O TDAH é um transtorno altamente prevalente, estando associado tanto com o
comprometimento funcional infantil quanto adulto. Diversos estudos tem observado alta
prevalência de transtornos de conduta, bipolar e de uso de substância em indivíduos com
TDAH adulto, além de maior risco para acidentes, violência e morte. O impacto dessas
consequências tem se tornado cada vez mais relevantes dado ao aumento do diagnóstico
desse transtorno, especialmente em adultos (VAN EMMERIK-VAN OORTMERSSEN
et al., 2012; VAA, 2014; KATZMAN et al., 2017; CHEN et al., 2019; SCHIWECK et
al., 2021). Motivando estudos em adultos com TDAH, que investiguem comorbidades e
características de estilo de vida nessa população.
Componentes genéticos e ambientais têm apresentado associação com o
desenvolvimento, gravidade e persistência do TDAH. Sendo considerado um transtorno
multifatorial do neurodesenvolvimento, fatores genéticos e exposições que causem danos
ao desenvolvimento intrauterino podem prejudicar o desenvolvimento neurológico,
aumentando o risco para o TDAH (KIRLEY, 2002; RUBIA, 2007). Dada sua
complexidade, a etiologia do TDAH ainda é pouco compreendida. Grande parte dos
estudos que investigaram a associação de fatores de risco genético e/ou ambientais se
restringiram ao TDAH infantil (PALLADINO et al., 2019; BRUXEL et al., 2020).
Apesar disso, têm sido observadas diferenças entre o TDAH infantil e adulto em relação
a fatores associados, além da observação de casos adultos sem histórico pregresso de
TDAH infantil (MOFFITT et al., 2015; AGNEW-BLAIS et al., 2016; CAYE et al.,
2016). Também tem sido discutida a heterogeneidade dos achados e qualidade dos dados
coletados, além de limitações em relação a coleta de dados e adequação dos modelos de
ajuste (HUANG et al., 2017).
Diante disso, o presente projeto tem como objetivo investigar a associação de
fatores fortemente associados ao TDAH infantil, porém ainda pouco investigados para o
TDAH adulto, entre esses o peso ao nascer, idade gestacional, crescimento intrauterino e
o fumo materno na gravidez (KIM et al., 2020). Avaliar a interação gene-ambiente entre
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o fumo materno na gestação e SNPs dos genes DRD2, ainda não investigado, e DRD4,
utilizando dados de duas coortes de nascimentos de 1982 e 1993 na cidade de Pelotas,
Brasil. Além disso, o presente projeto irá sumarizar, por meio de uma revisão sistemática,
os efeitos a longo prazo do TDAH em adolescentes e adultos sobre comorbidades
psiquiátricas e estilo de vida.
MARCO TEÓRICO
O projeto propõe duas análises, a primeira investigando a associação de peso ao
nascer, idade gestacional e crescimento intrauterino com o TDAH adulto, enquanto a
segunda avaliará a interação entre fumo materno na gravidez e os genes DRD2 e DRD4
com o TDAH adulto. A figura 3 apresenta o modelo teórico, no qual características
genéticas e maternas, correspondem aos dois fatores distais, seguidos pelo tabagismo
materno na gestação que seria um mediador da associação das características maternas e
interage com os fatores genéticos. Por fim, em um nível mais proximal, estão as condições
de nascimento (peso aos nascer, idade gestacional e crescimento intrauterino).
O modelo proposto apresenta duas vias, a primeira comporta características
genéticas, associadas ao desenvolvimento neurológico, em especial, as vias aminérgicas.
A segunda via é composta por condições socioeconômicas e demográficas, como, a idade,
escolaridade, estado civil, renda familiar, paridade e histórico de saúde. Mães de baixo
nível socioeconômico tendem a ser mais jovens, apresentar maior paridade, serem
solteiras ou não terem companheiros, ter baixa escolaridade e apresentar pior histórico de
saúde (GAMA, SZWARCWALD, LEAL, 2002; TOMASI et al., 2017; GARCIA et al.,
2019). De acordo com o modelo adotado para o presente projeto a baixa escolaridade está
associada a baixa renda familiar em uma relação bidirecional, determinando a idade do
primeiro filho, paridade, estado civil e histórico de saúde.
O baixo nível socioeconômico também está associado as piores condições
nutricionais, de segurança e de saneamento básico, prejudicando o desenvolvimento e
saúde física e biológica. Apesar dos mecanismos biológicos ainda serem pouco
compreendidos, tem-se observado que aspectos de saúde pregressa e pré-natal materna
estão associados ao desenvolvimento neurológico da prole, inclusive o TDAH infantil
(HJERN, WEITOFT, LINDBLAD, 2009; CHANG et al., 2014; RUSSELL et al., 2016;
JI et al., 2018; MIN, LI, YAN et al., 2021). O tabagismo materno durante a gravidez
também é mais frequente entre as mães com menor nível socioeconômico (VILLALBÍ et
al., 2007). O tabagismo materno é tido como um dos principais fatores ambientais
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associados ao TDAH infantil (JOELSSON et al., 2016). Apesar de ainda pouco
compreendidos, dois mecanismos causais têm sido propostos para explicar a associação
do tabagismo materno com o TDAH. O primeiro sugere que a nicotina atua sobre os
receptores pré-sinápticos, alterando o funcionamento das vias aminérgicas e
comprometendo o desenvolvimento neurológico fetal. A segunda enfatiza a patogênese
do TDAH como consequência do déficit de desenvolvimento fetal resultante da restrição
de oxigênio e de nutrientes por meio da vasoconstrição causada pela nicotina (ZHENG et
al., 2016). O déficit de desenvolvimento intrauterino está associado ao menor
desenvolvimento neurocognitivo e o maior risco para o TDAH (PALLADINO et al.,
2019). Dessa forma, o peso ao nascer, a idade gestacional e o crescimento intrauterino
seriam os componentes mais proximais do modelo, tendo o TDAH adulto como desfecho.
Na figura 3, é apresentado o modelo conceitual do estudo, onde características maternas
antecedem o fumo materno na gravidez e o as condições de nascimento. Dessa forma, as
características maternas são tidas como possíveis confundidores dessa via. Também
podemos observar as condições de nascimento mediando a associação entre o fumo
materno na gravidez e o TDAH adulto.
Figura 3. Modelo conceitual para a relação entre fatores genéticos e fatores pré-natais e
de condições de nascimento com o TDAH em adultos.