Nome do Projeto
Aprender a ler corretamente: uma terapia para crianças disléxicas ou com dificuldade em leitura baseada em movimentos oculares
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
08/04/2020 - 31/10/2024
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Linguística, Letras e Artes
Resumo
Este projeto tem como objetivo geral desenvolver uma terapia inédita no Brasil para crianças disléxicas ou com dificuldade em leitura, a partir do software alemão “richtig lesen lernen”, que é baseado em movimentos oculares. A terapia consiste em ler na tela de um computador palavras, sentenças e frases de diferentes níveis de dificuldade. A fim de melhorar o desempenho na leitura, o software conduz os olhos da criança para ela conseguir reconhecer, de forma rápida, grupos de letras e pronunciar imediatamente, além de impedir sacadas progressivas precoces e diminuir o número de sacadas regressivas desnecessárias. O projeto está estruturado das seguintes etapas: 1) Investigação dos tipos de terapia com crianças disléxicas no Brasil. 2) Estudo aprofundado do software alemão “richtig lesen lernen”. 3) Adaptação do conteúdo do software para a população brasileira. 4)Coleta de dados com crianças brasileiras. 5) Avaliação da versão em português do software para terapia de crianças disléxicas e do manual de utilização do usuário. 6) Realização de melhoramentos na interface do software e no conteúdo em português.

Objetivo Geral

Desenvolver uma terapia no Brasil para crianças disléxicas ou com dificuldade em leitura, a partir do software alemão “richtig lesen lernen”, que é baseado em movimentos oculares.

