A Covid-19 (Coronavírus Disease 2019) surgiu na cidade de Wuhan (China) e - quase 6 meses após os primeiros casos - se encontra presente nos cinco continentes infectado mais de 5 milhões e 500 mil pessoas. Sendo declarada pandemia pela Organização Mundial da Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020; HUANG et al., 2020), a Covid-19 preocupa diferentes autoridades pela elevada taxa de contágio, grandes populações susceptíveis, falta de tratamento específico e considerado número de indivíduos que necessitam de internação hospitalar, o que tende a colapsar a capacidade de atendimento dos sistemas de saúde (CHATTERJEE et al., 2020; GORBALENYA et al., 2020; HUANG et al., 2020; JIN et al., 2020). As formas de controlar a pandemia, implementadas por diferentes países e recomendada pela OMS, são determinar medidas coletivas e individuais de distanciamento e isolamento social, testagem em massa para detecção dos casos e, estímulo a hábitos de higiene de mãos, objetos e ambientes (MENG; HUA; BIAN, 2020; MORADI; VAEZI, 2020). Recentemente uma revisão sistemática apontou para a efetividade da quarentena e isolamento social, com redução de 44% a 81% de contaminados e 31% a 63% do número de mortes, sendo maior quando combinado com outras medidas de distanciamento social (NUSSBAUMER-STREIT et al., 2020). Outra meta análise constatou que o distanciamento de um metro protege contra o contágio e, essa proteção aumenta com dois metros, sendo o uso de máscaras e óculos também associados com um aumento na proteção (CHU et al., 2020).
No Brasil o primeiro caso foi confirmado no fim de fevereiro (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2020) e, três semanas após, com mais de mil casos confirmados o Ministério da Saúde Brasileiro determina que o país se encontra em transmissão comunitária do vírus (BRASIL, 2020b). A partir de então, decretos estaduais e municipais são intensificados com medidas de distanciamento social e de isolamento ou quarentena para casos confirmados da doença. Quatro meses após o primeiro caso, o Brasil já é o segundo país do mundo com maior número de pessoas infectadas, ultrapassando a marca de 500 mil casos e 30 mil mortos pela doença, segundo dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2020c). Uma pesquisa epidemiológica brasileira visa observar a evolução da Covid-19, considerando uma amostra de 25% da população (HALLAL et al., 2020). Os resultados da primeira rodada de testes, realizada em 133 cidades das 27 unidades federativas brasileiras de 14 a 21 de maio, observou uma estimativa de 760 mil casos, contra 106 mil das estimativas governamentais no período (HALLAL et al., 2020). Neste estudo, observa-se que existem diferentes prevalências da Covid-19 em todo o país, maiores na macrorregiões norte e menores nas macrorregiões sudeste e sul (HALLAL et al., 2020).
A maior população de cirurgiões-dentistas no mundo pertence ao Brasil, e, o maior empregador destes é o Sistema Único de Saúde (SUS) (PUCCA JR et al., 2015; SAN MARTIN et al., 2018). Segundo gráfico de bolhas calculado pelo O*NET® Database que utilizou dados do Departamento de Trabalho dos EUA, existem ocupações que estão muito susceptíveis ao contágio pela Covid-19 e, no topo encontra-se a odontologia (Gamio, 2020). Os motivos para isso são claros, a proximidade com o paciente, a exposição e contato direto a secreções orais e nasais, além de utilização de instrumentos que amplificam a disseminação de aerossóis no ar e superfícies potencializando a contaminação cruzada (VAN DOREMALEN et al., 2020; MENG; HUA; BIAN, 2020; PEREIRA et al., 2020). Diversos protocolos (BURGER, 2020; AGÊNCIA NACIONAL DE VIGIL NCIA SANITÁRIA, 2020) e revisões (BIZZOCA; CAMPISI; MUZIO, 2020; FINI, 2020; MENG; HUA; BIAN, 2020; PEREIRA et al., 2020) sobre o atendimento odontológico foram lançados, sendo, principalmente recomendado apenas o atendimento de urgências odontológicas como dor, infecções em espaços fasciais e traumas dentários (DAVE; SEOUDI; COULTHARD, 2020).
Obviamente as medidas de distanciamento social impõem a parada de atendimentos odontológicos eletivos ou totais e até a realocação de dentistas para a linha de frente ao combate a Covid-19 no SUS. Sendo um dos maiores sistemas de saúde do mundo, por muito tempo o SUS operava no limite de recursos humanos e materiais, quadro que se agravou com a demanda imposta pela Covid-19 (DANTAS, 2020). O Brasil é um dos poucos países do mundo que possui dentistas atuando na Atenção Primária à Saúde - APS, sendo atualmente 29.661 dentistas atuando na APS do SUS (BRASIL, 2020a). Apesar disso, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2013) apenas 23,7% dos brasileiros possui algum plano médico ou odontológico privado e, apenas 5,2% relatou ter um plano de saúde privado somente odontológico (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2013). Um estudo que entrevistou 3,1 mil dentistas brasileiros observou que os profissionais estão atendendo cerca de 30 pacientes a menos por semana (MORAES et al., 2020). Assim, com a baixa demanda de consultas eletivas supridas e redução de atividades educativas, existe a preocupação de que a procura por atendimentos odontológicos tenderá a subir no período pós-COVID-19 e que a saúde bucal, principalmente de pessoas vulneráveis irá piorar (FINI, 2020; KALASH, 2020; MALLINENI et al., 2020). Esse comprometimento poderá ser visível com piores indicadores em saúde bucal e também pelos prejuízos de repasses financeiros que muitas instituições poderão sofrer pela redução do número de atendimentos e pela crise econômica a nível nacional e internacional (DANTAS, 2020).
Na literatura odontológica não existe estudo que avalie a associação entre a covid-19 e impacto na quantidade e qualidade dos procedimentos e consultas, considerando a totalidade do país no seu sistema público de saúde, o SUS. Grande maioria da evidência presente até este momento se concentra em aspectos como medo e ansiedade do cirurgião-dentista (AHMED et al., 2020; CONSOLO et al., 2020), adesão dos pacientes a tele odontologia (GIUDICE et al., 2020), além de revisões sobre medidas de biossegurança válidas contra o SARS-CoV-2 e modificações em protocolos clínicos (FINI, 2020; MENG; HUA; BIAN, 2020; PEREIRA et al., 2020). Desta forma, é necessário acompanhar os números de atendimentos e procedimentos odontológicos antes, durante e após a pandemia a fim de detectar o impacto qualitativo e quantitativo nos atendimentos realizados no Sistema Único de Saúde, no repasse de investimentos para a saúde pública e na saúde bucal dos brasileiros que utilizam o SUS.