Nome do Projeto
Sob a égide do totalitarismo e autoritarismo: a literatura como reflexão
Ênfase
Extensão
Data inicial - Data final
04/10/2017 - 15/12/2017
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Linguística, Letras e Artes
Eixo Temático (Principal - Afim)
Educação / Direitos Humanos e Justiça
Linha de Extensão
Temas específicos / Desenvolvimento humano
Resumo
Abordagem crítica das relações de poder, especialmente a natureza e as características dos regimes totalitários e autoritários por meio de discussões e reflexões a partir da leitura, discussão e análise de textos literários pertencentes ao gênero distópico que conforme Booker (1994) "literatura distópica é especificamente a literatura que se posiciona em direção oposta ao pensamento utópico, alertando contra as potenciais consequências negativas do utopismo. Ao mesmo tempo, a literatura distópica genericamente se constitui também por uma crítica às condições sociais ou sistemas políticos existentes..." e também por narrativas brasileiras que segundo Ginzburg (2000) "Elaboraram suas representações da condição humana acentuando seu caráter problemático e agônico, em acordo com o fato de que, no contexto histórico brasileiro, a constituição da subjetividade é atingida pela opressão sistemática da estrutura social, de formação autoritária". Por conseguinte, é importante ainda mencionar que permearam e sustentaram teoricamente as discussões de Hannah Arendt (2000); Alfredo Bosi (2002); Antonio Candido (2006) dentre outros pensadores e pesquisadores.

Objetivo Geral

Propiciar espaço de discussão e reflexão crítica mediante a construção de um repertório de leituras literárias sugeridas (literatura brasileira pós 1964 e contemporânea) que possibilitem a reflexão sobre totalitarismo, autoritarismo e poder, bem como possibilite a percepção das relações intertextuais da literatura com outras formas de arte, como clipes musicais, filmes de curta duração, filmes de longa duração, etc.
Acreditamos que discussões como essa estejam mais vinculadas a uma proposta de extensão do que de ensino, visto que há elementos nos quais a comunidade poderá evidenciar uma atuação consistente a partir das atividades de leituras apresentadas, especialmente no que diz respeito ao processo de reflexão acerca da formação histórico-cultural da sociedade brasileira.

