Nome do Projeto
Sentimentos vastos não tem nome: fetiche e inversões contrassexuais na era farmacopornográfica
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
21/04/2025 - 18/12/2026
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
Em Testo Junkie (2018), Paul B. Preciado descreve a era farmacopornográfica como um regime biopolítico contemporâneo que regula corpos, gêneros e desejos através de duas grandes tecnologias: a farmacologia industrial (hormônios, psicotrópicos, anticoncepcionais) e os dispositivos midiático-pornográficos (algoritmos de plataformas digitais, indústria do sexo, representações normativas do prazer, incitação a exibição de si em redes sociais, etc.). Diferentemente do entendimento tradicional dos mecanismos disciplinares, esse poder não age apenas pela repressão, mas pela produção industrial de subjetividades desejantes, convertendo corpos em territórios de experimentação capitalista. Nesse contexto, identidades sexuais e práticas eróticas tornam-se mercadorias reguladas, exigindo, para sua contestação, a reinvenção dissidente do corpo e do prazer. Como estratégia de subversão, Preciado (2017) propõe práticas de inversão contrassexual — atos e performances que desestabilizam a matriz cis-heteronormativa, binária e genitalocêntrica do sexo naqueles que as praticam. Tais práticas não apenas transgridem normas, mas reconfiguram a política do corpo, criando gramáticas alternativas de desejo. Aqui, dialogamos também com Maurice Merleau-Ponty (Fenomenologia da Percepção, 1945), para quem o corpo não é um objeto, mas o meio originário de experiência e significação do mundo. Se, para Preciado, o corpo é um campo de batalha político, para Merleau-Ponty, ele é a trama sensível através da qual a existência se articula. A partir desse cruzamento teórico e outras a se desenhar, investigaremos como práticas fetichistas radicais podem operar como atos contrassexuais, desorganizando a economia normativa do prazer e a própria concepção de corpo. Partimos da hipótese de que o fetiche, quando vivido em desidentificação com o sexo hegemônico, constitui uma prática contrassexual e, por conseguinte, capaz de reorganizar a experiência corpórea e subverter as lógicas introjetadas do capitalismo farmacopornográfico. Para explorar essa hipótese, pretendemos (1) analisar como a psicologia (em algumas de suas vertentes compreensivas e fenomenológicas) conceitua o fetiche, a vivência deste e seu papel na constituição da subjetividade; (2) investigar como práticas fetichistas desestabilizam normas de gênero, desejo e corpo, tomando como referência a poéticas de selecionadas artistas visuais – como os objetos relacionais de Lygia Clark e performances de Bruna Kury e Annie Sprinkle), assim como vivências concretas de pessoas da comunidade BDSM e outras, além profissionais do sexo que produzem conteúdo digital fetichista e os divulgam por meio de plataformas digitais. Ao situar o fetiche não como patologia ou exoticidade, mas como potencial tecnologia de resistência, o projeto visa contribuir para ampliar o debate sobre corpos e práticas dissidentes na interseção entre biopolítica, linguagem, processos de subjetivação e cultura.

Objetivo Geral

Este projeto se propõe a desvendar o fetiche como uma tecnologia de guerrilha do desejo: uma prática de inversão contrassexual capaz de sabotar a gramática farmacopornográfica que coloniza corpos e prazeres. Ao invés de enxergá-lo como mera excentricidade ou sintoma, investigamos como o fetiche, quando radicalizado, pode ser um terremoto íntimo: uma forma de desorganizar os códigos introjetados do gênero, do sexo normativo e da produtividade capitalista, abrindo fissuras para experiências corpóreas dissidentes. Trata-se de transformar o fetiche em um manifesto sensível, onde couro, látex, algoritmos e hormônios colidem para escrever novas políticas do prazer e corporeidade.

