Nome do Projeto
As religiões de matriz Afro-Brasileira na imprensa jornalística de Pelotas no Pós-Abolição: quando preconceito, racismo e intolerância são notícia
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
25/11/2020 - 31/12/2022
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
A importância dessa proposta investigativa está na contribuição para uma análise da herança cultural dos escravos e ex-escravos e da preservação da memória das práticas sociais realizadas pelos afro-descendentes, concebendo as religiões de matriz afro-brasileiras como espaço de construção identitária. Pautamos nossas reflexões na concepção de que para a descolonização do conhecimento se faz relevante a atenção à identidade social (RIBEIRO, 2019). Com a necessidade do fomento de diálogos em direção ao respeito à diferença e reconhecimento da diversidade étnico-cultural, nos direcionamos à inclusão afirmativa de valores associados às africanidades brasileiras que compreendem manifestações como as de cunho religioso, na construção expressões da diversidade da sociedade brasileira. A pesquisa "As religiões de matriz Afro-Brasileira na imprensa jornalística de Pelotas no Pós-Abolição: quando preconceito, racismo e intolerância são notícia", oferta uma investigação das visões das religiões de matriz afro-brasileiras que a imprensa jornalística, da cidade de Pelotas, no Pós-Abolição, oferta ao público leitor. Entre os objetivos, queremos: averiguar a(s) (im)postura(s) da imprensa jornalística local frente ao preconceito e intolerância religiosa direcionados à cultura negra; destacar a viabilidade da construção do conhecimento histórico por meio de jornais; e contribuir para uma Educação das relações étnico-raciais. As bases teóricas do estudo se debruçam no conceito de racismo estrutural (ALMEIDA, 2019), preconceito e discriminação racial (CARONE, 2008; HASENBALG, 2005, 1999 e 1991; RIBEIRO, 2019; MUNANGA E GOMES, 2006) e na potência do campo da produção simbólica (BOURDIEU, 2007 e 1992) e suas lutas. Para discutir religiosidade/religião de matriz afro-brasileira, dialogamos com Correa (2006), Campos e Rubert (2014), Oro (2002), Leistner ( 2014), Silveira (2014), entre outros autores. No aspecto metodológico, para pensarmos a imprensa jornalística, recorremos a Leite (2015), Luca e Martins (2013), Martins (2001), Oliveira (2016), Capelato (1988), Cerqueira e César ( 1994), entre outros obras. A investigação quali-quantitativo fará uso da metodologia de caráter bibliográfico-documental, recorrendo a jornais impressos, como fonte primária. Que esta pesquisa contribua para a superação do racismo, manifesto nas mais variadas esferas em uma sociedade que não se reconhece como racista.

Objetivo Geral

OBJETIVOS GERAIS:
1. Inventariar jornais disponíveis para pesquisa na Bibliotheca Pública Pelotense, correspondentes ao período da Primeira República;
2. Averiguar a(s) (im)postura(s) da imprensa jornalística local frente ao preconceito e intolerância religiosa direcionados à cultura negra;
3. Asseverar posicionamentos frente às escolhas religiosas como práticas sociais pertencente ao universo dos sentidos e afirmação e pertencimento identitário negro.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
1. Destacar a viabilidade da construção do conhecimento histórico por meio de jornais;
2. Evidenciar formas explícitas e implícitas de preconceito religioso, no que tange à população negra através de artigos, anúncios e seções dos jornais pelotenses disponibilizados para pesquisa no acervo da Biblioteca Pública de Pelotas;
3. Contribuir para a implementação e efetivação da Lei 10.639/03, no que tange à valorização dos valores civilizatórios africanos, tendo a religiosidade como específico, por uma Educação das relações étnico-raciais.

