De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde não significa apenas a ausência de uma doença ou enfermidade, mas é também um estado de total bem-estar físico, mental e social (WHO, 2014). Do mesmo modo, a saúde periodontal deve ser definida como um estado livre de doença periodontal inflamatória, permitindo que um indivíduo não sofra consequências (mentais, físicas ou sociais) resultantes da doença (LANG; BARTOLD, 2018).
Doenças periodontais são definidas como doenças inflamatórias causadas por uma microflora patogênica, organizada em biofilmes próximos a margem gengival e ao redor dos dentes, dividindo-se em duas formas principais: gengivite, uma condição mais superficial e reversível da doença, caracterizada pela inflamação gengival e ausência de destruição de osso alveolar; e periodontite, que se estende aos tecidos de suporte do elemento dentário, associada à destruição do tecido conjuntivo, ligamento periodontal e osso alveolar (PIHLSTROM; MICHALOWICZ; JOHNSON, 2005). Embora estudos mostrem que a gengivite é a condição de doença periodontal mais comum (WHITE; TSAKOS; PITTS et al., 2012), grande heterogeneidade no reporte da prevalência desta doença é encontrada na literatura (TROMBELLI; FARINA; SILVA et al., 2018). Dados epidemiológicos atuais mostram uma variação de 6% a 94% devido a utilização de índices que mensuram a inflamação gengival em locais individuais, ao invés de considerar a boca do paciente como um todo (CHAPPLE; MEALEY; VAN DYKE et al., 2018). Quando não tratada, pode haver progressão para a periodontite, e consequentemente, a perda do periodonto de proteção e de sustenção, criam bolsas periodontais que são características desta doença e, eventualmente, podem levar à perda dentária (KINANE; STATHOPOULOU; PAPAPANOU, 2017).
Outra característica da periodontite é a especificidade do local, ou seja, o fato da doença poder afetar superfícies individuais de um único dente ou vários dentes, enquanto outros locais permanecem inalterados pelo processo da doença. Assim, a definição de um caso de periodontite depende fortemente de limites específicos usados para extensão da doença (número de dentes ou sítios afetados) e severidade da doença (profundidade da bolsa, perda de inserção clínica e perda óssea alveolar nos dentes afetados) (KINANE; STATHOPOULOU; PAPAPANOU, 2017; PAPAPANOU; SUSIN, 2017). Como estes limites não são consistentemente utilizados em estudos epidemiológicos, as estimativas da prevalência de periodontite entre as populações variam substancialmente (KINANE; STATHOPOULOU; PAPAPANOU, 2017; PAPAPANOU; SUSIN, 2017). Além disso, todas as medidas, incluindo perda de inserção e perda óssea, estão sujeitas a variações biológicas temporais e erros de medição (TELES; BENECHA; PREISSER et al., 2016). Segundo uma revisão sistemática que incluiu 72 estudos, a prevalência global de periodontite severa em 2010 totalizava 10,8% da população, atingindo 743 milhões de pessoas, representando a sexta doença mais prevalente no mundo e sendo considerada um problema de saúde pública (KASSEBAUM; BERNABÉ; DAHIYA et al., 2014). Mais especificamente no Brasil, uma pesquisa epidemiológica nacional, encontrou a prevalência de periodontite “moderada a grave” em indivíduos adultos (entre 35 e 44 anos) de 15,3% e “grave” de 5,8% da população (VETTORE; MARQUES; PERES, 2013).
Muitos processos fisiopatológicos estão envolvidos na destruição periodontal em termos da resposta inflamatória e imunológica do hospedeiro, especialmente citocinas pró-inflamatórias ou metaloproteinases da matriz (MMPs) (DAHAN; NAWROCKI; ELKAÏM et al., 2001; KIECOLT-GLASER; PREACHER; MACCALLUM et al., 2003; VAN DYKE; KORNMAN, 2008). No entanto, estudos mostram que o papel bacteriano sozinho é insuficiente para explicar a ocorrência ou a progressão da doença (LEININGER; TENENBAUM; DAVIDEAU, 2010). Ainda, deve-se lembrar que a placa bacteriana representa apenas 20% do risco direto de desenvolver periodontite, os outros 80% estão associados a riscos diretos e indiretos de fatores modificadores (GROSSI et al., 1994; LANG; BARTOLD 2018).
