Nome do Projeto
Jornalismo, instituições e atores: das práticas sociais à tecitura de sentidos na circulação midiatizada de discursos
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
01/09/2021 - 31/03/2024
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Sociais Aplicadas
Resumo
Partindo dos estudos de Eliseo Verón e considerando os processos avançados de midiatização da sociedade, nossa pesquisa se propõe a investigar como os processos midiáticos de circulação de sentidos por meio de dispositivos midiáticos, nos quais os atores individuais estão tanto em produção como em reconhecimento, afetam as práticas sociais e discursivas de instituições não midiáticas, do jornalismo e dos próprios atores. Nossa abordagem inicia pela revisão dos conceitos de midiatização e circulação na obra de Verón para, em movimento dialético, ir em direção ao objeto empírico da pesquisa que consiste da informação jornalística que circula em dispositivos midiáticos e cujo lugar de produção tanto pode estar nas instituições midiáticas e não midiáticas como nos atores individuais. Nossa proposta considera o fluxo diacrônico do discurso, da enunciação ao reconhecimento, incluindo sua apropriação e re-produção por outras instâncias, valendo-nos de um tipo de arqueologia do discurso apropriada para o fenômeno estudado.

Objetivo Geral

Compreender como os processos midiáticos de circulação de sentidos por meio de dispositivos midiáticos afetam as práticas sociais e discursivas das instituições não midiáticas, do jornalismo e dos atores individuais na produção e reconhecimento de valores.

Justificativa

No final dos anos 1980, Eliseo Verón apresentou a proposta de um esquema para análise da midiatização no qual identificava três instâncias em interação: as instituições, os meios e atores individuais. Esta interação se dava por meio da oferta e do reconhecimento de sentidos num mercado discursivo, em que se delineavam duas gramáticas: uma de produção, manipulada pelas instituições e meios, e outra de reconhecimento, que consistia das operações realizadas pelos atores individuais em recepção. Assim, Eliseo Verón (1987) definia a midiatização como a “articulación entre la semiosis sostenida por los discursos mediáticos y la de los actores individuales que son sus consumidores, los intérpretes” (BOUTAUD; VERÓN, 2007) formando coletivos de trocas discursivas. Ele identificava nos coletivos interpretantes que gestionam a produção social de sentido na recepção.

Fausto Neto (2018) destaca que este primeiro esquema de análise já revela uma das características da midiatização que são os complexos circuitos de feedbacks não-lineares na relação de seus elementos. Mas assinala que as transformações nas estruturas tecno-simbólicas que se fizeram nas últimas décadas complexificam as condições de produção (e da própria circulação) dos discursos e dos sentidos. Assim, “a circulação é concebida como ‘região’ na qual os sentidos não apenas transitam, mas também são tecidos” (FAUSTO NETO, 2018, p. 30). Nesse sentido, produção/recepção não estão em polos opostos, mas engendram complexas relações de acoplamentos em que as condições de produção de sentido de modificam. Deste ponto de vista, a circulação é o “locus de engendramentos de macro e microprocessos comunicacionais, na medida em que tem também, como referência, as transformações dos fenômenos sociotécnicos – como a internet - como o principal marco do funcionamento transversal do atual estágio da midiatização, em processo” (FAUSTO NETO, 2018, p. 30).

Carlón (2020) observa que a emergência da internet, a ampliação das formas de conexão entre indivíduos por meio de redes sociais digitais e a oferta de dispositivos multimidiáticos de fácil operação recolocaram o problema da circulação de sentidos na sociedade contemporânea em um estágio mais avançado, que “(…) se debe en primer lugar al hecho de que los sujetos pasaron de estar en reconocimiento (frente a los discursos de los medios masivos) a estar tanto en reconocimiento como en producción” (CARLÓN, 2020, p. 35). O autor se refere a este estágio da midiatização como hipermediatização.

Para Hepp (2013, p. 3), o foco da midiatização está na compreensão das mudanças comunicativas que afetam a cultura e a sociedade. Trata-se de compreender a lógica da mídia, ou seja, “como a mídia, como uma forma de comunicação, transforma nossa percepção e interpretação do social” (ALTHEIDE e SNOW, 1979, p. 9). Hepp investiga a inter-relação entre mídia comunicativa e mudança sociocultural como parte das práticas de comunicação diárias e de como as mudanças dessas práticas estão relacionadas, mudando a construção comunicativa da realidade [o discurso sobre o real, por exemplo] (HEPP, 2013).

