-requisitos para continuar na pesquisa acadêmica na Pós-graduação;

- disponibilizar o material resultante do projeto para futuras pesquisas em âmbito nacional;

- elevar a pontuação da instituição no quesito pesquisa, através de publicações e apresentação em eventos, perante a CAPES.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
ANA LUIZA SCHNEIDER
BRUNA ESCALANTE AYRES
CAROLINE DORST NACHTIGALL
LUIZA MÜLLER DA ROSA
MILENA HOFFMANN KUNRATH2
NATALIA APARECIDA NAZARIO

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