Os programas de melhoramento genético no Brasil têm adotado a inclusão de diversas características nas avaliações genéticas, buscando caminhos para identificar animais geneticamente superiores. As características de crescimento, como o peso corporal, sobretudo em idades mais jovens, são muito utilizadas como critérios de seleção, pois o encurtamento do ciclo de produção possibilita maior retorno econômico (GORDO et al., 2012; BOLIGON et al., 2013). Estudos realizados com animais zebuínos e britânicos demonstram que essas características possuem herdabilidades de moderada a alta magnitude, respondendo à seleção direta (KAMPRASERT; DUIJVESTEIJN; VAN DER WERF, 2019; KOETZ et al., 2019; SCHMIDT et al., 2019; TORRES-VÁZQUEZ et al., 2020). No entanto, Duitama et al. (2015) relatam que apenas a inclusão de medidas de peso mensuradas em diferentes idades não seria suficiente para identificar animais mais precoces. Nesse sentido, estudos têm sugerido que dados longitudinais ou medidas repetidas no tempo seriam mais adequadamente analisados com modelos de dimensão infinita, como os modelos de regressão aleatória (MRA), por possibilitarem acompanhar a curva média de crescimento dos animais em determinados períodos (MEYER, 2004; COFFEY; HICKEY; BROTHERSTONE, 2006; BOLIGON et al., 2010; ENGLISHBY et al., 2016) e a obtenção de parâmetros genéticos para a desaceleração do crescimento (SILVEIRA et al., 2018), direcionando a seleção para a precocidade dos animais.
Abordagem semelhante foi relatada com bovinos leiteiros. Kadimi (2005) reporta que as medidas atuais de persistência de lactação não são uniformemente aplicáveis à variedade de curvas de lactação, além de serem de difícil interpretação ou são funções do rendimento da lactação, portanto, inadequadas. Logo, o autor propôs um modelo quadrático simples que foi usado para ajustar o rendimento cumulativo ao longo da lactação. No mesmo sentido, Pereira et al. (2015) sugerem que a maioria das medidas utilizadas para mensurar a persistência de lactação, por apresentarem associações genéticas de moderada a alta magnitude com a produção de leite, poderiam favorecer o aumento da ingestão de alimento pelos animais. Considerando que vacas de média a alta produção no início da lactação não conseguem consumir ração suficiente para atender suas necessidades nutricionais, poderia haver prejuízos de desempenho em função do balanço energético negativo e mobilização de reservas corporais. De acordo com Cole e Null (2009), a seleção baseada em uma medida de persistência que mostra uma correlação genética alta e positiva com a produção de leite é contraditória, devido à associação negativa entre resistência a doenças e produção de leite. Portanto, medidas de persistência da produção de leite que independem da produção total de leite e são facilmente obtidas e interpretadas são extremamente úteis na seleção dos animais (PEREIRA et al., 2015).
Paralelamente, em bovinos de corte a seleção baseada em características de crescimento que possuem associações genéticas de moderada a alta magnitude com o peso adulto sujeitam os rebanhos a aumentos acentuados no tamanho dos animais, consequentemente, elevando os custos de manutenção (BOLIGON et al., 2009; REGATIERI et al., 2012). Além disso, há uma correlação genética desfavorável, embora de baixa magnitude, entre o peso adulto e características reprodutivas (MEYER, 2004; MELLO et al., 2006). Por outro lado, é possível observar que animais com maior precocidade possuem menor tamanho e começam a depositar gordura com um menor peso (METZ et al., 2009).
A abordagem proposta por Kadimi (2005) e Pereira et al. (2015) tem sido estudada em bovinos de corte (SILVEIRA et al., 2018) e poderia ser aplicada visando melhorias na precocidade dos animais, independentemente do tamanho. O parâmetro Gama, obtido a partir da segunda derivada de um modelo quadrático simples, descreve a desaceleração no rendimento da produção de leite ao longo de toda a lactação (KAMIDI, 2005). Dessa forma, Silveira et al. (2018) relatam ser possível que o parâmetro Gama - apresentado por Kamidi (2005) e desenvolvido por (PEREIRA et al., 2015)– explique tanto a desaceleração na produção de leite durante a lactação, quanto o crescimento de bovinos de corte do nascimento até a maturidade. Neste caso, o parâmetro seria obtido a partir do ajuste quadrático das curvas de crescimento estimadas para as progênies de cada animal em um modelo de regressão aleatória.
