Nome do Projeto
Educação escolar, reprodução da classe trabalhadora e transformações do mundo do trabalho
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
01/08/2025 - 31/12/2027
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
Esta pesquisa, proposta para desenvolver-se em rede e articulação com grupos de pesquisa da UnB, UFG e UFSC, será desenvolvida entre 2023 e 2026 e dá continuidade a pesquisas anteriormente desenvolvidas pelo grupo de pesquisa Organização do Trabalho Pedagógico da Educação Física da UFPel e do Núcleo de Estudos sobre as Transformações no Mundo do Trabalho da UFSC. A problemática do estudo situa-se em um contexto de crescente precarização e informalidade do trabalho, desemprego, aumento da jornada de trabalho e baixos salários, elevado número de migrantes e uma reforma geral do sistema educacional, ajustando a formação das novas gerações às demandas do mercado e crescente fragilização do ensino e do trabalho docente. Neste contexto, o objetivo geral da pesquisa consiste em compreender como se configura a reprodução da classe trabalhadora, particularmente em sua expressão na escola pública, diante das atuais transformações no mundo do trabalho. Trata-se de uma pesquisa orientada pelo Materialismo Histórico Dialético que se utiliza de estudos bibliográficos, análise de documentos, questionários, entrevistas, grupos focais e observações diretas. A pesquisa bibliográfica visa o aprofundamento teórico das categorias reprodução social, salário, trabalho, educação e escola. Os documentos analisados serão os da política educacional que orienta os currículos e a organização do trabalho escolar, além de análise de dados censitários e estatísticos para identificação das condições dos sujeitos da pesquisa. A pesquisa empírica envolverá escolas públicas de Educação Básica do município de Pelotas/RS e Florianópolis/SC, abrangendo escolas de educação infantil, ensino fundamental, médio e EJA, localizadas em regiões de periferia.

Objetivo Geral

Compreender como se configura a reprodução da classe trabalhadora, particularmente em sua expressão na escola pública, diante das atuais transformações no mundo do trabalho.

