Nome do Projeto
Necropolítica e População Negra: problematizações sobre racismo e antirracismo e seus desdobramentos em tempos de pandemia e pós-pandemia da Covid-19
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
01/07/2020 - 01/07/2024
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
O presente projeto de pesquisa está inserido na grande área das Ciências Humanas, com interfaces no campo da saúde, e compõe as atividades do “Núcleo de Estudos e Pesquisas É’LÉÉKO”, vinculado ao curso de Psicologia da UFPel e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. Em tempos de pandemia da Covid-19, a possibilidade de destruição material de corpos negros é exacerbada considerarmos a histórica situação de vunerabilização social e racial a qual a população negra está submetida há mais de 500 anos. A pesquisa objetiva compreender e problematizar os efeitos do racismo e da luta antirracismo na vida de homens e mulheres negras antes, durante e pós-pandemia da Covid-19. As discussões teórico-metodológica partirão de produções de conhecimentos contra hegemônicos, cuja perspectiva epistemológica de Ciência é tomada como uma forma de produzir questionamentos, reflexões e intervenções com sujeitos, grupos, comunidades numa relação sujeito-sujeito. A escolha dos métodos e técnicas de pesquisa partirão da necessidade de potencializar a relação dialógica entre pesquisadora e participantes. Serão participantes pessoas adultas, maiores de 18 anos, autodeclaradas pretas e pardas, que se dispuserem a contribuir com as discussões propostas pelo projeto. Serão utilizadas diferentes perspectivas teóricas e políticas em torno de um eixo, o antirracismo, cujos deslocamentos, desdobramentos e agenciamentos epistêmicos irão subsidiar a compreensão sobre o fenômeno estudado. A construção teórica do estudo tem a potência de estimular reflexões sobre usos e interpretações de matrizes do pensamento negro e produzir, quiçá, o que aqui chamamos de uma ciência negra desde o lugar ético, estático, ontológico e epistemológico negro.

Objetivo Geral

Compreender e problematizar os efeitos do racismo e da luta antirracismo na vida de homens e mulheres negras antes, durante e pós-pandemia da Covid-19.