Justificativa

De acordo com a Associação Brasileira de Dislexia (ABD) de 2017, a dislexia é o transtorno de aprendizagem com a maior incidência nas salas de aula e atinge entre 5% e 17% da população mundial. No Brasil, estamos falando de mais dois milhões e meio de crianças e adolescentes brasileiros portadores do transtorno (Navas e Weinstein, 2009). E muitos destes provavelmente acabam não recebendo nenhum acompanhamento especial, o que ocasiona altos níveis de reprovação e evasão escolar. Prova disso, foi a aprovação, no dia 7 de novembro de 2018, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei que obriga o Estado a manter programa de acompanhamento integral a crianças do ensino básico com dislexia (ou com outros transtornos de aprendizagem).
Embora a definição da dislexia possa variar entre os autores, há uma unanimidade em afirmar que se trata de transtorno de leitura de ordem biológica que interfere na aprendizagem da leitura, da escrita e da ortografia (Rayner et al. 2012, Bell et al.2003). Daehene (2009) nos lembra de que disléxico é aquele que cuja dificuldade em aprender a ler não está relacionada a um retardo mental , a um déficit sensorial ou à falta de condição adequada ao aprendizado fornecida pela família.
A leitura é uma habilidade cognitiva fundamental na atual sociedade, pois possibilita o acesso à informação escrita, favorecendo o desenvolvimento da linguagem através da ampliação do vocabulário, do senso crítico, do raciocínio, da formação do conhecimento e muito mais. Neste momento, prezado leitor, seus olhos percorrem esta página com movimentos precisos e rápidos. Você faz duas ou três pausas sob palavras para processá-las, e daí letras pretas reunidas sob um papel branco são captadas pela sua retina, apresentando um mundo de cor e imaginação. Agora imagine seu mundo sem essa habilidade, em que aprender a ler se transforma num martírio: essa é a realidade de jovens disléxicos sem acompanhamento adequado.
Esse sofrimento eu acompanhei durante minha tese de doutorado na Alemanha, cujo objetivo foi analisar os movimentos oculares de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e com dislexia durante a leitura. Para exemplificar, apresento o comportamento oculomotor de uma criança de 10 anos com dislexia e outra sem transtorno durante a leitura do mesmo texto. Esses dados foram coletados em 2011. A criança sem o transtorno realiza em torno de 128 fixações para ler um texto de 80 palavras, enquanto a disléxica precisa fazer mais de 900 fixações para ter a compreensão. Assim, explico de forma concreta a dificuldade de processamento que a criança disléxica apresenta. O maior esforço cognitivo da criança disléxica está representado pelo número superior de fixações, se comparado à criança sem transtorno. Essa necessidade de muitas fixações para compreender o texto acarreta numa longa demanda de tempo de leitura para a criança disléxica, ou seja, é provável que a criança disléxica sempre esteja atrasada em relação a seus colegas de sala em atividades que requeiram a leitura (Klein, 2013).
O processamento de informação durante a compreensão em leitura de textos ocorre através de sacadas e fixações. Cada um apresenta características bem próprias e evidencia determinados processos cognitivos, segundo Maia (2008). As fixações são breves períodos de tempo durante os quais o olho permanece examinando uma pequena área do estímulo. O local, o número e o tempo das fixações podem variar, sendo esses dados vitais para análise dos processos cognitivos. Já as sacadas podem ser divididas em progressivas ou regressivas. Os movimentos sacádicos progressivos são os pulos que o olho faz de uma fixação até a próxima fixação, nos intervalos dessas fixações ocorrem o escaneamento e processamento da informação. As sacadas podem ser analisadas em função do seu comprimento, duração, localização e direção dos movimentos. Já as sacadas regressivas são movimentos sacádicos realizados no sentido oposto ao da leitura.
Pesquisas comprovam que crianças com transtornos realizam movimentos oculares atípicos tanto nas fixações quanto nas sacadas (Klein et al., 2015). Segundo Werth (2007), um dos pressupostos necessários para a leitura correta e fluente é que o leitor fixe o local certo na palavra, que ele seja capaz de processar várias letras simultaneamente e que ele fixe um segmento de palavra por um determinado intervalo de tempo. Após terminada a fixação de reconhecimento da palavra ou da sílaba, sacadas de uma determinada amplitude devem ser programadas e executadas, os fonemas corretos devem ser evacuados da memória, palavras ou sílabas devem ser armazenados na memória para serem formadas as frases, e, por fim, um significado deve ser dado às palavras e frases.
Pensando niso, o professor Werth, do Instituto de Pediatria Social e Medicina do Adolescente, da universidade alemã Ludwig-Maximilians, de Munique, desenvolveu um software que apresenta palavras sob condições que permitiram que até mesmo sujeitos que sofriam de uma dificuldade severa de leitura lessem pelo menos 95% das palavras corretamente. Pois o software força o leitor a fixar as palavras no local correto e por um intervalo de tempo suficientemente longo, a fazer movimentos oculares corretos e a não começar a pronunciar as palavras do monitor cedo demais. Quando os sujeitos usaram no texto impresso a estratégia aprendida em frente ao monitor, os erros de leitura diminuíram 58,87% em uma única sessão.
E se conseguíssemos ensinar às crianças com transtorno de leitura o comportamento ideal dos olhos para desenvolver a habilidade da leitura? É exatamente isso que Werth, professor do Instituto de Pediatria Social e Medicina do Adolescente, da universidade alemã Ludwig-Maximilians, de Munique, está fazendo. Em sua última publicação (Werth, 2018), apresenta o resultado de dois experimentos, que investigaram a possibilidade de criar condições em que leitores com dificuldade podem melhorar sua habilidade leitora. Para tanto, o software por ele desenvolvido apresentou palavras sob condições que permitiram que até mesmo sujeitos que sofriam de uma dificuldade severa de leitura lessem pelo menos 95% das palavras corretamente. No experimento 1, esse alto índice de acertosfoi devido a uma correta fixação, ao tempo adequado de fixação, ao número reduzido de letras na palavra a ser lida e à pronúncia tardia da palavra. Já no experimento 2, o software forçou as crianças da terapia a fixarem as palavras no local correto e por um intervalo de tempo suficientemente longo, a fazer movimentos oculares corretos e a não começar a pronunciar as palavras do monitor cedo demais. Quando os sujeitos usaram no texto impresso a estratégia aprendida em frente ao monitor, os erros de leitura diminuíram 58,87% em uma única sessão. Participaram da pesquisa 100 crianças disléxicas com idades entre 8 e 13 anos.
Os dois experimentos foram feitos a partir do software “richtig lesen lernen ”, desenvolvido por Werth. O mesmo autor (Werth, 2007) define o software de forma resumida, explicando que ele segmenta adequadamente palavras, frases ou textos e conduz o movimento dos olhos da criança, mostrando a ela as letras que devem ser lidas.
Outra autora que traz informações sobre o software “richtig lesen lernen” é Klische (2006). Além de ela reunir informações diversas sobre a dislexia, como tipos de terapia, origem do transtorno, diagnóstico, também descreve o software. A autora afirma que as crianças disléxicas ou com dificuldades em leitura diminuem seus erros em pouco tempo de uso (uma hora ou uma e meia hora), passando a usar uma nova estratégia de leitura.
Ao tomar conhecimento dos resultados satisfatórios deste software, elaborei uma pesquisa sistemática sobre a existência de terapias similares no Brasil. Embora existam sete softwares que tem o intuito de ajudar disléxicos, todos estão carregados de imagens e ilustrações, algo não indicado, pois há alto índice de comorbidade entre disléxicos e com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), sendo a dislexia uma das marcas das crianças com TDAH (Germanò et al.,2012). De forma resumida, todos os softwares brasileiros reduzem-se ao nível da palavra: palavras cruzadas, relacionar vocabulário, separação silábica, assim por diante. Ou seja, nenhum contempla sentenças e textos, e também não apresentam base científica que demonstre melhora na habilidade leitora dos usuários.
Poucas crianças no Brasil têm acesso à terapia, pois ela depende de um profissional especializado, e isso implica em custos, algo talvez mais fácil para aqueles pais que podem pagam de forma particular, mas bastante moroso para as crianças que frequentam as escolas públicas e precisam aguardar a vez numa longa fila de espera para ter acesso à um psicoterapeuta. Por isso, acredito que desenvolver um software dedicado à população brasileira, que tem o intuito de “ensinar a ler corretamente”, deve trazer grande benefício. Ele poderia ser usado por professores, por pais e também por terapeutas, sem a necessidade de acompanhamento de um profissional especializado o tempo todo, já que a criança faria vários exercícios de forma autônoma em frente ao computador, seja na sua casa ou na escola.