Justificativa

A cada modo de produção corresponde um modo específico de reprodução social. Assinalar o caráter unitário do processo de produção e do processo de reprodução social, implica conceber que mudanças na esfera da produção impactam na reprodução e vice-versa. Os dois processos, ainda que distintos, são mutuamente constitutivos, posto que “o crescimento do capital e o aumento do proletariado apresentam-se como produtos concomitantes, embora polarmente opostos [...]” (MARX, 2004, p.135).
Para a instauração do capitalismo foi preciso destruir as formas de reprodução anteriores, e isto foi possível por meio da expropriação dos meios de subsistência dos trabalhadores, transformando-os em força de trabalho e reproduzindo-os continuamente como tal. A condição histórica para este processo está no que Marx (2008) chama de acumulação primitiva, processo histórico de dissociação do trabalhador dos meios de produção. A primeira exigência do capitalismo foi a dissolução da relação com a terra, por meio da usurpação e cercamento das terras comunais e da expulsão dos camponeses, tornando a população agrícola disponível para a indústria e o campo disponível para a agricultura capitalista. “O último grande processo de expropriação dos camponeses é finalmente a chamada limpeza das propriedades, a qual consiste em varrer destas os seres humanos” (MARX, 2008, p. 842).
Essas relações não se limitam à gênese do modo capitalista de produção, mas são condições da acumulação capitalista e de seu desenvolvimento, o que faz com que os processos de expropriação permaneçam e inclusive se intensifiquem no contexto de crise capitalista, liberando crescentemente trabalhadores de seus meios de subsistência e de trabalho e produzindo continuamente uma superpopulação relativa que mantém a lei da oferta e da procura de trabalho. As expropriações constituem, segundo Fontes (2012, p. 45), um processo permanente, condição de constituição da base social capitalista e que se aprofunda e se generaliza com a expansão capitalista.
Nas sociedades antigas não havia nítida divisão entre produção econômica e reprodução social. No capitalismo, a produção foi transferida para fábricas, minas e escritórios, produzindo “[...]o trabalho enquanto trabalho assalariado” (MARX, 2004, p.135). Parte da reprodução social foi relegada à família, espaço que ficou restrito ao universo feminino dada a impossibilidade das mulheres de acessarem o trabalho assalariado nos primórdios da forma capitalista de produção. Assim, o espaço doméstico e reprodutivo torna-se cada vez mais feminizado, sentimentalizado e naturalizado enquanto uma extensão da suposta “natureza materna” da mulher. Além disso, parte do trabalho reprodutivo, como produção de alimentos, de roupas, limpeza e educação foi transformado em mercadoria e terceirizado por meio de contratos ainda mais precários, predominando o trabalho por cotas, realizado de forma integrada entre os espaços domésticos e fabril, desde o início da forma industrial de produção até a atualidade (MARX, 2017; FEDERICI, 2014) .
Ao destituir camponeses do acesso à terra e aos meios de reprodução da vida familiar, forma-se uma população livre e ávida ao trabalho assalariado das fábricas emergentes. Por isso, até mesmo Adam Schmidt (1978) quando escreve "A riqueza das Nações" reconhece que um quintalzinho para plantar uma horta, tornaria o trabalhador menos submisso ao assalariamento. Inúmeras estratégias legais e de violências foram usadas para o disciplinamento da classe trabalhadora. Entre as mais eficazes, até a atualidade, encontram-se diferentes formas de expropriação, posto que destituídos do acesso aos meios de subsistência, os trabalhadores são obrigados a migrar e/ou a trabalhar em troca de ínfimas remunerações para a subsistência ou, então, passam a depender de programas sociais de transferência de renda, de caridade e/ou relações de apoio.
A história evidencia que a luta entre capital e trabalho sempre se estabelece no limite da reprodução, pois foi avançando sobre o espaço reprodutivo familiar que o assalariamento se constituiu como condição sine qua non de sobrevivência aos expropriados. Ao mesmo tempo, toda a luta trabalhista que sucede os primeiros séculos da industrialização, reivindica que capitalistas e o Estado se responsabilizem economicamente pela reprodução dos trabalhadores (escola, limite de jornada de trabalho, limite etário para o trabalho, 13º salário, férias remuneradas, fundo de garantia por tempo de serviço, salário mínimo, licença maternidade, entre outras conquistas que variam entre países e épocas).
A reprodução da classe trabalhadora por meio do assalariamento vem se dando de forma cada vez mais extensa, intensa e predatória, determinada mais pelos limites físicos e menos pelos elementos culturais e históricos. Ou seja, grande parcela dos trabalhadores está reduzida ao atendimento das necessidades básicas, sem tempo e dinheiro para apropriar-se dos elementos culturais e históricos. Sem tempo para a vida social além do trabalho. Sem tempo para a expansão da educação e escolarização, a qual cada vez mais é reduzida aos conteúdos básicos para a sociabilidade capitalista.
Considerando que o tempo é o campo do desenvolvimento humano, os prejuízos da falta de tempo são enormes e têm implicações na saúde, na educação, na cultura e também na organização dos trabalhadores. Além da falta de tempo para ler, estudar, refletir, participar de reuniões e atividades sociais e políticas, é preciso considerar as pressões cada vez maiores sobre os trabalhadores diante do crescente desemprego, ou seja, os que estão empregados temem a perda do trabalho e muitas vezes não se arriscam a participar de sindicatos, greves, manifestações públicas, etc.
A despeito desta situação e de todas as dificuldades de organização da classe trabalhadora, esta segue insatisfeita com as condições de trabalho e de vida, incluindo, portanto, o salário e o próprio trabalho. À medida que a força de trabalho se transforma em mercadoria, a percepção de uma insatisfação generalizada pode se desdobrar em organização e luta.
Nota-se que o crescimento da parcela da população que não consegue sobreviver com o trabalho faz aumentar a dependência das políticas assistenciais do Estado, a criminalidade e a marginalização social.
As transformações na educação e na escola, que se expressam hoje especialmente nas contrarreformas da Base Nacional Comum Curricular- BNCC (BRASIL, 2017) e novo Ensino Médio (BRASIL, 2017), promovem de forma acentuada uma adaptação da juventude trabalhadora à atual sociabilidade burguesa e às relações sociais capitalistas por meio da pedagogia das competências. A pedagogia das competências encontra sua base de referência na lógica empresarial, ou seja, nos processos de gestão da força de trabalho que virou modelo para decisões de políticas educacionais e de reformas curriculares. Tal modelo, no âmbito das políticas educacionais, ficou conhecido como “gerencialismo”. As proposições desse modelo para a educação e a escola têm ênfase no comportamento, no modo de ser e agir, e está apontada para a adaptação dos sujeitos às relações flexíveis e à instabilidade do mercado de trabalho, interessando mais o desenvolvimento da capacidade de resiliência e de iniciativa diante das novas situações de vida e de trabalho, contribuindo para a formação de certa concepção de sujeito e de autonomia (empreendedorismo). Nada disso se configura como uma novidade. O que há de novo é, talvez, a proposição de componentes curriculares não mais organizados a partir de áreas de conhecimento, mas orientados pelo/para a aquisição/desenvolvimento de habilidades e competências chamadas de “socioemocionais”. Chama a atenção, aqui, a criação de um componente curricular obrigatório, nos três anos de Ensino Médio, focado nas competências socioemocionais, o “Projeto de Vida”. Neste particular questionamos: como os objetivos e propostas de conteúdos para o “Projeto de Vida” expressam ou podem expressar as necessidades/requerimentos do capital para a reprodução dos jovens da classe trabalhadora na atualidade? Como os jovens resistem a isso dentro e fora da escola?
Diante das considerações delineadas anterioremente, apresenta-se a seguinte problemática geral: Como se configura a reprodução da classe trabalhadora – particularmente em sua expressão na escola pública – diante das atuais transformações no mundo do trabalho?
Desta problemática geral, podem-se desdobrar outras questões: Como se dá o processo de reprodução social da classe trabalhadora no atual modo de produção capitalista, considerando a tendência de total disponibilidade dos trabalhadores ao capital? Como as atuais transformações no trabalho e na educação incidem sobre a reprodução social de crianças, jovens e adultos da classe trabalhadora que estudam nas escolas públicas? De que modo as atuais transformações na educação e na escola (em seu conteúdo e forma) contribuem para a reprodução de uma juventude adaptada à sociabilidade e às relações sociais capitalistas? Como os processos atuais do trabalho têm implicado em mudanças na forma escolar burguesa e, em especial, no ato de ensinar? Quais as relações e condições de trabalho do professor diante das formas atuais de reprodução da classe trabalhadora e das contrarreformas educacionais? Considerando que a reprodução social contém dialeticamente o germe do novo, onde e como emergem resistências e lutas no espaço escolar?