Justificativa

O texto em epígrafe deste projeto encerra um dos mais significantes romances brasileiros a refletir sobre as relações de poder e autoridade, A Hora dos Ruminantes, de José J. Veiga. Em suma, o excerto trata da natureza cíclica dos movimentos políticos e sociais e, se por um lado soa negativo ao dizer que as horas más ressurgem, por outro, indica que tempos sombrios também encerram-se, explicitando o caráter cíclico das instabilidades políticas da história brasileira. Ao construir esta passagem, José J. Veiga tinha um horizonte definido conforme revelou em uma entrevista:
Ah, foi. Disseram isso a propósito do final do livro A hora dos ruminantes. Eu não acreditava que aquela ditadura tivesse condições de durar muito. Achei que ela ia se dissolver. Demorou muito mais do que eu esperava. Em A hora dos ruminantes, eu pensava que ela ia ser curta. Por isso aquele final otimista. Os ruminantes foram embora, deixaram a sujeira aí, mas a gente limpa. O relógio da igreja, que estava parado há muito tempo, enguiçado, foi consertado, bateu horas, todo mundo se animou. Fui muito criticado por alguns, que me acharam muito otimista. Daí eu fiz uma espécie de continuação em Sombras de reis barbudos, livro no qual a repressão e o esmagamento chegam ao auge. Mas no fim, pensando bem, a ditadura acabou como está em A hora dos ruminantes: saiu pela porta dos fundos, não foi?
Otimista ou não, o que fica claro é que o autor indicava ali a mobilidade das forças sociais e políticas, o que no caso do Brasil, sempre foi uma constante do processo formativo de nossa história. Por isso não é aleatório a escolha do respectivo trecho para abertura das apresentações deste projeto, visto que vivenciamos em nosso presente uma intensa movimentação de forças políticas e ideológicas no mundo inteiro em que temos visto pelos jornais e outros meios de informação uma “retomada” de pautas como a do nacionalismo, o populismo, e mesmo, o crescimento de forças políticas de alusões fascistas, xenófobas, intolerantes, etc. Além disso, cresce também ao redor do mundo a ação de governos de forma autoritária, e, mesmo totalitária, como é o caso, por exemplo de regiões dominadas pelo ISIS, ou consolidadas repúblicas como a da China e a da Coreia do Norte. Portanto, não seria absurdo pensarmos analogamente que testemunhamos o momento em que as engrenagens do relógio de Veiga parecem estarem sendo “mexidas”. Contudo, que “tipo de hora” sairá deste “ajuste” de engrenagens é algo que permanece nublado por uma névoa intensa e que nos convida a oportunas reflexões.
Dito isto, eis aí uma boa motivação para a realização da atividade proposta neste projeto e que visa refletir acerca das relações de poder e autoridade a partir de um olhar que tem na literatura seu ponto de partida para as reflexões. Por isso propomos partir da leitura de obras que por meio do registro literário buscaram refletir e pensar sobre tais questões, como 1984, Fahrenheit 451, Admirável Mundo Novo, Sombras de Reis Barbudos, A Hora dos Ruminantes, Incidente em Antares, Não Verás País Nenhum, dentre outras. Ademais, para ressaltar a relevância do respectivo projeto, podemos ainda destacar que este tem sido um tema de grande interesse da sociedade, tanto que, por exemplo, o romance 1984, de George Orwell segundo notícias da Folha de São Paulo “voltou ao topo das vendas e ganhará reimpressão décadas após ter sido escrito”. Na mesma matéria, informa-se que a procura pelo livro “aumentou 10.000%”. Aliás, sobre este livro, em 1961 Erich Fromm disse "a menos que o curso da história se altere, os homens do mundo inteiro perderão suas qualidades mais humanas, tornar-se-ão autômatos sem alma, sem sequer ter noção disso." Podemos depreender daí, que se por um lado, talvez as pessoas até então não tenham levado a sério, ou simplesmente desconhecessem tal “advertência”, há por agora uma procura grande pela obra, bem como, por outras obras de características semelhantes e geralmente integrantes do gênero distópico. Então isto demonstra que há busca pela possibilidade de reflexão dos tempos presentes a partir da compreensão do romance citado, ou doutros os quais possuem em sua estrutura ou em sua estética, reflexões acerca dos poderes totalitários e autoritários, reflexões estas que hoje são tão pertinentes à compreensão da sociedade humana.
E ao se articular e construir este projeto com o que já se foi exposto, dentre aos argumentos que soma-se às suas justificativas, poderíamos ainda reivindicar também “o direito à literatura”, conceito apresentado e argumentado solidamente por Antônio Candido ao falar que “uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte, e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”, direito a que se pretende exercer neste projeto propiciando discussões e reflexões oportunas na tentativa de tanto compreender mas também assimilar e estudar o atual momento político do mundo. Nesse sentido espera-se com tal oportunidade propiciar reflexões profundas de tal modo que possamos estabelecer relações com o tempo presente de modo que não nos escape a “advertência” de Fromm (1961):
Se o mundo de 1984 vier a tornar-se a forma dominante de vida neste planeta, isso quer dizer um mundo de loucos, e portanto um mundo inviável (Orwell o indica muito sutilmente ao apontar para o brilho demente nos olhos do líder do partido). Estou certo de que nem Orwell, nem Huxley, nem Zamyatin gostariam de asseverar que esse mundo de insanidade está destinado a se realizar. Pelo contrário, é bastante óbvio que a intenção deles é fazer soar um alerta, ao mostrar para onde estamos indo, caso não tenhamos sucesso na promoção do renascimento do espírito de humanismo e dignidade que está nas próprias raízes da cultura ocidental.
Por fim, podemos justificar ainda a execução do respectivo projeto como uma importante forma de estímulo à extensão acadêmica criando a oportunidade de envolvimento e participação que amplie as possibilidades das discussões literárias ao mesmo tempo que debate temática tão relevante à comunidade.