Metodologia

A fim de facilitar a compreensão deste projeto de pesquisa, irei enumerar os passos para a execução do mesmo.
1) Investigação dos tipos de terapia com crianças disléxicas no Brasil.
A partir de uma busca na Internet e do contato com psicólogos e médicos, proponho a investigação dos tipos de terapia que são ofertadas no Brasil e quais são seus índices de eficácia.
2) Estudo aprofundado do software “richtig lesen lernen”, criado por Prof. Dr. Reinhard Werth, da Universidade Ludwig-Maximilian de Munique.
Este software, que é destinado a crianças disléxicas ou com dificuldade em leitura, foi premiado com o Selo Comenius Edu Media em 2015, o qual é concedido anualmente desde 1995 pela Sociedade de Educação, Informação e Mídia e.V. (GPI). Além disso, o software de leitura foi premiado com o Dyslexia Quality Award 2011. Este prêmio é concedido a programas e materiais de treinamento comprovados e de alta qualidade. A premiação é realizada por meio de entrevistas com especialistas e uma comissão apartidária de 10 organizações de países distintos. E, por fim, é o primeiro software de tratamento de dislexia a ser indicado para o Prêmio Alemão de Software Educacional, que é concedido anualmente pela Fundação “leitura” .
Para concluir com sucesso o objetivo proposto nesse projeto, muitas dúvidas sobre os parâmetros oculares usados para configurar os itens que compoem o software precisam ser sanadas. As dúvidas abrangem dois âmbitos: de conteúdos (nível de dificuldadem das palavras isoladas e de palavras em contexto, a observação de frequencia de palavras na língua, etc.) e de software (duração de exibição da palavra no display, segmentação das palavras, constraste do cursor, velocidade da leitura, etc.).
3. Adaptação do conteúdo do software para a população brasileira.
Considero ser de grande importância que um linguista, ou seja, um profundo conhecedor da língua portuguesa, faça a adaptação do software “richtig lesen lernen”. Da mesma forma, os alunos de Iniciação Científica envolvidos neste projeto precisam ter conhecimento da língua portuguesa e da língua alenã. Que os pesquisadores envolvidos deem especial atenção à fonética, à morfologia, à sintaxe e à semântica ao propor listas palavras e de pseudopalavras, textos com diferentes níveis de dificuldade, etc. Além disso, será necessário escrever um manual dedicado aos pais, professores e terapeutas, com linguagem simples, porém exata.
4. Coleta de dados, através da técnica de eyetracking, com crianças e pais falantes de português.
Depois de realizadas as três etapas anteriormente detalhadas, e ter sido feita a programação da versão em português do software pela equipe do engenheiro em eletrônica Tobias Barner, diretor técnico da empresa Celeco que distribui o software na Alemanha, será realizada uma coleta com 40 crianças falantes de português entre 9 e 12 anos. A necessidade de coleta com essa população é devido à avaliação da versão em português do software, cujas seções estão apresentadas na tabela 2.
Os pais e as crianças não podem encontrar dificuldades para usar o sotware. De acordo com Macêdo (2003), o design da interface deve se preocupar em não deixar funcionalidades desnecessárias no sistema e grandes percursos que possam criar dificuldades para o usuário recordar-se. Segundo Oliveira (2016), problemas com a interface podem gerar dificuldades e até mesmo impedir que o usuário consiga executar atividades consideravelmente simples. Para tanto, farei um teste de usabilidade através da técnica de eyetracking, pois, segundo vários autores (Baker e Loeb, 1973; Salvucci e Anderson, 1998; Rayner, 1998;), rastreando o movimento ocular pode-se monitorar todo o processo cognitivo dos aprendizes, ou seja, através dele são identificáveis os focos de atenção (Magalhães, 2016). Por isso, técnicas como o protocolo verbal ou questionário passam a ser desnecessárias. A outra grande vantagem da técnica de eye tracking é que os olhos não conseguem mentir nem omitir um comportamento. Por exemplo, quando um participante faz um número maior de fixações ou fixações mais longas, isso significa que está tendo dificuldade de processamento, segundo Forster (2017). Mesmo que ele diga em um questionário que não encontrou dificuldade, o comportamento do olho estaria afirmando o oposto.
5. Avaliação da versão em português do software para terapia de crianças disléxicas e do manual de utilização do usuário através da análise dos movimentos oculares.
Nesta seção irei descrever como irei avaliar o conteúdo em português do software “aprenda a ler corretamente”, que pode ser definido como um ambiente de aprendizagem, o qual a criança poderá a acessar por um computador em casa, na escola ou com um psicoterapeuta.
A análise dos movimentos oculares permitem análises em dois níveis: qualitativos e quantitativos.
A análise qualitativa dos dados será principalmente a obervação dos mapas de calor, que tomam como base o número e a duração das fixações. Aqui encontrarei respostas para: 1) O que atrai a atenção dos seus participantes? 2) Como eles olham para determinada seção do software ao realizar uma tarefa? 3) Como eles distribuem sua atenção sobre um estímulo? 4) Quais áreas são visualmente omitidas?
Partindo de análises estatísticas, pretendo encontrar respostas para as seguintes perguntas através do comportamento ocular, dando importância tanto para as fixações quanto as sacadas: 1) Como os pais e as crianças se comportam ao interagir com o software? 2) Onde eles esperam encontrar informações? 3) Os pais e as crianças entendem como interagir com a interface do software?
A avaliação contemplará tanto a interface do software quanto o conteúdo em português das seções.
6. Realização de melhoramentos na interface do software e no conteúdo em português.
A partir dos resultados do item acima, as alterações pertinentes serão realizadas e os resultados preliminares serão apresentados em artigo científico.

