Nome do Projeto
Por que alguns Estados fiscais são fortes e outros são fracos na América Latina?
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
20/04/2020 - 31/08/2022
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
Este projeto de pesquisa tem como tema as transformações de longo prazo nos Estados latino-americanos sob a perspectiva das finanças públicas. Apesar de certa unidade cultural e linguística, o espaço latino-americano é marcado por heterogeneidades regionais e nacionais consideráveis. Alguns países do subcontinente possuem Estados fiscais fortes e estruturas tributárias modernas e diversificadas, outros possuem Estados fracos e estruturas mais simplórias ou dependem de receitas advindas da exploração de recursos naturais. A hipótese que a pesquisa pretende testar é a de que crises fiscais dão origem ao fortalecimento fiscal do Estado. Essas crises são contextos de indeterminação nos quais um regime fiscal prévio de arrecadação reduzida pode ser transformado pelo desígnio político ou pela força das circunstâncias. Charles Tilly, em seus estudos sobre a formação do Estado na Europa, elaborou um argumento sobre o papel central da guerra no crescimento e consolidação do Estado. O Estado faz guerra e a guerra faz o Estado, no resumo do autor. Tilly defende que os crescentes custos das operações militares forçaram um crescimento fiscal e organizacional do Estado, com consequências sócio-políticas importantes, tais como a concessão de direitos às populações tributadas. Miguel Ángel Centeno (2014) explora as questões da guerra, da economia e da contestação política na formação dos Estados latino-americanos durante o século XIX. Segundo Centeno, o baixo poder fiscal da maior parte dos países latino-americanos é resultado da ausência de guerras de larga escala na região, o que eximiu os Estados de buscar aumentar seus aparatos militares, burocráticos e impositivos. Em trabalho anterior, o proponente (Cantu, 2016) expande a intuição desses autores para examinar a trajetória fiscal da América Latina e do Brasil, em particular, no século XX. A guerra produz fortalecimento estatal, pois os elevados custos da operação militar provocam uma crise fiscal, que precisa ser resolvida. A solução, no caso Europeu, passou pelo contínuo fortalecimento fiscal do Estado. Entretanto, a guerra não é o único fenômeno gerador de crises fiscais. Cantu (2016) conclui que há crises fiscais com três origens na trajetória brasileira, em cujos contextos houve fortalecimento fiscal do Estado: crises do comércio internacional; crises pelo esforço de industrialização e desenvolvimento econômico; crise por disputas sócio-políticas em torno das despesas públicas. Junto com a guerra, essas modalidades de crise compõe a hipótese a ser testada em estudos históricos de países específicos. Tais crises seriam ou não a base para a mudança fiscal? Este projeto propõe testar a hipótese descrita acima no exame comparativo dos casos argentino, brasileiro, chileno, colombiano, mexicano e paraguaio. Essa seleção se orienta pelo potencial heurístico da comparação de dois casos de Estados fortes fiscalmente (Argentina e Brasil), dois medianos (Chile e Colômbia) e o caso dois Estados fracos (México e Paraguai). Utiliza-se como material séries estatísticas históricas e literatura sobre história econômica e política de países selecionados.