As três perspectivas apontam para o fato de que a emergência das mediações midiatizadas da modernidade aos dias de hoje promove uma mudança nas formas de inserção das instituições e dos indivíduos na sociedade, afetando os processos sociais de construção coletiva de significados: desde as formas de estar no mundo, de conhecê-lo e de se relacionar com ele aos processos de interação que envolvem indivíduos, instituições midiáticas e não midiáticas. Apropriando-nos de forma criativa do esquema para análise da midiatização de Verón, e olhando para os processos contemporâneos de circulação, entendemos que as instâncias se afetam mutuamente no processo de midiatização, articulando produção e reconhecimento pela circulação de discursos, portanto, realizando comunicação.

Tomamos aqui comunicação como o processo de compartilhar um mesmo objeto de consciência, uma relação entre consciências com o objetivo de superar o isolamento (MARTINO, 2001), ou seja, de estabelecer vínculos, que podem ser pontuais ou permanentes. Por isso, em nossa perspectiva, essa relação, para a qual a comunicação nos impulsiona, se dá em torno de valores. Valor, de acordo com Rodrigues (2000), é um bem do qual não abrimos mão e pelo qual vale sacrificar outros bens. Por isso, o valor tem o poder de coesionar adeptos e orientar condutas. Ele é um fator identitário, agregador. Ele tem sua gênese e seu desenvolvimento no âmbito da institucionalidade. É pré-condição para a produção e o reconhecimento. O valor consolidado na interação, o valor realizado em produção/reconhecimento, é a própria comunicação realizando seu impulso vinculante.

Em perspectiva histórica, são as instituições não midiáticas, primeiro, e depois as instituições midiáticas, as que estabeleceram os valores de coesão do tecido social, ou os parâmetros para interpretar o mundo. Os processos avançados de midiatização, porém, relativizaram esse protagonismo, deslocando para os processos de circulação midiática a tecitura dos sentidos a partir de valores que os atores individuais estabelecem ao se colocarem em interação com outros atores em produção e reconhecimento. Nesse contexto, as instituições e meios são ambiente do sistema de interação operado pelos dispositivos (FERREIRA, 2006), e seus valores são tomados apenas como informação que faz sentido ao ator individual enquanto participa da circulação. Há, portanto, uma autonomização da produção discursiva em relação às instituições (que em certa medida supera a perspectiva inicial de Verón), cujo efeito é a relativização do protagonismo institucional não midiático (partido, clube, judiciário, etc.) e midiático (o jornalismo, p. ex.) como avalista dos valores que constituem o objeto de consciência compartilhado. Mesmo assim, as instituições midiáticas e não midiáticas permanecem como um dos vários pontos de intersecção por onde circulam os discursos e se tecem os sentidos, sofrendo os efeitos dessa circulação e produzindo efeitos sobre ela.

Nosso interesse específico está centrado nos processos sociais de circulação da informação (que genericamente aqui denominamos de jornalística) produzida por empresas jornalísticas, por instituições não midiáticas ou por atores individuais com seus próprios meios. Nosso objetivo é, para além dos fluxos da circulação, entender como se dá a tecitura dos sentidos no encontro dos discursos das instâncias em dispositivos midiáticos e qual a relação entre informação, discursos e sentido na circulação. A resposta a estas questões poderá nos ajudar a compreender fenômenos sociais tais como as fake news, os negacionismos, os discursos de ódio, que têm produzido efeitos nefastos sobre as nossas sociedades.

Nosso projeto integra estágio pós-doutoral a ser realizado na Faculdade de Ciências Sociais da UBA no ano de 2022.