Justificativa

Tanto em Pelotas quanto na UFPel, as discussões sobre gênero, sexualidade e biopolítica são frequentemente marcadas por estruturas mais conservadoras, nesse sentido estudar fetiche como tecnologia contrassexual tem relevância político-pedagógica explícita. Para estudantes de Psicologia da UFPel, esse projeto oferece ferramentas teórico-metodológicas para questionar a naturalização de corpos e desejos, ampliando o olhar clínico e social para além de patologizações e universalizações tão comuns quando o tema é a sexualidade. Ao conectar as vivências fetichistas específicas (seja na cena BDSM, na produção de conteúdo digital ou em performances artísticas marginais) com proposições teóricas diversas (i.e., teoria queer e existencialismo), propomos não apenas uma crítica ao modo de viver neste biocapitalismo farmacopornográfico, mas também uma reinvenção da prática psicológica — uma que escute os corpos dissidentes como territórios de resistência, não de ajuste. Afinal, se o poder atua através do prazer, a Psicologia não pode se furtar a decifrar e potencializar suas brechas revolucionárias.

Metodologia

1. Revisão Crítica da Literatura
Iniciaremos com uma revisão sistemática e crítica da literatura, mapeando três eixos:
• Teorias tradicionais sobre fetiche: avaliaremos algumas posições de teorias clínicas (como a psicanálise Freudiana, a psicologia cognitiva e a psiquiatria biológica) para entender os eixos de patologização e exotificação vinculadas a práticas fetichistas.
• Abordagens fenomenológicas e queer: entender como os modelos teórico-críticos selecionados ressignificam o corpo e o fetiche a partir de lógicas de pesquisa situada, cibernética e rede de significações.
• Biopolítica e farmacopornografia: analisares produções pertinentes a fim de contextualizar os modos contemporâneos de controle de corpos, prazeres e grupos específicos.

2. Cartografia Fenomenológica do Fetiche
Realizaremos uma investigação empírica qualitativa em três camadas:
• Análise de produções artísticas (performances de Bruna Kury, obras de Lygia Clark, pornografia feminista e queer) como "laboratórios de desvio" das normas de gênero e prazer.
• Entrevistas narrativas e grupos de discussão com pessoas da comunidade BDSM, profissionais do sexo e criadores de conteúdo fetichista, explorando como suas práticas desestabilizam ou reproduzem lógicas farmacopornográficas.
• Redução fenomenológica: suspenderemos juízos prévios sobre "normalidade" e "patologia" durante a análise dos conteúdos, adotando uma postura de estranhamento radical para captar como o fetiche ressignifica a experiência corpórea e nos mantendo abertos a emergência de novos referenciais. Registraremos não apenas discursos, mas gestos, silêncios e materialidades (objetos, rituais, espaços) que compõem essas vivências de modo situado e corporificado.

3. Análise Crítica e Produção de Saberes Situados
Os dados serão interpretados através de:
• Fenomenologia materialista: como o fetiche reconfigura a "carne do mundo" em contextos periféricos?
• Teoria queer: quais táticas de sobrevivência e linhas de fuga emergem nas brechas do regime farmacopornográfico nas vivências e obras analisadas?
• Cartografia de dissidências: mapearemos fissuras nas normas de gênero e prazer, propondo o fetiche como prática micropolítica de reinvenção do desejo.

4. Devolutiva e Ativação Coletiva
Os resultados não serão apenas publicados academicamente, mas transformados em:
• Oficinas e grupo de estudo com estudantes da UFPel, problematizando alguns fazeres profissionais como, por exemplo, a clínica psicológica e psiquiátrica.
• Material audiovisual em parceria com artistas locais, ampliando o acesso ao debate.

Indicadores, Metas e Resultados

Além de oficinas, materiais audiovisuais e a orientação de diversos alunos, pretende-se publicar artigos acadêmicos e realizar comunicações orais em eventos e, ao final do projeto, organizar um livro sobre a temática.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
ARTHUR RIGHI CENCI
FABIANO DAVID MACHADO
HUDSON CRISTIANO WANDER DE CARVALHO10
LUIZA DE OLIVEIRA MACIEL
ROBERTO HEIDEN3
THOR BARCELLOS MELONI

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