Nessa lógica, existem os chamados fatores de risco para doença periodontal (ALBANDAR, 2002) que de acordo com os critérios de Bradford Hill, buscam caracterizar a associação causal entre uma exposição e uma doença ou condição de saúde (HILL, 1965). Dentro dessa perspectiva, estudos epidemiológicos revelaram que o tabagismo e a diabetes são até o momento, os principais fatores de risco para periodontite (HEITZ-MAYFIELD, 2005; RYDER, 2007; CHAPPLE; MEALEY; VAN DYKE et al., 2018). Em relação à gengivite, a absorção circulatória sistêmica e local dos componentes da fumaça do cigarro pode induzir vasoconstrição microvascular e fibrose, podendo mascarar seus sinais clínicos (como sangramento à sondagem), embora exista um infiltrado patológico inflamatório significativo nas células subjacentes (WARNAKULASURIYA; DIETRICH; BORNSTEIN, 2010). Estudos tem mostrado a influência do tabaco na saúde periodontal já que seu consumo propicia aumento na profundidade de sondagem, concomitante a perda de estrutura óssea, quando comparado a não fumantes (BERGSTRÖM; ELIASSON, 1987; BERGSTRÖM; ELIASSON; DOCK, 2000). Isto pode ser explicado em virtude de o tabagismo reduzir o fluído crevicular gengival (FCG), prejudicando a remoção de micróbios e produtos residuais, afetar o sistema vascular, imunológico humoral e inflamatório, a rede de citocinas e moléculas de adesão (KINANE; CHESTNUTT, 2000). Além disso, sabe-se que a relação entre o fumo e a perda de inserção é do tipo dose-dependente (GROSSI; ZAMBON; HO et al., 1994), portanto, aqueles que fumam em demasia devem ser considerados com alto risco para progressão da doença e esforços devem ser feitos durante o tratamento destes indivíduos para modificar este fator de risco comportamental (HEITZ-MAYFIELD, 2005) visto que, cessando o hábito de fumar, há diminuição da progressão da periodontite bem como melhora a resposta ao tratamento periodontal (FIORINI; MUSSKOPF; OPPERMANN et al., 2014) .
Existem diversos indicadores de risco para as doenças periodontais, esses indicadores podem estar associados as doenças periodontais, porém, ainda não são denominados fatores de risco pois não apresentam todas as evidências necessárias de causalidade como as descritas entre fumo, diabetes e doença periodontal. No que tange aos fatores sociodemográficos, uma recente pesquisa global demonstrou não haver diferença na prevalência e incidência de periodontite entre homens e mulheres, porém, a prevalência de periodontite severa aumentou com a idade, atingindo seu pico na idade de 40 anos e se manteve constante após esta faixa etária (FRENCKEN; SHARMA; STENHOUSE et al., 2017). Apesar de serem amplamente passíveis de prevenção, as doenças orais, como a periodontite, representam um problema global de saúde pública, com crescente prevalência em países de baixa e média renda (PETERSEN; BOURGEOIS; OGAWA et al.,2005; KASSEBAUM; SMITH; BERNABÉ et al., 2017). Existem inequidades socioeconômicas fortes e persistentes na prevalência de doenças bucais de modo consistente e graduado em toda a hierarquia social (PERES; MACPHERSON; WEYANT, 2019). Estas inequidades destacam as relações causais entre nível socioeconômico e saúde bucal (MATSUYAMA; AIDA; TSUBOYA et al., 2017). A respeito de variáveis socioeconômicas, embora uma revisão sistemática tenha concluído que o nível socieconômico não é tão importante para a ocorrência de periodontite quanto outros fatores, como o fumo (KLINGE; NORLUND, 2005), estudos brasileiros mostraram que adultos jovens com baixo nível socioeconômico tiveram uma chance duas vezes maior de apresentar periodontite crônica mesmo após o ajuste de fatores de confusão (SUSIN; HAAS; VALLE et al., 2011) e a desigualdade de renda teve um papel importante na ocorrência da doença periodontal “grave” em adultos (VETTORE; MARQUES; PERES, 2013).
O sono é outro fator que pode estar associado as doenças periodontais, referindo-se à qualidade e quantidade de sono (REIMER; FLEMONS, 2003; CARRA; SCHMITT; THOMAS et al., 2016). Sugere-se que quando a qualidade do sono se apresenta alterada, há uma maior probabilidade dos individuos apresentarem doenças periodontais (LEE; LIN; LIN et al., 2014; CARRA; SCHMITT; THOMAS et al., 2016). Diante disso, torna-se importante a realização de estudos avaliando os diferentes fatores que podem estar associados as doenças periodontais, as possíveis consequências que as mesmas podem ocasionar no indivíduo portador da doença, e isto, poderá contribuir para a criação de estratégias de tratamento e manejo dessas doenças envolvendo uma abordagem multidisciplinar.