Nome do Projeto
As palavras a girar: poesia autista em movimento
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
01/04/2022 - 28/02/2025
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Linguística, Letras e Artes
Resumo
Tradicionalmente, tratados médicos como CID (Classificação Internacional de Doenças) e DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) afastaram a linguagem de pessoas autistas de características concebidas como poéticas. Dificuldade com linguagem figurada, excesso de literalidade, inflexibilidade, ausência de coerência central, fala mecânica e déficit semântico foram algumas das caracterizações psiquiátricas que consagraram a linguagem autista como oposta à linguagem poética. No entanto, pesquisadores de relevância internacional como Melanie Yeargeu, Laura Sterponi, Jurandir Costa, Roy Grinker e, especialmente, os críticos literários estadunidenses Ralph Savarese e Julia Rodas, possuem numerosa e relevante produção científica evidenciando o oposto. A partir de obras de escritores como Donna Willians, Amanda Baggs, Tito Mukhopadhyay, John Robison, Ido Kedar, Naoki Higashida, Birger Sellin, Callum Brazzo, entre outros, apontam uma produção literária relevante e com uma poética própria, cujos aspectos de memória, intertextualidade, figuração, fragmentação, ritmo e musicalidade apresentam uma linguagem poética não em déficit, mas em transbordamento. Esses aspectos estilísticos, segundo argumentação do conjunto mencionado de pesquisadores, estão intimamente ligados à experiência neurodiversa (SINGER, 1999) dos referidos escritores. Apesar da heterogeneidade do conjunto de autores estudados: autistas oralizados e não oralizados, homens e mulheres, jovens e experientes, com outras deficiências ou não, estadunidenses, ingleses, australianos, indianos, alemães e japoneses, chama atenção para o fato de que todos publicam originalmente em língua inglesa (à exceção de Higashida e Sellim, que escrevem em língua japonesa e alemã, respectivamente, porém com traduções para o inglês). Dessa forma, este projeto pretende mapear: 1. quem são os poetas autistas que escrevem no Brasil atualmente; 2. o que escrevem; 3. como a condição neurodiversa possibilita abordagens singulares dos gêneros poéticos; 4. quais obstáculos para visibilização de sua produção. Como resultado, o projeto almeja a organização e publicação de uma antologia de poesia autista no Brasil, o que possibilitaria a circulação dos textos deste grupo social historicamente subalternizado no panorama da literatura nacional.
Objetivo Geral
O objetivo geral do projeto é conhecer os poetas autistas que escrevem atualmente no Brasil e dar visibilidade a seu trabalho por meio de uma antologia de poemas.
Justificativa
Os mencionados trabalhos de Brazzo, Baggs, Costa e Grinker evidenciam para uma mesma questão: a urgência de produção, publicação e recepção de textos sobre o autismo “escritos em primeira pessoa” (MAGNANI, 2020). A produção autoral de autistas é condição inequívoca para a existência da democracia e de uma plena cidadania global (SAVARESE, 2013). É assumindo o “direito de narrar” sua existência no mundo (BHABHA, 2014) que esses escritores têm rompido com a lógica de preconceito e de ódio às diferenças.
Ocorre que esses autores escrevem, originalmente, em língua inglesa (à exceção de Higashida e Sellim, que escrevem em língua japonesa e alemã, respectivamente, porém com traduções para o inglês). Eles possuem acesso ao restrito mercado editorial global, são lidos e incorporados pela crítica literária (destaque para os importantes estudos sobre literatura e autismo desenvolvidos por Ralph James Savarese e Julia Miele Rodas). Porém, o mesmo não se pode dizer dos autistas que produzem em língua portuguesa. No Brasil, ainda é pouco ou quase ausente o interesse do campo literário por essa produção, ocorrendo apenas em espaços alternativos.
Nesse sentido, ressalta-se o Neurossarau, evento para compartilhamento de arte produzida por artistas que é organizado e protagonizado por artistas pertencentes ao espectro; a página virtual Na hora do chá, organizada pela fotógrafa, atriz e escritora autista Ana Cândida de Carvalho; e ainda os encontros da Abraça (Associação Brasileira pelos Direitos das Pessoas Autistas), que tradicionalmente proporciona espaço para encontro e discussão de artistas neurodiversos.