Objetivo Geral

O projeto de pesquisa tem como tema as transformações de longo prazo nos Estados latino-americanos sob a perspectiva das finanças públicas. Apesar de certa unidade cultural e linguística, o espaço latino-americano é marcado por heterogeneidades regionais e nacionais consideráveis. Alguns países do subcontinente possuem estruturas tributárias modernas e diversificadas, outros possuem estruturas mais simplórias ou dependem de receitas advindas da exploração de recursos naturais. Alguns países são fortes fiscalmente, outros possuem receitas muito limitadas comparativamente (Sabaini, 2006). Países como Brasil e Argentina arrecadam cerca de 35% de seus respectivos PIBs, enquanto Paraguai e Guatemala arrecadam menos de 15%. A pesquisa busca esclarecer por que existem perfis fiscais tão diferentes entre os países latino-americanos.
Como investigar as causas das diferenças fiscais? As distintas dinâmicas do Estado fiscal latino-americano, por sua vez, tem sido objeto de análises que, embora tragam contribuições muito salutares, provêm de campos disciplinares que pouco tem se comunicado. No campo da Economia do Setor Público, os estudos focam o nível e a estrutura da arrecadação e dos gastos, bem como a trajetória de médio-prazo (vinte a trinta anos) dessas variáveis. Os economistas se ocupam ainda do impacto na estrutura de distribuição de renda e de incentivos ao investimento produzidos por distintos quadros de finanças públicas. Um importante exemplo recente dessa linha de investigação pode ser encontrado em Sabaini (2006). O autor resume as principais características das finanças públicas na América Latina conhecidas pelos estudiosos do tema. Em particular, cabe ressaltar a regressividade dos sistemas tributários da região, baseados preponderantemente em impostos indiretos. Sabaini identifica ainda características que diferenciam os países da América Latina entre si: a carga fiscal e o papel distributivo do Estado. Países como Argentina, Brasil, Costa Rica e Uruguai, por exemplo, possuem uma proporção considerável de contribuições sociais em suas receitas totais; enquanto essas contribuições representam muito pouco nos orçamentos de Guatemala, Honduras e Chile.
Tomando como ponto de partida essas características diferencias normalmente enfatizadas no seio da Economia, esforços relevantes da Ciência Política têm mirado os fatores que produziram essas diferenças. Para ir além da caracterização das distintas finanças públicas nacionais, os cientistas políticos se colocam perguntas, tais como: por que alguns países tem uma carga tributária muito menor que outros na América Latina, como alguns países assumiram um importante papel distributivo e outros não, o que está por trás de trajetórias de continuidade e mudança nesse cenário? O estudo de Melo (2005) ilustra linhas gerais desses empreendimentos. O autor busca entender comparativamente o crescimento das receitas públicas no Brasil entre a década de 1990 e início da década de 2000 e a estabilidade dessa variável no caso argentino. Melo defende a hipótese segundo a qual o ambiente institucional conduz a estratégia dos atores e produz o resultado identificado na variável dependente da análise – o crescimento da carga tributária. No Brasil, a característica relevante é a menor instabilidade institucional em comparação com a Argentina – o que permitiria um compromisso intertemporal entre diferentes facções da elite – associada ao lock-in do gasto público em rota ascendente com a Constituição de 1998.
Uma terceira abordagem do problema dos distintos quadros fiscais na América Latina vem da literatura sobre formação do Estado. Charles Tilly (1975, 1992), em seus estudos sobre a formação do Estado na Europa, elabora uma das principais formulações das Ciências Sociais sobre o papel central da guerra no crescimento e consolidação do Estado. O Estado faz guerra e a guerra faz o Estado, no resumo do autor. Inspirado no trabalho de Roberts ([1956]1995), Tilly defende que os crescentes custos das operações militares forçaram um crescimento fiscal e organizacional do Estado, com consequências sócio-políticas importantes, tais como a concessão de direitos às populações tributadas. Miguel Ángel Centeno (2014) explora as questões da guerra, da economia e da contestação política na formação dos Estados latino-americanos durante o século XIX. Segundo Centeno, o baixo poder fiscal da maior parte dos países latino-americanos é resultado da ausência de guerras de larga escala na região, o que eximiu os Estados de buscar aumentar seus aparatos militares, burocráticos e impositivos. A face complementar desse quadro é uma inércia de fraca monopolização da coerção internamente, de debilidade das políticas públicas e de fraqueza do Estado de modo geral.
Cantu (2016) expande a intuição desses autores para examinar a trajetória fiscal do Brasil, em particular, no século XX. Embora válidas para esclarecer a força e fraqueza dos Estados por conta da guerra até o século XIX, Tilly e Centeno não explicam consistentemente porque alguns Estados latino-americanos se fortaleceram fiscalmente ao longo do século XX, apesar da ausência de grandes guerras internacionais envolvendo esses países. Para abordar essa anomalia, Cantu generaliza a hipótese de Tilly. A guerra produz fortalecimento estatal, pois os elevados custos da operação militar provocam uma crise fiscal, que precisa ser resolvida. A solução, no caso Europeu, passou pelo contínuo fortalecimento fiscal do Estado. Entretanto, a guerra não é o único fenômeno gerador de crises fiscais. Cantu (2016) conclui que há crises fiscais com três origens na trajetória brasileira, em cujos contextos houve fortalecimento fiscal do Estado: crises do comércio internacional; crises pelo esforço de industrialização e desenvolvimento econômico; crise por disputas sócio-políticas em torno das despesas públicas. Junto com a guerra, essas modalidades de crise constituem uma hipótese a ser testada em estudos históricos sobre a trajetória de outros países. Tais crises seriam ou não a base para a mudança fiscal?
Essa literatura sucintamente revisada oferece instrumentos para a construção de hipóteses para responder a pergunta da pesquisa. Enquanto os economistas nos colocam uma variedade de estruturas fiscais na região, a literatura sobre mudança institucional em Ciência Política e a Sociologia História do Estado propõem entender como se produziram tais estruturas. Inspirada nesse conjunto de visões, a investigação terá como objeto os processos, crises e conjunturas críticas que construíram a variedade de regimes fiscais na América Latina. A hipótese que a pesquisa pretende testar é a de que crises fiscais dão origem ao fortalecimento fiscal do Estado. Essas crises são contextos de indeterminação nos quais um regime fiscal prévio de arrecadação reduzida pode ser transformado pelo desígnio político ou pela força das circunstâncias.