Outra abordagem possível para estimar a desaceleração do crescimento seria calcular a razão (G-ratio) entre o ganho médio diário de peso no período pós-desmama (205 a 700 dias de idade) e no período pré-desmama (nascimento a 205 dias de idade) (SILVEIRA et al., 2018). De modo geral, esses parâmetros podem ser usados como uma alternativa na seleção de reprodutores com maior precocidade, sem promover mudanças no tamanho adulto dos animais.
Além da avaliação das características de crescimento, medidas relacionadas à qualidade da carcaça têm se tornado relevantes uma vez que a pecuária de corte brasileira tem buscado por carcaças e carnes de qualidade, agregando valor comercial ao seu produto final. Para a consecução desse objetivo, a mensuração de medidas in vivo por ultrassonografia em tempo real torna-se uma prática indispensável (BOLIGON et al., 2012; BONIN et al., 2015; SILVA; STOUFFER, 2019).
Segundo Yokoo et al. (2008), as principais características avaliadas na ultrassonografia de carcaça são a área de olho de lombo (área de secção transversal do músculo Longissimus dorsi entre as 12ª e 13ª costelas), espessura de gordura (espessura do depósito de gordura subcutânea entre as 12ª e 13ª costelas sobre o músculo Longissimus dorsi) e espessura de gordura subcutânea medida na garupa (espessura do depósito de gordura subcutânea entre os ossos ílio e ísquio, mensurada na intersecção dos músculos Gluteus medius e Biceps femoris). De modo geral, essas características têm sido relacionadas com musculosidade, rendimento de carcaça e cortes cárneos, qualidade da carne, e grau de acabamento da carcaça (YOKOO et al., 2010). Estudos com animais da raça Nelore, estimaram herdabilidades para características de carcaça variando entre 0,20 e 0,47 (GORDO et al., 2012; BONIN et al., 2015; CEACERO et al., 2016; SILVEIRA et al., 2018), evidenciando haver variabilidade genética nessas populações.
É certo que para o sucesso dos programas de melhoramento genético as relações genéticas entre as características de importância econômica devem ser frequentemente avaliadas. Entretanto, apesar da relevância que as características de carcaça representam para os sistemas de produção de bovinos de corte, poucos estudos foram desenvolvidos visando determinar em qual fase da vida do animal elas possuem associações genéticas mais favoráveis com as características de crescimento no que tange à obtenção respostas correlacionadas potencialmente vantajosas.
Outro aspecto relevante para a pecuária brasileira diz respeito ao fato de que os animais zebuínos e seus cruzamentos, devido a seu temperamento, seriam mais facilmente estressados e menos eficientes (FRIEDRICH et al., 2015; LINDHOLM-PERRY et al., 2015). Nessas condições, os animais teriam um menor desempenho produtivo e reprodutivo, função imunológica comprometida (FELL et al., 1999) menor qualidade na carne e maior suscetibilidade a doenças, o que afetaria a eficiência econômica em qualquer sistema de produção (FRIEDRICH et al., 2015). A velocidade de fuga tem sido utilizada na avaliação do temperamento de bovinos de corte devido à rapidez de mensuração e à facilidade de interpretação, além de se tratar de uma avaliação mais objetiva em relação a utilização de escores de temperamento (VALENTE et al., 2017). Em estudos recentes, foram descritas herdabilidades de moderada a alta magnitude para a velocidade de fuga, variando de 0,22 a 0,46 (VALENTE et al., 2017; LITTLEJOHN et al., 2018; SILVEIRA et al., 2019), indicando que a seleção para a característica poderá trazer ganhos genéticos nas futuras gerações, proporcionando a obtenção de animais de temperamento mais dócil.
Tendo em vista as metodologias aplicadas atualmente nas avaliações genéticas, Oliveira et al. (2015) relataram que dentre os estudos que podem ser executados visando ao aumento da produção, a identificação dos melhores indivíduos para reprodução, bem como a determinação de medidas que contribuam para a melhoria da produtividade da carne bovina, têm-se a avaliação de parâmetros que caracterizam a curva de crescimento dos animais, com base na altura ou no peso em diferentes idades. Nesse sentido, Meyer (2004) ressalta benefícios no emprego dos modelos de regressão aleatória ao assegurar uma modelagem mais adequada de variâncias e parâmetros genéticos e permitir a inclusão de registros que normalmente seriam descartados.
A execução do presente estudo fornecerá subsídios a serem considerados na elaboração de índices de seleção que contemplem tanto a obtenção de animais mais precoces, com temperamento desejável – melhorando o desempenho produtivo, diminuindo os riscos de lesões e melhorando a eficiência da mão de obra – quanto de animais com carcaças de melhor qualidade. Além disso, será possível determinar a magnitude das associações genéticas das características de crescimento com características associadas a qualidade da carcaça e temperamento em diferentes fases da vida do animal.