No âmbito desses espaços, artistas como Ana Cândida de Carvalho, Igor Amirú, Carol Souza, Érica Curado, Flávia Santos e Luiz Henrique Magnani têm compartilhado escritos, muitos deles em gênero poético. Ressalta-se ainda as publicações dos volumes de poesia Parabólica, de Pedro de Lucena (Edição do autor, 2018); Poemas de plástico, de Gustavo Rückert (LiteraCidade, 2015) e Serão as rosas vermelhas no escuro?, do mesmo autor (Bestiário, 2021). Em prosa, pode-se destacar a publicação da coletânea de contos Noite finita (Multifoco, 2011), de Jacob Galon.
Em sua página para divulgação poética no Instagram (Não leio partitura), Ana Cândida de Carvalho apresenta o seguinte poema em prosa:
Estou colecionando uns bocados de sutilezas há dias. Me fixei no ranger das portas entreabertas e nas pausas sincopadas entre chuviscos repentinos. Acreditei demais nos contos melódicos que nunca me fizeram dormir, de fato. Diziam, em pratos limpos, que mastigar a própria sorte me traria de volta os versos que me induziriam ao sono profundo. Mentira! 3h, e estou acordada. Apesar de tudo, continuo engarfando fados e respostas rasas lançadas a esmo. Os dados ainda são jogados sobre um tabuleiro de promessas falsas. Descobri, contudo, que precisava de algo mais para sustentar meu vício de voos rasantes rente ao nada. Vi algum lirismo em reconhecer esses passos escancarados entre relatos, contraditoriamente, mudos. Eram resquícios das antigas promessas que fiz, outrora, esperando que nunca fossem descobertas, em algum viés obtuso. Fechei os olhos, tentando reconhecer meus pensamentos tortos, inclinada, secretamente, às crenças mais banais. Meu reflexo reverberava injúrias tímidas, rejeitando as velhas amarras, ainda em uso. Estou congelada, agora. Meus dedos se movimentam em protesto. Tateiam o ar e reconhecem a voracidade do ritmo. Disfarço minha surpresa e retiro o primeiro grito do dia. Calo, sem meu próprio consentimento. Bocejo, no entanto, anunciando a dormida. (2021, Instagram: Não leio partitura, 10 fev 2021)
Atenção aos detalhes, obsessão por objetos desimportantes, verborragia, são algumas características muitas vezes associadas às pessoas autistas como problemas de linguagem ou socialização. Na poesia de Carvalho, são características poéticas. Colecionar sutilezas é senão a tarefa do poeta: dar atenção às desimportâncias, às coisas que vivem de barriga no chão, como diria Manoel de Barros (2010). É justamente procurando dar vazão à verborragia autista, entendendo que esta pode contribuir com sua coleção de sutilezas para o panorama da poesia brasileira atual, que o projeto As palavras a girar: poesia autista em movimento é proposto ao CNPq por um pesquisador e crítico literário também autista.
Girar, balançar, mexer, repetir movimentos com braços, pernas, tronco ou cabeça é uma das manifestações corporais autistas descritas pela medicina como estereotipia e pelo senso comum como “mania” ou “movimento de doido”, sem função ou sentido. Ocorre que essa ritmação de nossos corpos diz muito sobre nossa forma de estar no mundo e se comunicar com ele. Como expressa Amanda Baggs (2017) em seu manifesto In my language, tais movimentos têm como função equalizar a hipersensorialidade, expressar sentimentos (como felicidade ou angústia), interagir com os objetos. Girar repetidamente é nossa maneira de dialogar com o espaço e com o outro. É nossa manifestação linguística mais natural, repleta de corporalidade e ritmo, tal qual a poesia (SAVARESE, 2015).
Por esse motivo, esse projeto insere-se na demanda pela manifestação autística em primeira pessoa, buscando conhecer, evidenciar e publicar os poetas autistas brasileiros que escrevem atualmente. Tal busca, se dará pela pesquisa em publicações impressas e virtuais, mas também por meio da promoção de saraus e oficinas para encontro e articulação desses escritores. A publicação se dará pela publicação inédita no país de uma coletânea de poesia autista, organizada, editada e escrita por pessoas autistas. Dessa forma, a coletânea é de grande importância tanto para a literatura brasileira contemporânea (que se torna mais plural e neurodiversa), quanto para os estudos acadêmicos sobre o autismo (que ganham um importante material de análise), ou ainda para a comunidade autista (que ganha um importante instrumento de comunicação, autorrepresentação e representatividade).