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que se utiliza de estudos bibliográficos, análise de documentos, questionários, entrevistas, grupos focais e observações diretas registradas em diários de campo.
As pesquisas de caráter qualitativo, segundo Triviños (1987), permitem ao pesquisador entrar em contato direto com determinado problema, aprofundando seu conhecimento nos limites de uma realidade específica, em nosso caso o problema da reprodução social da classe trabalhadora, particularmente em sua expressão na escola pública, diante das atuais transformações no mundo do trabalho.
Diante disso, torna-se necessário conhecer, de forma ampla e detalhada, as variáveis que atuam sobre a reprodução social da classe trabalhadora, considerando também as condições de vida e moradia, a relação com o trabalho, o emprego e a renda, a escolarização de crianças e jovens, os aspectos culturais que envolvem a sociabilidade desses sujeitos, as transformações operadas sobre o conteúdo e a forma escolar, os movimentos migratórios, as políticas educacionais, as condições de trabalho docente, etc.
Por isso, delimitamos, como empiria da pesquisa: 1. Escolas públicas de Educação Básica do município de Florianópolis e Pelotas (Educação de Jovens e Adultos-EJA, escolas localizadas nas periferias, escolas de educação infantil e escolas de ensino médio), assumindo como critérios de seleção dessas escolas: maior número de crianças; jovens e/ou adolescentes migrantes; maiores bolsões de pobreza; especificidades da organização do trabalho pedagógico em relação à possibilidade de análise do objeto desta pesquisa. 2. Documentos (de políticas educacionais, produzidos pelas escolas e instituições educacionais, dentre outros que sejam fecundos e oportunos para a produção de dados relevantes à pesquisa).
Diante da exigência de conhecer como se dão os processos de reprodução social da classe trabalhadora considerando as atuais transformações no mundo do trabalho e nos processos de educação em sua totalidade, adotamos como estratégia metodológica a elaboração de relatórios sintéticos parciais de pesquisa, cada qual se debruçando sobre uma particularidade do fenômeno relacionado à reprodução social da classe trabalhadora (notadamente, migrações, infância, juventude, condição da mulher, políticas para a educação básica, conteúdo e forma escolar). A partir desses recortes, serão articulados os temas que atravessam o problema central da pesquisa, tendo em vista a construção de um corpo de informações, dados, descrições e análises, oriundos de revisão de literatura, análise de documentos, emprego de questionários, realização de entrevistas, atividades em grupo e observações realizadas in loco.
Do ponto de vista da elaboração teórica e conceitual, as categorias que se articulam ao problema central da pesquisa e que serão consideradas para a investigação dos diferentes recortes mencionados anteriormente são: reprodução social, salário, trabalho, educação, escola.
Os procedimentos previstos para a realização da pesquisa são: a) Pesquisa bibliográfica para aprofundamento teórico, conceitual e categorial; b) Análise de documentos de política educacional que orientam o currículo das escolas, a proposição de conteúdos escolares e organização do trabalho escolar; c) Análise de dados censitários e estatísticos que auxiliarão na identificação das condições dos sujeitos da pesquisa; d) Observações diretas, questionários, entrevistas, rodas de conversa e grupos focais a fim de reconhecer as situações específicas de vida, trabalho e educação que caracterizam a realidade dos sujeitos pesquisados; e) Sistematização, análise e socialização dos dados com os sujeitos pesquisados; f) Relatório e publicações.
Quanto às etapas da pesquisa, prevê-se:
1ª Estudos das atuais configurações/transformações no trabalho, com base nas categorias elencadas, a partir da bibliografia consultada e estudada, e levantamento, tratamento e análise de dados censitários, a fim de realizar uma caracterização inicial das condições de reprodução social da classe trabalhadora e das atuais transformações no mundo do trabalho;
2ª Estudo das atuais exigências formativas, oriundas do mundo do trabalho para a classe trabalhadora e suas expressões na escola. Este estudo será realizado por meio da seleção e análise de documentos de política educacional, revisão de literatura e dados do Censo Escolar, dados municipais, estaduais e das pesquisas anteriores desenvolvidas pelo grupos envolvidos
3ª Análise da particularidade da reprodução da classe trabalhadora no município de Florianópolis considerando os dados gerais levantados nas etapas anteriores e a realização de uma pesquisa de campo em escolas públicas da educação básica envolvendo crianças, jovens, adultos e familiares. Para isso, serão formulados critérios para seleção das escolas, bem como serão elaborados e aplicados instrumentos de pesquisa (questionários, grupos focais, rodas de conversa, entrevistas e observações participantes);
4ª Análise dos dados à luz dos referenciais teóricos estudados pelo grupo de pesquisa em reuniões semanais onde participam pesquisadores/professores, graduandos e pós graduandos vinculados ao projeto;
5ª Elaboração de sínteses do objeto de pesquisa e socialização de seus resultados por meio de relatórios síntese parciais e finais, participação e apresentação de resultados em eventos acadêmicos, publicação de artigos em revistas e livro.

