O projeto tem a inspiração dos estágios de vivências promovidos pela Direção Executiva Nacional de Estudantes de Medicina - DENEM e Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil - FEAB na década de 90(1). As ecovivências visam oportunizar mais um momento de aproximação entre estudantes da UFPel e comunidade, com enfoque em agricultores em processo de trabalho agroecológico. Apesar da crescente sensibilização da sociedade para os problemas ligados ao meio-ambiente, da simpatia pela aquisição de alimentos orgânicos, do conhecimento sobre a necessidade do consumo de alimentos menos industrializados possível, dos conhecimentos sobre os malefícios dos agrotóxicos para produtores e consumidores, ainda assim, a produção agroecológica continua periférica no Brasil. Estudiosos do IPEA calculam que 0,4% da área agricultável no Brasil estava ocupada pela produção orgânica em 2017 e que o aumento do consumo dos produtos orgânicos no Brasil vem ocorrendo em velocidade menor do que em países da Europa, América do Norte e China (2). Sendo assim, é relevante que a formação profissional da área da saúde também contemple conhecimentos sobre meio-ambiente visando formar um profissional crítico, com visão ampliada sobre os processos sociais de adoecimento e de comportamento alimentar, crítico em relação às ideias de culpabilização do indivíduo quanto ao seu adoecimento. A produção, armazenamento, distribuição e consumo de alimentos são atos sociais e, portanto, atos políticos que derivam de um determinado tipo de organização social e política. Outras formas de organização da sociedade são necessárias para construir ambientes saudáveis no campo, na floresta e na cidade. Por isso, pode ser interessante motivar estudantes e professores para produzir e divulgar novos conhecimentos que respondam a perguntas em aberto como “porque a produção com uso de agrotóxicos persiste alta mesmo após a descoberta de agrotóxicos no leite materno e a associação deste com aumento no risco de câncer, informações estas largamente difundidas?”(3,4), “o quanto é presente a orientação sobre alimentos orgânicos nos diálogos entre médicos e nutricionistas com seus pacientes?”, “o enfrentamento que a ciência fez à indústria de alimentos, especialmente a Nestlé, para consolidar no senso comum o conhecimento de que o leite materno é melhor para a saúde dos bebês do que o leite em pó (5), poderia ser repetido em relação aos alimentos orgânicos? O que poderia motivar mais cientistas e profissionais de saúde para assumir esta tarefa?”. Na mesma linha, construir novas questões de pesquisa a partir das reflexões suscitadas na vivência do contexto da produção agroecológica poderá ser um elemento a contribuir com a construção de novos conhecimentos para uma sociedade mais saudável.
Os documentos orientadores do fazer pedagógico nas universidades brasileiras destacam repetidas vezes as necessidades de ensino, pesquisa e extensão contextualizados e ligados às necessidades das pessoas e comunidades. Nesta linha, este projeto aspira ser coerente com os direcionamentos do Projeto Pedagógico Institucional da UFPel que destacam o compromisso da universidade pública com interesses coletivos.
“A universidade pública, como diz o nome, é um patrimônio da comunidade na qual está inserida e tem, como obrigação, zelar pela qualidade de vida do povo brasileiro em geral e do povo da região em especial, concentrando seus esforços no sentido do coletivo. A formação do profissional, papel desta Universidade, deve visar um cidadão crítico, pensador, compromissado com a transformação da sociedade, no sentido de uma melhor qualidade de vida para o povo. Para isso, é importante que os currículos dos cursos de nível médio, de graduação e de pós-graduação contemplem aspectos humanitários, filosóficos e sociológicos, que, junto com a construção do conhecimento necessário a um bom profissional, completem os estudos de um cidadão autônomo e responsável” (6).
Da mesma forma, está presente nas motivações do projeto a aspiração de ser coerente com as Diretrizes Curriculares Nacionais para Graduação em Medicina e Nutrição contribuindo com o conhecimento sobre determinantes sociais em saúde do trabalhador rural.
“Os conteúdos essenciais para o Curso de Medicina (e Nutrição) devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, família e comunidade...inclui-se a compreensão dos determinantes sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual e coletivo, do processo saúde-doença”(7,8).
Além disso, a justificativa deste projeto contempla:
a. A necessidade de despertar interesse pelo estudo das relações entre produção e consumo de alimentos e a qualidade de vida da população.
b. A necessidade de sensibilizar futuros profissionais quanto a contribuição possível de cada categoria profissional quanto a uma postura profissional protetora do meio-ambiente.
c. A adesão dos autores do projeto a uma pedagogia da libertação entendendo, conforme Paulo Freire, que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, e que a leitura da palavra da ciência amplia seu interesse sempre que facilitar a visualização dos processos sociais, históricos, políticos que determinam que a sociedade seja como ela é, para que, desta compreensão, brotem forças para produzir uma sociedade mais próxima ao que ela deveria ser (9).