O ritmo de crescimento populacional mundial vem pressionando a demanda por alimentos, de maneira que a produção agropecuária deverá crescer 50% anualmente até 2050 para garantir a segurança alimentar da população (WRI, 2019). Diversos fatores como a crise sanitária decorrente da pandemia do COVID-19, bem como situações como a guerra entre Rússia e Ucrânia e o recente conflito na Faixa de Gaza, geram condições adversas à economia dos países, uma vez que afetam a produção, transporte e comércio de bens. Estes impactos negativos chegam aos produtores rurais, na forma de elevação no preço de insumos e logística. Dessa forma, a meta para a produção de alimentos mundial se torna cada vez mais difícil de ser alcançada, gerando um cenário preocupante para os próximos anos.
Dentro desse contexto, a produção de leite e derivados é fundamental para atingir as metas de segurança alimentar, uma vez que são alimentos extremamente ricos em nutriente, como caseína (proteína de alto valor biológico), lactose (carboidrato), gordura, vitaminas e minerais (cálcio, fósforo e minerais), os quais desempenham funções metabólicas importantes e, assim, contribuem para a saúde humana, prevenindo doenças e condições, como hipertensão, obesidade, osteoporose, diabetes e doenças cardiovasculares (Zhang et al., 2021).
Ademais, a pecuária leiteira se destaca como uma atividade de grande importância econômica e social, que gera renda e empregos em todos os estados (Bassoto et al., 2021). Nas últimas duas décadas a produção de leite no Brasil cresceu cerca de 80%, devido a um aumento de produtividade associado a adoção de estratégias e tecnologias relacionadas à sanidade, nutrição, reprodução, melhoramento genético, sistemas de produção e gestão (Rocha et al., 2020; Martins et al., 2023). Apesar do rápido crescimento observado, a produtividade brasileira ainda se encontra muito abaixo quando comparada à produtividade de países como os EUA e Israel. Esta ineficiência fica evidente pelo fato de o Brasil ser o terceiro maior produtor de leite do mundo, contando com o segundo maior rebanho, porém ficando fora da lista dos dez mais eficientes.
Assim como as demais atividades do setor primário, a produção de leite vem sofrendo com a instabilidade econômica dos últimos anos, evidenciada pela diminuição na captação nacional de leite, aumento das importações e redução dos investimentos (Silva, 2023). Estes efeitos estão diretamente relacionados com a elevação dos custos de produção, reduzindo o poder de compra dos pecuaristas, ainda que o ano de 2022 tenha registrado recorde no preço do leite pago ao produtor. Além disso, fenômenos climáticos como El niño e La niña provocam alterações nos regimes de chuvas das principais regiões produtoras de leite do país, prejudicando a produção de pastagens e silagem de milho, alimentos essenciais na alimentação do rebanho. Este cenário desafiador exige cada vez mais controle e a profissionalização do setor, o que fica evidenciado pelo grande número de pequenos produtores que deixaram a atividade nos últimos anos (CEPEA, 2023).
Investimentos em tecnologia são essenciais para um aumento na lucratividade da atividade, uma vez que permitem um aumento na escala de produção e o uso racional dos recursos produtivos. A pecuária leiteira caminha inexoravelmente para a chamada quarta revolução industrial, caracterizada pela digitalização do processo produtivo e utilização de recursos como robótica, internet das coisas e inteligência artificial (Dias et al., 2023). Muitos exemplos de aplicações dessas tecnologias já estão disponíveis na produção de leite. A utilização de ordenha robotizada possibilita a automatização do processo de ordenha, o que reduz os casos de contaminação do úbere dos animais e minimiza os riscos associados à falta de disponibilidade de mão-de-obra. Além disso, esses sistemas coletam dados como produção individual de cada quarto mamário, condutividade elétrica do leite e casos de mastite clínica (Cockburn, 2020). Outra aplicação de tecnologia se faz através do monitoramento do comportamento dos animais, seja através de sensores de movimento ou câmeras, que possibilitam identificar certos eventos, como cio, parto e enfermidade, de maneira antecipada (Shine & Murphy, 2022).
Todas essas aplicações têm em comum o acúmulo de dados, relacionados a todas as etapas produtivas de dentro da porteira, como cria, recria e lactação, além das diferentes áreas, como produção, reprodução, nutrição e sanidade. A utilização desses dados para auxiliar os gestores na tomada de decisão ainda é incipiente, o que leva ao questionamento a respeito do investimento em novas tecnologias, sem o devido acompanhamento do investimento em gestão de processos e financeira dentro das propriedades. A gestão baseada em dados, conhecida como Business Intelligence, se refere a utilização de sistemas com a capacidade de integrar, analisar e resumir grandes conjuntos de dados, visando o entendimento de oportunidades, fraquezas e fortalezas de um negócio, facilitando o direcionamento dos gestores na tomada de decisões estratégicas (Ain et al., 2019). A aplicação de sistemas de gestão baseado em dados vem crescendo no setor primário, com grande destaque para a agricultura de precisão, porém sistemas como esse ainda são escassos em propriedades leiteiras. Portanto, o objetivo do presente projeto é o desenvolvimento de um software de gestão para propriedades leiteira, utilizando a análise de dados zootécnicos e financeiros.