Ocorre que esses autores escrevem, originalmente, em língua inglesa (à exceção de Higashida e Sellim, que escrevem em língua japonesa e alemã, respectivamente, porém com traduções para o inglês). Eles possuem acesso ao restrito mercado editorial global, são lidos e incorporados pela crítica literária (destaque para os importantes estudos sobre literatura e autismo desenvolvidos por Ralph James Savarese e Julia Miele Rodas). Porém, o mesmo não se pode dizer dos autistas que produzem em língua portuguesa. No Brasil, ainda é pouco ou quase ausente o interesse do campo literário por essa produção, ocorrendo apenas em espaços alternativos.
Nesse sentido, ressalta-se o Neurossarau, evento para compartilhamento de arte produzida por artistas que é organizado e protagonizado por artistas pertencentes ao espectro; a página virtual Na hora do chá, organizada pela fotógrafa, atriz e escritora autista Ana Cândida de Carvalho; e ainda os encontros da Abraça (Associação Brasileira pelos Direitos das Pessoas Autistas), que tradicionalmente proporciona espaço para encontro e discussão de artistas neurodiversos.
No âmbito desses espaços, artistas como Ana Cândida de Carvalho, Igor Amirú, Carol Souza, Érica Curado, Flávia Santos e Luiz Henrique Magnani têm compartilhado escritos, muitos deles em gênero poético. Ressalta-se ainda as publicações dos volumes de poesia Parabólica, de Pedro de Lucena (Edição do autor, 2018); Poemas de plástico, de Gustavo Rückert (LiteraCidade, 2015) e Serão as rosas vermelhas no escuro?, do mesmo autor (Bestiário, 2021). Em prosa, pode-se destacar a publicação da coletânea de contos Noite finita (Multifoco, 2011), de Jacob Galon.
Em sua página para divulgação poética no Instagram (Não leio partitura), Ana Cândida de Carvalho apresenta o seguinte poema em prosa:
Estou colecionando uns bocados de sutilezas há dias. Me fixei no ranger das portas entreabertas e nas pausas sincopadas entre chuviscos repentinos. Acreditei demais nos contos melódicos que nunca me fizeram dormir, de fato. Diziam, em pratos limpos, que mastigar a própria sorte me traria de volta os versos que me induziriam ao sono profundo. Mentira! 3h, e estou acordada. Apesar de tudo, continuo engarfando fados e respostas rasas lançadas a esmo. Os dados ainda são jogados sobre um tabuleiro de promessas falsas. Descobri, contudo, que precisava de algo mais para sustentar meu vício de voos rasantes rente ao nada. Vi algum lirismo em reconhecer esses passos escancarados entre relatos, contraditoriamente, mudos. Eram resquícios das antigas promessas que fiz, outrora, esperando que nunca fossem descobertas, em algum viés obtuso. Fechei os olhos, tentando reconhecer meus pensamentos tortos, inclinada, secretamente, às crenças mais banais. Meu reflexo reverberava injúrias tímidas, rejeitando as velhas amarras, ainda em uso. Estou congelada, agora. Meus dedos se movimentam em protesto. Tateiam o ar e reconhecem a voracidade do ritmo. Disfarço minha surpresa e retiro o primeiro grito do dia. Calo, sem meu próprio consentimento. Bocejo, no entanto, anunciando a dormida. (2021, Instagram: Não leio partitura, 10 fev 2021)
Atenção aos detalhes, obsessão por objetos desimportantes, verborragia, são algumas características muitas vezes associadas às pessoas autistas como problemas de linguagem ou socialização. Na poesia de Carvalho, são características poéticas. Colecionar sutilezas é senão a tarefa do poeta: dar atenção às desimportâncias, às coisas que vivem de barriga no chão, como diria Manoel de Barros (2010). É justamente procurando dar vazão à verborragia autista, entendendo que esta pode contribuir com sua coleção de sutilezas para o panorama da poesia brasileira atual, que o projeto As palavras a girar: poesia autista em movimento é proposto ao CNPq por um pesquisador e crítico literário também autista.