Indicadores, Metas e Resultados

Os impactos derivados do projeto são esperados em quatro âmbitos:
a) Na ciência, em virtude dos resultados teóricos e metodológicos alcançados pelo projeto, socializados em revistas qualificadas e em eventos científicos nacionais e internacionais para debate com a ampla comunidade científica.

b) Na formação de professores e gestores de escolas públicas de Pelotas e Florianópolis, os quais enfrentam o desafio cotidiano de escolarização e socialização de crianças, jovens e adultos em grande parte trabalhadores (que buscam conciliar o estudo com o trabalho), migrantes (em número crescente nas escolas e requisitando acolhimento por parte das equipes pedagógicas), negros (os quais ainda enfrentam racismo e discriminação na sociedade em geral e também no espaço escolar), por meio de projetos de extensão.

c) Na formação de estudantes de graduação e pós-graduação, por meio de orientações de mestrado, doutorado, iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso e participação em bancas examinadoras de defesa de tese e dissertação e de trabalhos de conclusão de curso.

d) Nas políticas públicas educacionais, por meio do acompanhamento da implementação e avaliação das reformas educacionais em curso junto aos gestores, docentes, professores e estudantes das escolas participantes, contribuindo para a preservação e ampliação do acesso aos conhecimentos histórico-sociais por parte dos filhos da classe trabalhadora.

e) Na divulgação científica dos resultados da pesquisa (preliminares e finais) de forma didática e acessível para além dos muros da universidade, por meio de rodas de conversa, formação continuada, produção de materiais impressos e audiovisuais nas escolas participantes e em comunidades. Nosso objetivo é diminuir o descompasso existente entre a produção do conhecimento científico, a sua difusão e incorporação na prática pedagógica, bem como na gestão de políticas públicas.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
GIOVANNI FELIPE ERNST FRIZZO14
LUAN SANT'ANNA DE SOUSA

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