Justificativa

O presente projeto intitulado “Necropolítica e População Negra: problematizações sobre racismo e antirracismo e seus desdobramentos em tempos de pandemia e pós-pandemia da Covid-19”, está inserido na grande área das Ciências Humanas, com interfaces no campo da saúde, e compõe as atividades do “Núcleo de Estudos e Pesquisas É’LÉÉKO: Agenciamentos Epistêmicos Antirracistas e Descoloniais”, vinculado ao curso de Psicologia da UFPel e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS.
Ele tem o propósito de se desdobrar em outros subprojetos que são desenvolvidos em parceria: (1) com profissionais de outros cursos da universidade e de outras instituições e/ou centros de pesquisa; (2) com estudantes de graduação e pós-graduação da UFPel e da UFRGS. Esses subprojetos serão articulados com o projeto maior do ponto de vista teórico e metodológico. Ele busca produzir problematizações, reflexões e produções teórico-práticas tendo como centralidade a insurgência de epistemologia e metodologias negras no campo das ciências humanas e da saúde; e a necessidade de propor, estabelecer e difundir o que poderíamos chamar de uma ciência negra a se enunciar desde seu lugar negro, com todas as decorrências desta escolha política.
Temos como pressuposto a ideia de que o lugar importa, considerando as contribuições do pensamento de Édouard Glissant, Hill Collins, bell rooks, Lélia Gonzalez e Silvia Cusicanqui. Ou seja, o lugar desde o qual produzimos e difundimos conhecimento, o lugar desde o qual compreendemos e enunciamos o mundo, assim como o lugar desde o qual escutamos e apre(e)ndemos os diferentes lugares deste mesmo mundo.
A universalização da humanidade e, consequentemente, homogeneização no modo de compreender o mundo produz a negação do que Santos (2010a, p. 543) chama de “diversidade epistemológica do mundo”, e ao “fascismo epistemológico”. O autor salienta que o “fascismo epistemológico existe sob a forma de epistemicídio, cuja versão mais violenta foi a conversão forçada e a supressão dos conhecimentos não ocidentais levados a cabo pelo colonialismo europeu” (p.544), invisibilizando, portanto, modos de ser, estar e compreender o mundo.
Segundo Fanon (2005), o colonialismo se constitui como um sistema de exploração e dominação violento produzido pelo colonizador diante do povo colonizado. O autor salienta que a violência, na lógica colonial, é essencialmente dada já que o colonizador atua na perspectiva de dominar e explorar a existência de homens e mulheres que vivem no território colonizado, retirando seus bens, costumes, cultura, tradições em nome do trabalho escravizado. O colonialismo europeu em terras africanas produziu uma cisão racializada entre brancos e negros efetivando mundialmente a hierarquia e a dominação racial dos primeiros em relação aos segundos (FANON, 2005). Já o conceito de colonialidade vai além dos limites e particularidades do colonialismo histórico, como algo que não desaparece mesmo após uma suposta independência ou descolonização dos povos colonizados, seja no continente africano, seja na América (QUIJANO, 1997).
A colonialidade, ou colonialidade do poder, expressa um modelo hegemônico global, que articula raça, trabalho, subjetividades, sexualidade, contextos geo-políticos de acordo com a necessidade do capital e para o benefício de determinadas populações em detrimento de outras (QUIJANO, 2007). Trata-se de um “padrão mundial de poder capitalista, colonial/moderno, eurocentrado” (QUIJANO, 2005, p. 126), cujas relações de poder subalternizam sujeitos e conhecimentos. A colonialidade do poder consolida uma “concepção de humanidade segundo a qual a população do mundo diferencia-se em inferiores e superiores, irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tradicionais e modernos” (QUIJANO, 2010, p. 86).
Ainda conforme Quijano (2005), o conceito de raça é uma abstração, uma invenção que nada tem a ver com processos biológicos. O conceito de raça “não passa de uma ficção útil, de uma construção fantasista ou de uma projecção ideológica” cuja necessidade de sua invenção foi fundamentar o poder do hemisfério ocidental que se considerava “o centro do globo, o país natal da razão, da vida universal e da verdade da Humanidade” (MBEMBE, 2017, p. 27). Quijano (2005) salienta, ainda, que a partir da união entre raça e cor a partir do século XVI, raça passa a ser usada como justificativa para a dominação colonial e hegemonia eurocêntrica.
O conceito de raça e o substantivo “Negro”, irão constituir o que Mbembe (2017, p. 30) denomina de “processos de efabulação”, isto é, estratégia de “apresentar como reais, certos ou exactos, factos muitas vezes inventados” em nome de uma razão ocidental, mercantil, eurocêntrica. Eis que o corpo negro será tomado pela “razão mercantil”, em processo de “gestação desde a segunda metade do século XV”, como corpo e mercadoria, a um só tempo: “corpo-objeto ou objeto-corpo” (MBEMBE, 2017, p.141). A raça atrelada à cor da pele, o racismo, constitui um elemento da colonialidade que continua produzindo efeitos sobre os corpos de pessoas negras na contemporaneidade, e que é encontrado no padrão de poder hegemônico (QUIJANO, 2005).
A raça sempre esteve na esteira do pensamento e da prática das políticas do Ocidente, especialmente no que tange ao processo de desumanização dos povos africanos (MBEMBE, 2018, p.18). Raça e racismo, portanto, irão fundamentar um estado soberano necropolítico.
Na construção desta categoria analítica, Mbembe (2018, p.5) parte do pressuposto “que a expressão máxima da soberania reside em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”. Deste modo “matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais”. Portanto, ser soberano, para o autor “é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder”. Neste sentido, “a soberania é a capacidade de definir quem importa e quem não importa, quem é ‘descartável’ e quem não é” (MBEMBE, 2018, p. 41).
Portanto, o colonialismo e a colonialidade constroem modelos de soberania cujo projeto central, como refere Mbembe (2018) é a “instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos humanos e populações” (p.10). Ou seja, a instrumentalização de corpos negros, a destruição da população negra. Estamos falando, portanto, de corpos matáveis.
Em tempos de pandemia da Covid-19, a possibilidade de destruição material de corpos negros é exacerbada considerarmos a histórica situação de vunerabilização social e racial a qual a população está submetida há mais de 500 anos. Ou seja, a Covid-19 aprofunda um cenário de extrema desigualdade social e racial em nosso país, afetando substancialmente, homens e mulheres negras.
Considerando o jogo de poder estabelecidos pela ideia de raça, pelo racismo e pela pandemia da Covid-19, nos questionamos sobre o modo como o estado exerce o controle sobre a mortalidade dos corpos negros, tomando-os como descartáveis, a partir da ideia do Outro, do Não-Humano, do Não-Ser. Ao mesmo tempo que é construída a narrativa do Outro descartável, também é construída a narrativa da existência do corpo negro que se constitui como um atentado, uma ameaça ao corpo branco, à branquitude, à supremacia branca e que, portanto, necessita ser eliminado.
Outros questionamentos vão emergindo na construção do projeto: Como homens e mulheres negras têm se sentido desde que a pandemia começou? Conseguiram fazer o isolamento social ou foi necessário manter o trabalho? Quais as principais transformações em suas vidas desde o início da pandemia? Quais as implicações do racismo e da luta antirracismo antes, durantes e pós-pandemia? Essas são apenas algumas das perguntas que emergem nesse projeto e com o intuído de escutar, visibilizar e conectar vozes negras, é que foi construído.
Para levar a cabo a pesquisa, lançamos mão de diferentes perspectivas teóricas e políticas em torno de um eixo, o antirracismo, cujos deslocamentos, desdobramentos e agenciamentos epistêmicos irão subsidiar a compreensão sobre o fenômeno estudado. A construção teórica do estudo tem a potência de estimular reflexões sobre usos e interpretações de matrizes do pensamento negro e produzir, quiçá, o que aqui chamamos de uma ciência negra desde o lugar ético, estático, ontológico e epistemológico negro.