Justificativa

A discussão da temática para a História, sociedade e historiografia se faz relevante na medida em que vivemos tempos de negacionismos históricos que mascaram fatos ocorridos, constatados e comprovados pela pesquisa científica: preconceitos racial, falsa democracia racial, bem como discriminação quanto às manifestações culturais da população negra em nosso País. Em uma sociedade plural e diversa, torna-se inconcebível atos, comportamentos e discursos de intolerância ao povo negro: parte integrante da constituição da sociedade brasileira miscigenada/caldeada e múltipla em sua riqueza cultural. Se torna mister pesquisas que se debrucem sobre a desmistificação de idéias preconcebidas por desconhecimento ou ignorâncias fomentadas por conveniências políticas ou situacionais.
A importância dessa proposta investigativa está na contribuição para uma análise da herança cultural dos escravos e ex-escravos e da preservação da memória das práticas sociais realizadas pelos afro-descendentes, concebendo as religiões de matriz afro-brasileiras como espaço de construção identitária.
Pautamos nossas reflexões na concepção de que para a descolonização do conhecimento se faz relevante a atenção à identidade social, pensamento reivindicado pela filósofa panamenha Linda Alcoff, recordado por Djamila Ribeiro:
[...] não somente para evidenciar como projetos de colonização tem criado essas identidades, mas para mostrar como certas identidades têm sido historicamente silenciadas e desautorizadas no sentido epistêmico, ao passo que outras são fortalecidas (RIBEIRO, 2019, p. 28).
Ainda sob esta esfera de compreensão há de se pensar que um projeto de descolonização epistemológica, por obrigação, careceria considerar a importância da identidade, pois “reflete o fato de que experiências em localizações são distintas e que a localização é importante para o conhecimento” (RIBEIRO, 2019, p. 29). Com a necessidade do fomento de diálogos em direção ao respeito à diferença e reconhecimento da diversidade étnico-cultural, nos direcionamos à inclusão afirmativa de valores associados às africanidades brasileiras que compreendem manifestações de cunho étnico, cultural, civilizatório e, principalmente, religioso na construção expressões da diversidade da população brasileira.
A contribuição dos africanos e seus descendentes para a construção do Brasil se deixa evidenciar nos diferentes aspectos que o compõe quanto Nação, tanto em seu patrimônio material quanto imaterial, contribuições que dão a dimensão de grande parcela de nossa africanidade. A presente pesquisa quali-quantitativa fará uso da metodologia de caráter bibliográfico-documental, recorconsiderando que: [...] o racismo é sempre estrutural, ou seja, de que ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. Em suma, o que queremos explicitar é que o racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade. O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social [....] (ALMEIDA, 2019, p. 20-21).
Passados dezessete anos da publicação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório, entre outras preposições, nos currículos escolares o estudo da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira, instruindo acerca da a luta dos negros no Brasil e seu lugar na formação da sociedade brasileira, devemos superar o tempo da reflexão para investirmos em ações favoráveis à justiça social, acima de qualquer argumento.
Para além da Constituição de 1988, que coloca que discriminação é crime, se faz indispensável a adesão a uma educação antirracista, que é aquela que:
Busca orientar para a mudança de princípios metodológicos, visando a uma mudança no comportamento de quem tem o compromisso de ensinar para a diversidade racial, passando a reconhecer todos como iguais, porém, preservando, afirmando e respeitando as diferenças sócio-culturais (SILVA, 2008, p. 95).
Este é um caminho possível para contribuir para sanar comportamentos que segregam e distinguem, bem como para reparar as formas sutis e velada de preconceitos presentes, que acaba servindo de veículo legitimador, na medida em que não trabalha na direção acima indicada (CARONE, 2008, p. 38). No enaltecimento de valores culturais que excluem os dos negros, criam-se impedimentos para a efetiva participação dessa população na construção de uma cidadania plena (SILVA, 2008, p. 97), incompatibilizando a liberdade de expressão religiosa.
Africanos e afro-descendentes infundiram em nós valores civilizatórios que compõem nosso patrimônio cultural através da religião, na celebração à vida e à natureza. A religiosidade é parte intrínseca da cosmologia africana.