Indicadores, Metas e Resultados

Trata-se de um projeto inovador, já que o Brasil, conforme apontado anteriormente, não possui nenhuma terapia específica para crianças disléxicas ou crianças com dificuldade em leitura com taxa tão alta de eficiência. Ao desenvolver uma terapia para esse grupo baseada em movimentos oculares, que oportuniza o uso autônomo de um software por parte da criança, há uma diminuição de custos e uma grande alcance no território nacional.
Muito provavelmente esse software vai ser usado pelas escolas públicas para melhorar a habilidade em leitura das crianças, algo preocupante no Brasil. Segundo os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) de 2015, na avaliação de leitura, o escore médio dos estudantes brasileiros de 15 anos foi de 407 pontos, valor significativamente inferior à média dos estudantes dos países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que foi de 493. E, para piorar, 51,0% dos estudantes brasileiros estão abaixo do nível 2 em leitura, que é o patamar que a OCDE estabelece como necessário para que o estudante possa exercer plenamente sua cidadania.
O software “Aprender a Ler Corretamente” roda em qualquer computador, mesmo com uma configuração mais antiga, sem necessidade de conectividade à internet. Ele poderá ser uma ferramenta para os professores usarem com turmas inteiras, sem que esse professor necessite de longos treinamentos. Além disso, pais poderão incentivar seus filhos a “brincarem” no computador, como se fosse um jogo. Toda a criança gosta da interação com o computador, algo muitas vezes mais apreciado do que um livro ou um caderno de exercícios.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
ANGELA INES KLEIN40
BERNARDO KOLLING LIMBERGER
Cristiane Dall Cortivo Lebler
JOAO PEDRO EBLING DOS SANTOS
Lauren Andrade Vieira
MARCOS KRUGER LUTZ
MESSIAS DOS SANTOS CORREIA
RAFAELA SCHNEIDER RÖDER
Reinhard Werth
YAGO BADARO SANTINO RIBEIRO
ÍTALO DA SILVA

Página gerada em 20/04/2024 10:44:41 (consulta levou 0.139500s)