Metodologia

As discussões teórico-metodológica partirão de produções de conhecimentos contra hegemônicos, cujas principais autoras/res com os quais estamos trabalhamos são: Franz Fanon, Aimé Cesáire, Achille Mbembe, Édouard Glissant, Hill Collins, bell rooks, Lélia Gonzalez, Silvia Cusicanqui, Enrique Dussel, Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Ramón Grosfoguel, Catherine Walsh, Nelson Maldonado-Torres, Arturo Escobar, Ignacio Martín-Baró, Boaventura Sousa Santos, Yuderkys Espinosa Miñoso, Neusa Santos Souza, Virgínia Bicudo, Muniz Sodré, Grada Kilomba, Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí.
A perspectiva epistemológica de Ciência é tomada como uma forma de produzir questionamentos, reflexões e intervenções com sujeitos, grupos, comunidades numa relação sujeito-sujeito. Ou seja, uma proposta de virada epistemológica e metodológica na produção de conhecimento, de modo que aquela/e que, historicamente, esteve no lugar de objeto de pesquisa passa a assumir protagonismo nessa construção.
Na modernidade/colonialidade o Outro precisa permanecer Outro. Quem é esse outro? Gayatri Spivak (2010) a partir da obra “Pode o subalterno falar?” critica o falar pelo Outro. No momento em que eu falo pelo sujeito, ele não precisa falar. Esse risco acontece a todo o momento na construção de pesquisa. O discurso da ciência ocidental elimina a necessidade do sujeito falar. Eis nosso desafio. Na medida em que nos colocamos a fazer essa crítica, passamos a vivenciar um limiar epistêmico, sobre o qual precisamos construir um espaço em que a fala da pesquisadora, não exclua a necessidade da fala do sujeito participante.
A metodologia é aqui compreendida como o conhecimento crítico sobre os caminhos do processo científico que, por sua vez, deve indagar-se, a todo tempo, a cerca de seus limites e possibilidades. Assim, a escolha dos métodos e técnicas de pesquisa partirão da necessidade de potencializar a relação dialógica entre pesquisadora e participantes.
Trabalharemos com os métodos e técnicas qualitativas. Adotaremos uma postura ética-política a partir da relação sujeito-sujeito como uma forma de produzir questionamentos, reflexões e intervenções. Um caminho investigativo que busca os saberes e sentires produzidos na relação entre participantes e pesquisadora, tendo como referência a cosmosensação discutida por Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí (2017).
Os subprojetos que se desdobrarão do projeto maior estarão relacionados aos objetivos específicos deste último, considerando os seguintes temas: a) saúde mental da população negra em tempos de pandemia e pós pandemia; b) racismo e seus efeitos psicossociais; c) racismo, antirracismo e movimentos de (re)existência; d) clínica política antirracista e descolonial; e) pensamento negro descolonial.