Justificativa

Por que é importante conhecer as causas das diferenças fiscais na América Latina? Há duas razões principais. Primeiro, porque o desenvolvimento econômico depende de Estados robustos em termos fiscais. Distintas literaturas sobre a história do desenvolvimento apontam que trajetórias bem-sucedidas tiveram como base a institucionalidade de garantias de propriedade (North, 1981; Acemoglu e Robinson, 2012) e a construção de capacidades estatais (Amsden, 2004; Evans, 2004). Países de desenvolvimento pioneiro dependeram de um Estado capaz de fazer valeu direitos de propriedade em uma economia mercantil. Países de desenvolvimento tardio, tais como Japão, Taiwan e Coréia do Sul, alcançaram os pioneiros por meio de ações estatais de promoção do crescimento e do avanço tecnológico. Em ambos casos, é necessário um estado suficientemente forte para desempenhar essas funções. Assim, a força fiscal – medida pelo volume de recursos arrecadado pelo Estado – é um ingrediente essencial para o sucesso econômico de um país. A segunda razão deriva de um dos principais desafios geopolíticos dos países latino-americanos atualmente: a integração do subcontinente. É necessário um alinhamento afim de viabilizar uma inserção conjunta e melhor guarnecida na dinâmica econômica, política e militar do ordenamento mundial. Um grande obstáculo a tal alinhamento é a padronização de normas fiscais em um contexto de grandes disparidades (Villela e Barreix, 2003; Desiderá Neto e Teixeira, 2014). Entender a variedade dos Estados fiscais na América Latina se torna, então, imperativo nesse programa regional.

Metodologia

A primeira questão metodológica a ser esclarecida é a seleção de casos. Nessa pesquisa, limitar-nos-emos a seis casos. Os casos foram selecionados com base nos grupos de países elaborados por Sabaini (2006) segundo sua carga fiscal. O procedimento do autor é o seguinte: os países foram separados em duas linhas de corte, 5 pontos percentuais acima e 5 pontos percentuais abaixo da média da receita dos governos centrais entre 1990 e 2004. Três grupos são estabelecidos. Dois casos de cada grupo foram selecionados para a investigação. Do grupo 1, Argentina e Brasil; do grupo 2, Chile e Colômbia; do grupo 3, México e Paraguai. Além da representatividade de distintas envergaduras fiscais, os casos foram escolhidos com base ainda na combinatória com um segundo fator: o poder distributivo do Estado (mesmo se essa distribuição estatal seja pouco progressiva). Temos assim um país com alta capacidade extrativa e alto poder distributivo (Brasil), um com alta capacidade extrativa e baixo poder distributivo (Chile) e, finalmente, um com baixo poder extrativo e baixo poder distributivo (Paraguai). Com relação ao intervalo de tempo estudado, procurar-se-á abarcar um longo período, da independência desses países à atualidade.
Para investigar esse período de quase dois séculos, é preciso adotar um procedimento que problematize os aspectos relevantes da trajetória dos casos para a construção de uma narrativa que dê sentido a diferentes Estados fiscais atualmente. É nesse ponto que a pesquisa mobiliza instrumentos de diversas disciplinas, incluindo Economia, História, Sociologia e Ciência Política. O procedimento adotado foca momentos críticos nos quais as características de um quadro ou regime fiscal são colocadas em xeque e a maior indeterminação circunstancial abre espaço para sua transformação. Nesse ponto, a inspiração vem de correntes institucionalistas da Ciência Política que adotam a noção de conjuntura crítica ou momentos nos quais a dependência da trajetória e o peso da história se afrouxam (Mahoney, 2000, pp.213-215; Capoccia e Kelemen, 2007). Uma das expressões mais salientes de um momento críticos no tema estudado são as crises fiscais. Exploraremos tais crises como ocasiões privilegiadas para entender as diferentes direções trilhadas pelos Estados fiscais latino-americanos. A ênfase na crise como momento particular de maior instabilidade estrutural que coloca em risco a direção do vetor fiscal vigente deriva principalmente de uma intuição da filosofia pragmatista acerca do poder instituidor de contextos de indeterminação (Dewey, 1939; Barthe et al., 2013).
Após essa exposição do procedimento empregado na pesquisa, discute-se os materiais e suas características. Parte da pesquisa será baseada na coleta, organização e análise de séries estatísticas históricas sobre os casos estudados. Com base nas séries estatísticas sobre finanças públicas são identificados os contextos nos quais há crises fiscais em cada país selecionado. Ao contrário de estatísticas fiscais mais recentes, as séries mais longas e mais antigas colocam desafios suplementares ao pesquisador. Sua disponibilidade em repositórios de dados comparativos (tais como nos repositórios da Cepal, do FMI, do Banco Mundial, etc.) é reduzida. A busca dos dados em bases e em publicações específicas de órgãos estatísticos nacionais costuma ser uma alternativa frutífera, porém mais laboriosa. Além disso, diferenças e quebras metodológicas fazem necessário que o pesquisador se familiarize com as distinções e similaridades nas longas séries. O objetivo é, então, levantar dados ainda faltantes e organizar as longas séries fiscais relevantes para o estudo da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Paraguai e, além disso, levantar igualmente a literatura metodológica relevante para entender suas diferenças e quebras.
O segundo material empregado nesta pesquisa será a literatura sobre história econômica, fiscal, social e política dos países estudados. Serão discutidas as evidências oferecidas por essa historiografia para tipificar as crises fiscais pelas quais os países estudados passaram. Essa literatura também servirá como base para a identificação de suas consequências em termos de transformação estatal. Dessa maneira, busca-se relacionar determinados tipos de crise fiscal à mudança e ao fortalecimento fiscal. Por fim, comparam-se esses resultados com àqueles de outros países selecionados.

