As evidências indicam que o senso de coerência está associado ao desenvolvimento de transtornos mentais comuns (TMC) como ansiedade e depressão, com baixos escores de senso de coerência estando associado a maiores prevalências destes transtornos. A presença de TMCs apresenta implicações socioeconômicas significativas, pois são causa importante de dias perdidos de trabalho, além de elevarem a demanda nos serviços de saúde e acarretarem prejuízos importantes nas funções social e física (Fleck et al., 2012; Lopes et al. 2013).
Além disso, o senso de coerência também está positivamente relacionado com comportamentos em saúde, com SOC mais alto estando relacionado com escolha de dietas mais saudáveis, maior prática de atividade física, não consumo de cigarro, bebidas alcoólicas e substâncias ilícitas. Uma vez que estes comportamentos em saúde estão associados a morbidade e mortalidade por doenças não transmissíveis (DNT), tais quais, doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas. Essas doenças correspondem - entre os países de baixa e média renda - a dois terços da carga geral de doenças (GBD, 2019). Ademais, em 2019, 8,71 milhões das mortes foram atribuíveis (15,4% de todas as mortes) ao tabagismo, o uso de álcool representou 2,07 milhões de mortes atribuíveis em homens e 0,40 milhões em mulheres, dietas de risco representou 4,47 milhões de mortes atribuíveis de homens (14,6% de todas as mortes masculinas) e 3,48 milhões de mortes atribuíveis em mulheres (13,5% das mortes femininas), o uso de drogas representou 0,45 milhões de mortes atribuíveis de todas as mortes e a inatividade física e baixa atividade física representando 0,30 milhões de mortes atribuíveis e 5,2% dos anos de vida ajustados por incapacidade independente do IMC (GBD, 2019).
Existe uma lacuna na literatura quando se avalia o conjunto dos principais comportamentos, os estudos existentes não avaliaram a associação do SOC com os principais comportamentos em saúde em um só estudo. Alguns dos comportamentos foram bem pouco estudados, como os hábitos alimentares com apenas 3 artigos incluídos na revisão.
A revisão da literatura sobre a associação entre senso de coerência, transtornos mentais comuns e comportamentos em saúde, mostrou algumas fragilidades nos estudos existentes: 1) apresentação de estimativas brutas, sem ajuste para fatores de confusão, 2) controle de estimativas para possíveis mediadores, como por exemplo o estresse no trabalho, 3) maioria estudos transversais, sujeitos a causalidade reversa.
Cerca de 41% dos estudos que avaliaram a relação entre SOC e depressão, estimaram apenas a correlação entre as variáveis e não controlaram as estimativas para possíveis fatores
de confusão. Ao controlar para poucos fatores de confusão, ou ainda para nenhum fator, a magnitude da associação pode ser superestimada. O baixo nível sócio econômico está associado a menores escores de SOC e maiores escores de TMC e piores hábitos comportamentais. Sendo assim, análises que não consideram variáveis socioeconômicas, o confundimento residual superestimaria a medida de efeito. Como também, eventos adversos na infância estariam associados negativamente com escores de SOC, com TMC e hábitos nocivos à saúde, o não controle também superestimaria a associação da exposição com o desfecho. Assim, surge a necessidade de realizar estudos que diminuam a possibilidade de confusão residual e que ajustem para um conjunto de possíveis fatores de confusão como variáveis socioeconômicas e demográficas, e que considerem os eventos adversos na infância e apoio, suporte social e familiar, já que as condições de vida na infância e adolescência tem um papel importante no fornecimento de experiências significativas para o desenvolvimento de um forte SOC na idade adulta, e estes fatores não foram considerados como possíveis fatores de confusão nos artigos encontrados na revisão.
No que diz respeito ao ajuste para possíveis mediadores, ao realizar tal controle, um caminho causal é bloqueado e com isso o efeito total do senso de coerência é subestimado. Além disso, um viés de colisão (collider bias) é introduzido, cujas consequência é abrir um caminho causal que estava fechado, distorcendo a associação entre senso de coerência e os desfechos estudados, em uma direção que não é previsível.