Girar, balançar, mexer, repetir movimentos com braços, pernas, tronco ou cabeça é uma das manifestações corporais autistas descritas pela medicina como estereotipia e pelo senso comum como “mania” ou “movimento de doido”, sem função ou sentido. Ocorre que essa ritmação de nossos corpos diz muito sobre nossa forma de estar no mundo e se comunicar com ele. Como expressa Amanda Baggs (2017) em seu manifesto In my language, tais movimentos têm como função equalizar a hipersensorialidade, expressar sentimentos (como felicidade ou angústia), interagir com os objetos. Girar repetidamente é nossa maneira de dialogar com o espaço e com o outro. É nossa manifestação linguística mais natural, repleta de corporalidade e ritmo, tal qual a poesia (SAVARESE, 2015).
Por esse motivo, esse projeto insere-se na demanda pela manifestação autística em primeira pessoa, buscando conhecer, evidenciar e publicar os poetas autistas brasileiros que escrevem atualmente. Tal busca, se dará pela pesquisa em publicações impressas e virtuais, mas também por meio da promoção de saraus e oficinas para encontro e articulação desses escritores. A publicação se dará pela publicação inédita no país de uma coletânea de poesia autista, organizada, editada e escrita por pessoas autistas. Dessa forma, a coletânea é de grande importância tanto para a literatura brasileira contemporânea (que se torna mais plural e neurodiversa), quanto para os estudos acadêmicos sobre o autismo (que ganham um importante material de análise), ou ainda para a comunidade autista (que ganha um importante instrumento de comunicação, autorrepresentação e representatividade).
Metodologia
A pesquisadora Amanda Caitité (2017), em sua tese de doutorado, aponta para a importância do advento da internet, a partir dos anos 1990, para a articulação de coletivos, grupos e movimentos de pessoas autistas. Sabe-se que a referida condição encontra barreiras à socialização. Isso porque, principalmente, a maioria dos espaços públicos são pouco adaptados à hipersensorialidade autista, com luzes, sons e movimentos comuns à população neurotípica, porém desencadeadoras de confusão e crise em autistas. Daí a importância da internet como ferramenta de aproximação e de mobilização dessa comunidade.
Por esse motivo, muitos dos encontros em que acontece exposição e troca de experiência entre artistas autistas ocorre em ambiente virtual, como os já referidos Neurossarau (YouTube), encontros da Abraça (Notion, Whatsapp, YouTube e outros) ou o Na hora do chá (Facebook). Assim sendo, a internet também configurará um dos principais recursos para este projeto, sobretudo no que diz respeito à busca por poetas e à troca de experiência entre estes.
Para isso, além da participação nos já referidos espaços de arte existentes, o projeto de pesquisa pretende atuar em paralelo com um projeto de extensão denominado As palavras a girar: oficina de poesia autista. As oficinas devem ser oferecidas semestralmente por meio de aplicativos de reunião, como o Google Meet, com o intuito de articular diferentes pessoas que têm produzido escritos em versos e partir de sua condição neurodiversa, bem como orientar pessoas que desejam começar a escrever. A psicóloga e psicanalista Marina Bialer, estudiosa da literatura produzida por autistas, relata em seus trabalhos (BIALER, 2014; 2017) a importância da escrita literária para este grupo social, sendo uma importante forma de reconhecimento, autoconhecimento, identidade, organização mental, expressão de sentimentos (muitos autistas são alexitímicos, isto é, possuem dificuldade em entender e reconhecer suas próprias emoções e sentimentos), desenvolvimento de autoestima, interlocução, sentimento de pertença, entre outros.