Metodologia

É por certo que não se presta a literatura a simples conceituações, tanto é que estudiosos ainda hoje buscam por um conceito que a explique, nunca se chegando a um consenso final e definitivo. Aliás, é provável que este consenso nunca chegue, e, se assim o pensarmos, será bem mais provável que estejamos cometendo um erro do que qualquer outra coisa, pois a literatura está mais para apresentar reflexões e provocações do que propriamente afirmar algo. Contudo, ainda que sem um conceito que a defina por completo, não se nega de modo algum a relação da literatura com a sociedade. Para Compagnon a literatura “dota o homem moderno de uma visão que o leva para além das restrições da vida cotidiana”No Brasil é em Antonio Candido que encontramos olhar mais elaborado acerca desta relação entre a obra literária e a sociedade, sendo que de antemão é importante observar: a arte é social nos dois sentidos: depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais. Isto decorre da própria natureza da obra e independe do grau de consciência que possam ter a respeito os artistas e os receptores de arte. (CANDIDO, 2006, p.29)
Antonio Candido diz ainda que “assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura”. Ele ainda nos falará do aspecto humanizador da literatura:
o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. (CANDIDO, 2011, pp.171-93)
Além disso, o crítico ainda nos indicará a necessidade de uma interpretação dialética da obra literária observando tanto como a obra influencia o meio, assim como o meio influencia a obra. Dizemos isto nesta breve introdução como forma de apresentar princípios e debates teóricos que nortearão o projeto do qual nos propomos a possibilitar a discussão e a reflexão a partir da literatura sobre as questões de poder, totalitarismo e autoritarismo.
Fazendo o registro talvez óbvio de que as reflexões não se encerram no grupo de leituras e interpretações que embasarão as discussões, ao longo do projeto buscar-se-á a partir destas leituras prévias, observar e refletir como a literatura tem apresentado e discutido a temática do totalitarismo e do autoritarismo e as demais estruturas de poder. Nesse conjunto de leituras estarão presentes as distopias canônicas do gênero, sendo que algumas delas diante destes tempos atuais, para muitos, sombrios, voltam a criar interesse entre os leitores. Mergulharemos no universo controlado de 1984, de George Orwell (1949) com seu duplipensamento, algo que assustadoramente encontra ecos nas notícias “fakes” e nas “verdades alternativas” desta década; sem falarmos ainda da figura do “Grande Irmão” com suas representações contemporâneas. Não poderia faltar também a leitura de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley (1932) em que o controle e a estabilidade dão-se pelo prazer absoluto numa sociedade toda de proveta. Huxley, aliás, num prefácio escrito em 1946 sintetiza muito bem sua própria obra e o tipo de totalitarismo presente em sua perspectiva:
um estado totalitário verdadeiramente eficiente seria aquele em que os chefes políticos de um poder executivo todo-poderoso e seu exército de administradores controlassem uma população de escravos que não tivessem de ser coagidos, porque amariam sua servidão. (HUXLEY, 2016. P.14)
Vejamos que esta é uma afirmação deveras impactante em tempos de retrocessos de conquistas sociais. Não se deixará de fora ainda a obra que, além de refletir sobre os regimes totalitários, adentra a participação dos livros (nesse caso, a literatura) como resistência ao poder totalitário. Em Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (1953), os livros são queimados porque justamente estão ligados intrinsecamente ao meio social e nele exercem determinada influência de tal modo que Guy Montag, um bombeiro cuja tarefa é queimar livros, representa neste conjunto de leituras talvez a resistência mais firme aos poderes totalitários.
Todavia a literatura brasileira também marcará forte presença neste projeto, e não nos faltam distopias e ficções nacionais que abordam com grande qualidade e relevância as relações de poder. Há em nossa literatura, inclusive, um momento específico em que o meio influenciou fortemente a arte e de nossos autores surgiram obras dum realismo fantástico pungente em tempos de exceção e restrição da liberdade, o regime militar após o golpe de 1964. É dessa época grandes publicações como a obra de José J. Veiga, que especialmente em Sombras de Reis Barbudos (1973) torna o leitor e suas personagens prisioneiras de um regime totalitário imposto pela Companhia de Melhoramentos de Taitara. Nesse universo, em determinados momentos invadido pelo insólito, como homens voadores no céu, o que fica é a restrição da liberdade, os labirintos que aprisionam e o intenso clima de denúncias, desconfiança e violência. Tão fantástico quanto os acontecimentos nas pequenas Taitara e Manarairema de Veiga também se dá com os cadáveres insepultos de Incidente de Antares, de Érico Veríssimo (1971), que de certa forma traça um panorama de golpes e contragolpes da história brasileira, ao mesmo tempo em que discute o autoritarismo e o totalitarismo vigente na sociedade de Antares, que geograficamente distante do mundo, não está, porém, alheia – ou isolada – aos mesmos problemas da nação. Ainda mais extrema, veremos, é a obra de Ignácio Loyola Brandão, uma ficção científica desoladora e estéril capaz de congregar as mais variadas mazelas de nossa sociedade. Em Não Verás País Nenhum (1981), além do regime totalitário, estará presente também a locupletação de uma sociedade corrupta ao extremo, capaz de vender toda nação e desertificar nossa paisagem.
Estes são alguns exemplos de obras cujas interpretações nortearão reflexões ao longo da realização do projeto que procurará fomentar o debate e reforçar o papel da literatura enquanto elemento componente e estruturante da sociedade.

Indicadores, Metas e Resultados

1) Oportunizar a constituição de um repertório de leitura de textos escritos e não escritos que possibilitem uma reflexão crítica acerca das relações de poder e autoridade;
2) Promover o debate a partir de momentos de reflexão e interpretação crítica das leituras selecionadas para sustentar as atividades;
3) Propiciar a reflexão sobre conceitos de poder, bem como as distinções entre autoritarismo e totalitarismo através da interpretação literária crítica;
4) Possibilitar a reflexão acerca do gênero distopia, bem como a compreensão de suas características, sua relevância e seu cânone;
5) Refletir acerca do contexto histórico como componente da interpretação crítica das leituras sugeridas, bem como avaliar e analisar a fusão entre contexto histórico e obra;
6) Propiciar uma reflexão crítica das temáticas do fascismo, racismo, da intolerância racial e de gênero, a partir das leituras sugeridas e suas respectivas interpretações;
7) Evidenciar uma reflexão das referências intertextuais das obras literárias entre si e também entre outras formas de arte.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
DOUGLAS ERALDO DOS SANTOS
JOAO LUIS PEREIRA OURIQUE6

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