Participantes
Serão participantes pessoas adultas, maiores de 18 anos, autodeclaradas pretas ou pardas, que se dispuserem a contribuir com as discussões propostas pelo projeto.

Instrumentos
Serão utilizadas diferentes técnicas de pesquisa, tais como:
• Questionários auto aplicável (presencial ou on-line);
• Entrevista aberta ou semiestruturada (presencial ou on-line);
• Grupo de discussão (presencial ou on-line).

Procedimentos para coleta de dados
O questionário on-line auto aplicável será disponibilizado por meio de um link. Será disponibilizado à pessoa que acessar o link do questionário uma apresentação do projeto de pesquisa com seu objetivo, seguida do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após a leitura do TCLE a pessoa tomará a decisão em participar ou não do estudo de forma justa e sem constrangimentos. Será assegurada a confidencialidade das informações produzidas em ambiente virtual e presencial.
A entrevista semiestruturada é uma estratégia que se apoia em questionamentos com perguntas básicas para guiar a pesquisa sem que as informações essenciais e o propósito original sejam deixados de lado. Dessa forma, utiliza-se de perguntas abertas, com foco nos objetivos da pesquisa, permitindo que outras informações que não estavam no roteiro inicial sejam inseridas ao longo da entrevista (MANZINI, 2004). As respostas dadas pelo participantes podem vagar livremente, ou seja, ele pode acrescentar dados que não estavam presentes na pergunta, no entanto, quando a resposta foge do tema de pesquisa, a pesquisadora irá conduzir o participante ao foco da questão (AGUIAR; MEDEIROS, 2009). Já a entrevista aberta partirá de uma questão disparadora e o participante será estimulado a falar livremente.
Os grupos de discussão (presenciais ou on-line) se caracterizarão como fechados, constituídos de quatro a seis encontros, com até oito participantes, com duração máxima de 90 minutos.

Procedimentos para análise dos dados
Os dados do questionário serão levantados e pontuados em um Banco de Dados especificamente elaborado para esta pesquisa.
As informações coletados nas entrevistas semiestruturadas ou abertas e no grupo de discussão, após as devidas transcrições, serão subdivididas, e ao mesmo tempo interligadas em grandes eixos temáticos no sentido de visibilizar os diferentes assuntos abordados pelos participantes. Inicialmente as informações coletadas por meio das diferentes técnicas serão tratadas separadamente, de modo que cada fonte irá produzir um corpus particular de análise.
Para a análise do conjunto das informações, haverá cotejo entre os diferentes corpus de análise a partir da construção de um quadro-mapa. Este terá como propósito visibilizar a relação de interdependência entre os temas abordados e construir uma confluência entre textos, considerando-se que a maior riqueza interpretativa se dá na interação permanente das técnicas e métodos entre si.

Ética em Pesquisa
O projeto seguirá as normas do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2012; BRASIL, 2016). Será encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFPEL.

Indicadores, Metas e Resultados

• Fomento da discussão sobre racismo e antirracismo antes, durante e pós-pandemia da Covid-19;
• Visibilização de histórias de vida de homens e mulheres negras durante e pós-pandemia;
• Discussão sobre os movimentos de (re)existência ao racismo desenvolvidos por homens e mulheres negras antes, durante e pós-pandemia da Covid-19;
• Problematização sobre os efeitos do racismo e da pandemia da Covid-19 na saúde mental da população negra;
• Visibilização das estratégias de autocuidado empreendidas por homens e mulheres negras durante a pandemia da Covid-19;
• Problematização sobre as transformações nas vidas de homens e mulheres negras com a advento da pandemia da Covid-19;
• Problematização sobre a relação trabalho e isolamento social na vida de homens e mulheres negras durante a pandemia;
• Discussão sobre uma clínica política antirracista descolonial, ou seja, uma proposta epistemológica e metodológica de escuta e cuidado em saúde mental, engajada e politizada a partir do antirracismo.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
CRISTIANA VIGORITO AFONSO
Fernanda Maiato Chagas
GEISSE ABEL POPPING
GEOVANA DA ROSA MACHADO
ISADORA VIJALVA RODRIGUES
KIZZY LESSA COUTINHO VITORIA
MIRIAM CRISTIANE ALVES4
SUELEN DE SOUZA AMARAL

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