REFERÊNCIAS
6. BIBLIOGRAFÍA

ALTHEIDE David L. e SNOW, Robert. Media Logic. Beverly Hills: Sage.1979.
BOUTAUD, Jean-Jacques y VERÓN, Eliseo. Du sujet aux acteurs. La sémiotique ouverte aux interfaces. In: _____. Sémiotique ouverte. Itinéraires sémiotiques en communication, Paris, Lavoisier, Hermès Science, 2007.
CARLÓN, Mario. Circulación del sentido y construcción de colectivos: en una sociedad hipermediatizada. San Luis: Nueva Editorial Universitaria - UNSL, 2020. Libro digital, PDF
ESTEVES, João Pissarra. A formação dos campos sociais e a estrutura da sociedade moderna. In: ______. A ética da comunicação e os media modernos. Legitimidade e poder nas sociedades complexas. Fundação Calouste Kulbenkian. Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1998.
FAUSTO NETO, Antonio. Circulação: trajetos conceituais. In.: Rizoma, Santa Cruz do Sul, v. 6, n. 2, p. 8-40, dezembro, 2018.
FERREIRA, Jairo. Uma abordagem triádica dos dispositivos midiáticos. Líbero (FACASPER), v. 1, p. 1-15, 2006.
FIEGENBAUM, Ricardo Z. Definição de Jornalismo Esportivo face à midiatização do Esporte. In.: CRUZ, Fábio; HERMES, Gilmar (orgs). Jornalismo: teoria e prática – abordagens culturais, interfaces e meios. Santa Cruz do Sul: Catarse, 2017. p. 98-123. Disponível em: . Acesso em 09 ago 2021.
FIEGENBAUM, R. Z. Esquema para análise da midiatização: aporte teórico-metodológico. Lumina, [S. l.], v. 6, n. 1, 2012. DOI: 10.34019/1981-4070.2012.v6.21031. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/lumina/article/view/21031. Acesso em: 10 ago. 2021.
HEPP, Andreas. The communicative figurations of mediatized worlds: Mediatization research in times of the ‘mediation of everything’. In: Communicative Figurations Working Paper | No. 1. Research network, ZeMKI, Bremen, Germany, 2013.
MARTINO, Luiz C. De qual comunicação estamos falando? In.: HOHLFELDT, Antônio; MARTINO, Luiz; FRANÇA, Vera (Orgs.). Teorias da Comunicação, Conceitos Escolas e Tendências. Petrópolis: Vozes, 2001.
RODRIGUES, Adriano Duarte. A gênese do campo dos mídia. In: SANTANA, R. N. (Org.). Reflexões sobre o mundo contemporâneo. Teresina: Ed. Renan, 2000.
VERÓN, Eliseo. Esquema para la análisis de la mediatización. Revista diálogos, n. 37, Lima, 1987.

Metodologia

Realizamos em nossa investigação um estudo qualitativo sobre fenômenos comunicacionais contemporâneos que têm seu lugar de expressão em dispositivos midiáticos. Para isso, realizamos uma pesquisa bibliográfica sobre conceitos-chave na obra de Verón, como midiatização e circulação para, em movimento dialético, ir na direção do objeto empírico da pesquisa.
Ao passo em que revisamos os conceitos, buscamos definir os critérios para seleção do corpus de análise, que consiste da informação jornalística que circula em dispositivos midiáticos produzida por empresas jornalísticas, por instituições não midiáticas ou por atores individuais com seus próprios meios.
Como proposta de análise, consideramos o fluxo diacrônico do discurso, desde sua enunciação até seu reconhecimento, incluindo sua apropriação e re-produção por outras instâncias, segundo modelo desenvolvido por Mario Carlón (2020). Nesse processo, vamos nos utilizar de um tipo de arqueologia do discurso apropriada para o fenômeno estudado.

Indicadores, Metas e Resultados

Indicador 1: Aprofundamento nos estudos da obra de Eliseo Verón sobre a midiatização e circulação.
Metas: Realizar estudo crítico sistemático da obra de Eliseo Verón sobre midiatização e circulação.
Resultado Esperado: Ter elaborado referencial teórico critico da obra de Verón como base da pesquisa empírica.

Indicador 2: Verificação de como se dá a produção e o reconhecimento de sentidos na circulação de discursos em dispositivos midiáticos.
Metas: Identificar os dispositivos midiáticos e os modos como as instituições, o jornalismo e os atores individuais produzem discursos e reconhecem os sentidos na circulação
Resultado esperado: Ter descrito os processos de produção e reconhecimento de sentidos na circulação de discursos em dispositivos midiáticos.

Indicador 3: Identificação da forma como informação, discursos e sentido se relacionam na circulação midiática.
Meta: Analisar as relações entre informação, discursos e sentidos na circulação.
Resultado Esperado: Ter demonstrado as relações entre informação, discursos e sentido na circulação.

Indicador 4: Desenvolvimento de metodologia para a análise da circulação de discursos em dispositivos midiáticos na sociedade contemporânea.
Meta: Desenvolver e aplicar metodologia de análise para os processos de midiatização.
Resultado Esperado: Ter elaborado proposta metodológica para análise da circulação de discursos na sociedade midiatizada.

Indicador 5: Análise dos processos através dos quais práticas sociais e práticas discursivas se encontram na circulação midiática.
Meta: Identificar as relações entre práticas sociais e práticas discursivas na circulação contemporânea midiatizada.
Resultado esperado: ter compreendido como práticas sociais e práticas discursivas se relacionam na midiatização.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
DÉBORA MARIA CARDOSO ANTUARTE
JORDY PINTO VANIEL
LUÍS ARTUR JANES SILVA
RICARDO ZIMMERMANN FIEGENBAUM6
VICTOR GABRIEL LANGMANTEL SILVEIRA

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