E, nesse sentido, como já exposto nos pressupostos teóricos a partir dos estudos de Ralph Savarese (2010, 2013, 2015), a poesia, por sua subversiva liberdade de estrutura e expressão linguística (seja na sintaxe ou na ortografia), além de seu apelo à corporalidade (por meio dos padrões de repetição e ruptura sonoros ou mesmo do desregramento sensorial da sinestesia) acaba sendo o gênero literário autístico por excelência. Não à toa, os poetas autistas de língua inglesa, já mais publicados e difundidos, relatam esse acolhimento que o texto poético dá às suas diferenças de linguagem:
Seus pensamentos voltaram
Um berço de vento e azul do céu
Nuvens flutuantes tocando o sol
Galhos florescendo, suas cabeças balançando
O dia passou rápido, seus pensamentos voltaram
(MUKHOPADHYAY, 2012, p. 13)
Os pensamentos obsessivos, que retornam a qualquer momento, podem ser descritos negativamente pelo modelo biomédico como estereotipia, ecolalia ou pensamento circular. No entanto, os estudos mais recentes sobre a mente autista (GRANDIN; PANEK, 2019) sugerem que essa é uma característica do pensamento dessas pessoas, o qual não se configura pela linearidade ou pela progressividade, mas sim pela circularidade, pelo atenção excessiva ao detalhe, pela memória visual. E em que outro lugar a linguagem expressa por um pensamento circular, detalhista, visual, pode ser valorizada, senão na poesia? Na poesia essa linguagem deixa de ser estereotipia para se tornar reverberação, rima, aliteração, assonância ou reiteração. Assim são os pensamentos do indiano Tito Mukhopadhyay, que com a metáfora visual das nuvens, dos galhos e do berço simula o ir e vir dos pensamentos circulares, detalhistas, visuais. É na poesia que a linguagem autista pode assumir-se enquanto potência, sem medo do preconceito capacitista que permeia o cotidiano ou da interdição institucional do modelo biomédico.
Por esse motivo, as oficinas serão organizadas tomando como aspecto central as próprias características autistas. Os participantes serão motivados a escrever a partir de seus “pensamentos que voltam” (MUKHOPADHYAY, 2012), dos movimentos repetitivos que desenvolvem com seus corpos (BAGGS, 2017), dos trechos de músicas, filmes e poemas que ficaram gravados em sua memória e são repetidos verbalmente (GRANDIN apud SACKS, 1997), ou das imagens de telas, fotografias, filmes, que sua “parabólica mental” captou (LUCENA, 2018). Os poemas produzidos nestes exercícios serão compartilhados, lidos e debatidos no grupo.
Sabemos, todavia, da necessidade de acessibilidade no que diz respeito à longínqua universalização da internet em nosso país. Por isso, embora a internet tenha possibilitado o encontro de neurodiversidades no mundo inteiro (CAITITÉ, 2017), por outro lado isso pode resultar em um injusto recorte sócio-econômico. Dessa forma, caso possível diante do futuro em relação à pandemia, o projeto terá também edições especiais da oficina de poesia autista, de modo presencial, em diferentes cidades do Brasil, em parceria com associações comunitárias, associações de autistas, associações de pais e mães de autistas, entre outros.
O objetivo mais amplo das oficinas é criar uma cultura poética entre a comunidade autista brasileira. Lendo poemas, incentivando a escrita de textos em versos, fazendo-se ambiente para encontro e interlocução de artistas autistas, pretende-se desenvolver uma articulação de possíveis interessados em torno do projeto. Assim, em sua última etapa, o projeto prevê a publicação de edital para recepção dos poemas candidatos a comporem a coletânea As palavras a girar. O edital, público, deve ter ampla circulação entre as comunidades acadêmica, literária e autista.
Com a recepção dos textos, uma equipe editorial formada por poetas, editores e críticos literários, em sua maioria em condições de neurodiversidade, deve atuar na curadoria dos poemas, definindo os pareceres destes, seleção, revisão, ordenamento dos textos na publicação. Para publicação da obra, serão consultadas editoras acadêmicas (como as editoras da UFMG ou da UFVJM), editoras de movimentos sociais autistas (como as editoras Atípica ou Manduruvá), bem como possíveis editais de financiamento científicos, artísticos ou culturais. O formato do livro (ebook, audiobook, impresso, braile, etc) também será discutido entre o conselho editorial e as possíveis editoras, levando em conta o maior grau de acessibilidade possível. O material resultará em publicação inédita no país, com ampla contribuição aos estudos de literatura brasileira contemporânea, aos estudos de poesia e aos estudos sobre autismo.
Por esse motivo, muitos dos encontros em que acontece exposição e troca de experiência entre artistas autistas ocorre em ambiente virtual, como os já referidos Neurossarau (YouTube), encontros da Abraça (Notion, Whatsapp, YouTube e outros) ou o Na hora do chá (Facebook). Assim sendo, a internet também configurará um dos principais recursos para este projeto, sobretudo no que diz respeito à busca por poetas e à troca de experiência entre estes.