Indicadores, Metas e Resultados

Os resultados da pesquisa poderão ter, pelo menos, três tipos de impacto: na arena pública e estatal, na capacitação de recursos humanos e no avanço dos conhecimentos sobre o tema no campo das ciências sociais.
Os resultados poderão, em primeiro lugar, subsidiar a ação de gestores públicos e de atores políticos na área de finanças públicas no Brasil e na América Latina. Por meio de um entendimento amplo do regime fiscal vigente e da conjuntura na qual seu país se encontra, esses atores terão condições de traçar planos estratégicos e tomar decisões de gestão com novos conhecimentos sobre sua área de atuação. O debate público sobre o tema também poderá se alimentar dos resultados dessa pesquisa, para entendimentos melhor qualificados sobre impostos e papel do Estado.
A pesquisa também visa qualificar a equipe participante do projeto, dois estudantes de graduação. Um dos estudantes é bolsista de Iniciação Científica, financiado pela UNILA. Solicita-se uma segunda bolsa neste edital, para que o segundo estudante seja incluído no Programa de Iniciação Científica e possa se dedicar adequadamente ao trabalho no projeto. Além de difundir a cultura científica entre os estudantes, espera-se que sua participação como equipe na pesquisa reduza o tempo de permanência desses estudantes na pós-graduação, com base nessa experiência prévia de pesquisa. Ambos possuem perfil de pesquisa e já demonstraram interesse em continuar os estudos na pós-graduação na área.
Finalmente, os resultados visam produzir novos conhecimentos sobre o tema, com impacto nas diversas áreas das Ciências Sociais relacionadas ao projeto (Sociologia, Antropologia, Ciência Política, História e Economia). Por meio de artigos publicados em revistas acadêmicas e de apresentações em eventos científicos, os resultados da pesquisa serão disseminados para a comunidade científica das áreas mencionadas acima e, oportunamente, incorporados no ensino da pós-graduação e graduação.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
MATHEUS LIRA BENTO
RODRIGO CANTU DE SOUZA32

Fontes Financiadoras

Sigla / NomeValorAdministrador
CNPq / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoR$ 8.755,00Coordenador

Plano de Aplicação de Despesas

DescriçãoValor
BolsasR$ 4.800,00
Passagens e despesas com locomoçãoR$ 1.905,00
Despesas com diáriasR$ 1.000,00
Equipamentos e material permanente (móveis, máquinas, livros, aparelhos etc.)R$ 1.050,00

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