Ressaltamos que não há como compreender as religiões de matriz afro-brasileira sem entender minimamente o contexto da História da África (HERNANDEZ, 2008; KI-ZERBO, 2009; M’BOKOLO, 2009; MACEDO, 2015), os povos escravizados (RODRIGUES, 1932; RAMOS, 1943; SILVA, 1994; PRANDI, 2000; CORREA, 2006), a Diáspora africana (VERGER, 1987; PRANDI, 2000; FERREIRA FILHO, 2008; PRANDI, 2013), a Escravidão no Brasil (CARDOSO, 1979; CASTRO, 1985; CHALHOUB, 1990; FLORENTINO, 1997; COSTA, 1999; CARVALHO, 2003), os africanos no Rio Grande do Sul e religião (KLOPPENBURG, 1961; MAESTRI, 1993; ORO, 2002; CORREA, 2006; MAESTRI, 2012; PESAVENTO, 2011; LEISTNER, 2014; SILVEIRA, 2014).
Com o olhar lançado para a História, compreendemos o Batuque (nações, cosmovisão africana, iniciação e Orixás), Umbanda (Linhas, divindades africanas e da Umbanda, pretos velhos, Caboclos, bejis, boiadeiros, etc) e Linhas Cruzadas (exus e pombas-giras). Demarcamos que as religiões de matriz africana foram incorporadas à cultura brasileira, desde o primeiro contato dos escravizados com nosso País, pois foi a religiosidade uma forma de preservação de suas tradições, idiomas, conhecimentos e valores trazidos da África. Mesmo tendo as religiões marcado fortemente a construção de nossa cultura, no Brasil foram perseguidas e até proibidas. Simbologia de uma concepção de mundo, sobrevivência e marca de um signo identitário-cultural, sofreram com preconceito e intolerância e, em Pelotas, não foi diferente.
Inclusive, nos tempos da escravidão, o Catolicismo era imposto (COSTA, 1998, p. 274). Mesmo sincretizando com outras religiões, sofreram franca perseguição religiosa e punição de seus seguidores.
No Pós-Abolição, A República validou a decisão do governo de europeizar o Brasil para que deixasse de ser “um lugar atrasado e miscigenado que parecia mais um canto da África que uma nação do Novo Mundo [...]” (ANDREWS, 1998, p.91).
No Pós-Abolição continuaremos a ver as desigualdades que se apresentam em todas as esferas sociais, inclusive com o reforço da exclusão. Não havendo condições de mobilidade social, restava à população negra manter-se à margem, na miséria, violência e fome. O negro em Pelotas que com seu trabalho nas charqueadas e nos centros urbanos edificou esta cidade. Hasenbalg (2005) assevera sobre as dificuldades de mobilidade. Essa lenta mobilidade do negro na sociedade brasileira, foi promovida pelo racismo e discriminação sofrida desde a abolição da escravidão no país, momento em que o trabalho ganhou status de propulsor da posição dos indivíduos na estrutura social (RIBEIRO, 2010, p. 71). Nesse processo histórico:
A cultura negra de uma forma geral, e a religião, de forma específica, sofreram preconceitos e ataques de diversos setores da sociedade que procuravam “apagar a mancha negra” e esquecer o período escravista da sociedade brasileira (MACHADO; SÁ JÚNIOR, 2012, p.58).
Este movimento que vai ganhando força nas instituições que vão nascendo na República do Brasil (SCHWARCZ, 1993), o que justifica nosso marco temporal de pesquisa, pois as religiões de matriz afro-brasileiras mais e mais são colocadas como manifestação de “atraso” e “inferioridade” ou vão sendo acusadas de manterem vínculos com o diabolismo. Essa postura em relação à diferença e intolerância religiosa é fruto de um “longo processo histórico-cultural que buscou marginalizar e marcar de forma negativa diversos elementos das culturas africanas que desembarcaram no Brasil” (MACHADO; SÁ JÚNIOR, 2012, p.59), naturalizada na Primeira República.
Outro elemento a considerar, tomando por referência a Primeira República, é que o ano 1889 (Proclamação da República), é um marco na introdução do princípio de laicidade do Estado, onde formalmente se desvincula Estado e Igreja Católica, secularizando o espaço religioso (CAMPOS; RUBERT, 2014, p. 296). Os autores Campos e Rupert chamam nossa atenção ainda de que foi na Constituição de 1891 que houve abolição formal do conceito de religião oficial, onde teoricamente todo e qualquer tipo de crença teria liberdade de expressão. Na prática, não foi se sucedeu, pois “diversas religiões existentes no Brasil, que tiveram um caráter diferente da religião católica, sofreram perseguições, discriminações e preconceitos tanto no espaço público como no meio estatal e policial” (CAMPOS; RUBERT, 2014, p. 296).
Considerando o campo da produção simbólica (BOURDIEU, 2007) e que no entrecruzamento de discursos há atravessamentos de ordem das lutas simbólicas, um questionamento se impõe: quais visões das religiões de matriz afro-brasileira a imprensa jornalística da cidade de Pelotas, no Pós-Abolição, oferta ao público leitor? De desconfiança estabelecida à “caso de polícia”, as práticas e rituais de coesão identitária do povo negro serviram equivocadamente para alimentar e reforçar estereótipos que desabonavam suas condições de manutenção cultural e resistência. Que esta pesquisa contribua para a superação do racismo, manifesto nas mais variadas esferas em uma sociedade que não se reconhece como racista. Transpor os muros construídos pela nossa suposta democracia racial na História do Brasil é tarefa laboriosa de ser executada na busca de viabilizar uma reparação histórica.