Para isso, além da participação nos já referidos espaços de arte existentes, o projeto de pesquisa pretende atuar em paralelo com um projeto de extensão denominado As palavras a girar: oficina de poesia autista. As oficinas devem ser oferecidas semestralmente por meio de aplicativos de reunião, como o Google Meet, com o intuito de articular diferentes pessoas que têm produzido escritos em versos e partir de sua condição neurodiversa, bem como orientar pessoas que desejam começar a escrever. A psicóloga e psicanalista Marina Bialer, estudiosa da literatura produzida por autistas, relata em seus trabalhos (BIALER, 2014; 2017) a importância da escrita literária para este grupo social, sendo uma importante forma de reconhecimento, autoconhecimento, identidade, organização mental, expressão de sentimentos (muitos autistas são alexitímicos, isto é, possuem dificuldade em entender e reconhecer suas próprias emoções e sentimentos), desenvolvimento de autoestima, interlocução, sentimento de pertença, entre outros.
E, nesse sentido, como já exposto nos pressupostos teóricos a partir dos estudos de Ralph Savarese (2010, 2013, 2015), a poesia, por sua subversiva liberdade de estrutura e expressão linguística (seja na sintaxe ou na ortografia), além de seu apelo à corporalidade (por meio dos padrões de repetição e ruptura sonoros ou mesmo do desregramento sensorial da sinestesia) acaba sendo o gênero literário autístico por excelência. Não à toa, os poetas autistas de língua inglesa, já mais publicados e difundidos, relatam esse acolhimento que o texto poético dá às suas diferenças de linguagem:
Seus pensamentos voltaram
Um berço de vento e azul do céu
Nuvens flutuantes tocando o sol
Galhos florescendo, suas cabeças balançando
O dia passou rápido, seus pensamentos voltaram
(MUKHOPADHYAY, 2012, p. 13)
Os pensamentos obsessivos, que retornam a qualquer momento, podem ser descritos negativamente pelo modelo biomédico como estereotipia, ecolalia ou pensamento circular. No entanto, os estudos mais recentes sobre a mente autista (GRANDIN; PANEK, 2019) sugerem que essa é uma característica do pensamento dessas pessoas, o qual não se configura pela linearidade ou pela progressividade, mas sim pela circularidade, pelo atenção excessiva ao detalhe, pela memória visual. E em que outro lugar a linguagem expressa por um pensamento circular, detalhista, visual, pode ser valorizada, senão na poesia? Na poesia essa linguagem deixa de ser estereotipia para se tornar reverberação, rima, aliteração, assonância ou reiteração. Assim são os pensamentos do indiano Tito Mukhopadhyay, que com a metáfora visual das nuvens, dos galhos e do berço simula o ir e vir dos pensamentos circulares, detalhistas, visuais. É na poesia que a linguagem autista pode assumir-se enquanto potência, sem medo do preconceito capacitista que permeia o cotidiano ou da interdição institucional do modelo biomédico.
Por esse motivo, as oficinas serão organizadas tomando como aspecto central as próprias características autistas. Os participantes serão motivados a escrever a partir de seus “pensamentos que voltam” (MUKHOPADHYAY, 2012), dos movimentos repetitivos que desenvolvem com seus corpos (BAGGS, 2017), dos trechos de músicas, filmes e poemas que ficaram gravados em sua memória e são repetidos verbalmente (GRANDIN apud SACKS, 1997), ou das imagens de telas, fotografias, filmes, que sua “parabólica mental” captou (LUCENA, 2018). Os poemas produzidos nestes exercícios serão compartilhados, lidos e debatidos no grupo.
Sabemos, todavia, da necessidade de acessibilidade no que diz respeito à longínqua universalização da internet em nosso país. Por isso, embora a internet tenha possibilitado o encontro de neurodiversidades no mundo inteiro (CAITITÉ, 2017), por outro lado isso pode resultar em um injusto recorte sócio-econômico. Dessa forma, caso possível diante do futuro em relação à pandemia, o projeto terá também edições especiais da oficina de poesia autista, de modo presencial, em diferentes cidades do Brasil, em parceria com associações comunitárias, associações de autistas, associações de pais e mães de autistas, entre outros.