Metodologia

A presente pesquisa quali-quantitativa fará uso da metodologia de caráter bibliográfico-documental, recorrendo a jornais impressos, como fonte primária. A coleta de dados se ocupará da técnica de amostragem para análise dos jornais a ser formulada através de tabelas/quadros para sistematização das informações coletadas no acervo da Bibliotheca Pública Pelotense, no período correspondente a 1889-1930 (Primeira República do Brasil). Informações dos Artigos, propagandas, anúncios, charges, editoriais, manchetes, entre outras darão a base que sustentará a referida coleta.
Nas últimas décadas, o uso dos jornais como fonte e objeto de pesquisa histórica é tema de debates nas Ciências Humanas. O conhecimento histórico é problematizado, bem como a relevância advinda desta fonte. Limites, possibilidades e escolhas de procedimentos teóricos e metodológicos são postos em voga pelo historiador ( LEITE, 2015, p. 4), que alterou sua prática historiográfica a partir da renovação de temas, problemáticas e procedimentos metodológicos, nisso ganha importância a valorização da construção do conhecimento histórico por meio de jornais, pois como coloca De Luca, “ [...] ao lado da História da imprensa e por meio da imprensa, o próprio jornal tornou-se objeto de pesquisa histórica” (DE LUCA, 2008, p. 118).
A mesma autora defende que o historiador, por ofício e com a base teórica da análise do discurso, tem as condições para problematizar o conhecimento narrado, imprenso nas páginas dos jornais, na relação com o acontecido. Condição essa que serve e é utilizada para demais outros tipos de fontes, a diferença é que no jornal trabalha com a notícia: selecionada e observada por um ângulo próprio da perspectiva e narrativa jornalística. Na imprensa jornalística há de se considerar a observância das circunstâncias, lugares de falas e interesses, bem como público a que se destina e promotores do jornal sob análise ( DE LUCA, 2008, p. 141).
Em diálogo com os autores Cerqueira e Cézar ( 1994, p. 35), tomando por princípio que os periódicos se constituem como determinante fonte para tomarmos contato com a história local e que devemos pesquisar o conteúdo dos jornais em sua relação com o tecido social e produzido em um tempo, devemos considerar que : a) reflete a estruturação do cotidiano, com todas as implicações que abarca; b) inevitavelmente seleciona o cotidiano: de um modo faz agir ideologias operantes, de outro, dá voz a imaginários construídos via representações da realidade, com seus signos e significados; c) exerce influência sobre o cotidiano, dando forma a visões possíveis que serão assimiladas por seus leitores.
Raniele Oliveira, quando desenvolve sua reflexão sobre os jornais enquanto fontes de pesquisa ( 2006,p.2), lembra do que a pesquisadora Zicman denominou como “História através da Imprensa ”, mostrando um patamar da imprensa como fonte primária para a pesquisa histórica e afirmando que para essa autora, “[...] a Imprensa é rica em dados e elementos que permitem um melhor conhecimento das sociedades ao nível de suas manifestações de vida, sejam elas culturais, políticas, etc. [...] “ ( OLIVEIRA, 2006, p.2 apud ZICMAN, 1985 ).
Ainda nessa linha, devemos considerar que cabe ao historiador se manter vigilante quanto aos campos de interesse e posicionamentos dos promotores e membros desse tipo de publicação. Nisso, Capelato (1988, p. 24) nos auxilia a compreender a imprensa como “espaço de representação do real”, com seus movimentos vivos de idéias e personagens que passeiam página à página.
A metodologia adotada para a realização desta investigação terá as seguintes etapas: no primeiro instante, será feito um levantamento das fontes primárias e das bibliografias específica e geral que complementarão a base teórica-historiográfica. Fichamentos serão desenvolvidos. Na pesquisa de campo, o acervo jornalístico da Bibliotheca Pública Pelotense, concernente período da Primeira República, disponível para pesquisa será inventariado, para – a posteriori - manipulação, sistematização e análise dos dados, por amostragem.

Indicadores, Metas e Resultados

Publicações serão produzidas, assim como divulgação do material em eventos científicos. Prevê-se, ao término do estudo, a publicação de um livro.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
Maria Laura Almeida Pereira
VIVIANE ADRIANA SABALLA2

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