O objetivo mais amplo das oficinas é criar uma cultura poética entre a comunidade autista brasileira. Lendo poemas, incentivando a escrita de textos em versos, fazendo-se ambiente para encontro e interlocução de artistas autistas, pretende-se desenvolver uma articulação de possíveis interessados em torno do projeto. Assim, em sua última etapa, o projeto prevê a publicação de edital para recepção dos poemas candidatos a comporem a coletânea As palavras a girar. O edital, público, deve ter ampla circulação entre as comunidades acadêmica, literária e autista.
Com a recepção dos textos, uma equipe editorial formada por poetas, editores e críticos literários, em sua maioria em condições de neurodiversidade, deve atuar na curadoria dos poemas, definindo os pareceres destes, seleção, revisão, ordenamento dos textos na publicação. Para publicação da obra, serão consultadas editoras acadêmicas (como as editoras da UFMG ou da UFVJM), editoras de movimentos sociais autistas (como as editoras Atípica ou Manduruvá), bem como possíveis editais de financiamento científicos, artísticos ou culturais. O formato do livro (ebook, audiobook, impresso, braile, etc) também será discutido entre o conselho editorial e as possíveis editoras, levando em conta o maior grau de acessibilidade possível. O material resultará em publicação inédita no país, com ampla contribuição aos estudos de literatura brasileira contemporânea, aos estudos de poesia e aos estudos sobre autismo.
Indicadores, Metas e Resultados
Resultados esperados
- Oferta de oficinas de criação poética para pessoas autistas;
- Análise da produção poética autista no Brasil;
- Divulgação dessas análises em eventos e periódicos científicos nacionais e internacionais;
- Publicação de uma antologia de poesia autista no Brasil.
Relevância e impacto
Democratização da literatura brasileira contemporânea; Renovação de abordagens no âmbito dos estudos literários; Publicação de importantes fontes para pesquisas de outras áreas relacionadas ao autismo, como Psiquiatria, Neurologia, Psicologia, Psicanálise, Pedagogia; Constituição de um importante espaço acadêmico e artístico para expressão da comunidade autista em primeira pessoa; Formação de profissionais das áreas de Letras e Ciências Humanas, no âmbito do Mestrado e da Graduação, capacitados para lidar com a neurodiversidade em seu cotidiano de trabalho.
- Oferta de oficinas de criação poética para pessoas autistas;
- Análise da produção poética autista no Brasil;
- Divulgação dessas análises em eventos e periódicos científicos nacionais e internacionais;
- Publicação de uma antologia de poesia autista no Brasil.
Relevância e impacto
Democratização da literatura brasileira contemporânea; Renovação de abordagens no âmbito dos estudos literários; Publicação de importantes fontes para pesquisas de outras áreas relacionadas ao autismo, como Psiquiatria, Neurologia, Psicologia, Psicanálise, Pedagogia; Constituição de um importante espaço acadêmico e artístico para expressão da comunidade autista em primeira pessoa; Formação de profissionais das áreas de Letras e Ciências Humanas, no âmbito do Mestrado e da Graduação, capacitados para lidar com a neurodiversidade em seu cotidiano de trabalho.
Equipe do Projeto
Nome | CH Semanal | Data inicial | Data final |
---|---|---|---|
AMANDA DURO DOS SANTOS | |||
Ana Cândida Nunes Carvalho | |||
CAMILA DE OLIVEIRA PAZ | |||
Daniela Pires Moreira de Castro | |||
Flavia Neves da Silva | |||
GUSTAVO HENRIQUE RÜCKERT | 13 | ||
JAMILE DE SOUZA ESCALANTE | |||
Janaína de Almeida Pereira | |||
KAROLAYNE FEIJÓ CARDOSO | |||
LUCIA HELENA FIALHO PEREIRA DA SILVEIRA | |||
LUISA FANFA BARROSO | |||
Lenice Rodrigues Antunes | |||
Luana Adriano Araújo | |||
Luiz Henrique Magnani Xavier de Lima | |||
SAVANA DE ANDRADE MUNSBERG | |||
Sophia Silva de Mendonça | |||
Valéria Aydos Rosário |