A fase da infância é compreendida por ser um período de muitas descobertas e inquietações. O reconhecimento de novas emoções, a criação de vínculos com cuidadores e com iguais e a busca incessante em entender o que está acontecendo ao seu redor são fatores que marcam esse estágio na vida do ser humano. Assim, são várias as dimensões e determinantes que estruturam o psiquismo da criança, tais como o contexto social em que está inserida, sua rede de apoio, aspectos genéticos e físicos etc. (Coll, Marchesi, Palácios & Cols, 2004).
Já na fase da adolescência, Savietto (2010) destaca que o indivíduo é redimensionado do seu referencial identificatório, ou seja, o mesmo é desligado de sua posição de criança para então tornar-se adolescente. As questões adolescentes passam a ser, portanto, diferentes das de quando criança e novos aspectos entram em cena: a relação com o corpo/consigo mesmo, um novo olhar da sociedade, uma nova posição social etc. Dessa forma, essa fase é considerada um período de fragilidade pela autora, pois demanda do sujeito depreender-se do passado e criar novas possibilidades de existir no mundo.
Em relação ao contexto brasileiro, Fleitlich-Bilyk e Goodman (2004) comprovaram que, em uma amostra no sudeste do país, uma a cada oito crianças desenvolvem algum transtorno psiquiátrico durante esta fase do desenvolvimento. Neste sentido, liderados pelo Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e Transtorno de Conduta, demais psicopatologias como os Transtornos de ansiedade, Transtorno de estresse pós-traumático e Transtorno obsessivo-compulsivo, são os quadros psicopatológicos mais comuns na infância (OMS, 2016).
O Departamento Materno-Infantil, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), responde às demandas de saúde mental do público infanto-juvenil por meio de atendimento psicológico e avaliação psicológica a esta população. Isto é, os jovens que são atendidos ao longo do desenvolvimento pelo serviço são encaminhados para a Clínica-Escola de Psicologia quando, nas consultas pediátricas, apresentam queixas relacionadas à dificuldades de adaptação ou indicativos psicopatológicos.
A pandemia de COVID-19, oriunda do vírus SARS-CoV-2, detectado na China no ano de 2019, trouxe problemáticas a nível global, demandando medidas de biossegurança específicas, tais como o isolamento social (Organização Pan-Americana de Saúde, 2020). Deste modo, as medidas de distanciamento adotadas, devido à pandemia de COVID-19, ocasionaram múltiplos efeitos negativos no público infanto-juvenil, dentre eles, a interrupção da rotina, medo da infecção pelo vírus, distanciamento dos pares e aumento do sentimento de insegurança (Imran; Zeshan & Pervaiz, 2020).
Durante a pandemia, uma importante revisão sistemática atestou o aumento de incidência de psicopatologias no público infanto-juvenil, em diferentes contextos (Samji et al, 2021). Neste sentido, atestou-se o aumento da prevalência de sintomatologia ansiosa e depressiva em crianças e adolescentes, com destaque para a população de adolescentes mais velhos, meninas, pessoas neuro diversas e que vivem com doenças crônicas (Samji et al, 2021).
Devido à medida de biossegurança do isolamento social, adotado durante os anos de 2020 e 2021, foram suspensos os atendimentos presenciais do serviço de Psicologia no Departamento Materno-Infantil. Contudo, em novembro de 2021, as atividades do local retornaram, tendo em média 300 encaminhamentos defasados, desde o ano de 2019. Sob esse contexto, fez-se necessária a realização de triagens psicológicas com os responsáveis de cada criança ou adolescente, a fim de atualizar a evolução das queixas e acolher novamente às famílias no serviço.
A triagem psicológica é um método de psicodiagnóstico, com o objetivo de acolhimento e compreensão inicial da queixa e do sofrimento do paciente (Marques, 2005) Neste sentido, autores como Deluca et al. (2018), em Porto Alegre, e Melo & Perfeito (2006), em Uberlândia, têm demonstrado a importância do serviço de triagem em clínicas-escola de psicologia, a fim de direcionar tratamentos e elaborar levantamentos epidemiológicos e clínicos dos pacientes atendidos.
No Serviço-Escola de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), As triagens tiveram o objetivo de coletar informações sobre os sujeitos que encaminhados para atendimento ou avaliação psicológica, tais como sexo, idade, escolaridade, presença de diagnósticos prévios, queixa principal, acompanhamento psicoterápico ou psiquiátrico, histórico familiar de transtorno psiquiátrico e etc. Isto é, a coleta de dados valeu-se para realização de futuras intervenções individualizadas a cada paciente, bem como para a elaboração de um levantamento das características e queixas de saúde mental do público infanto-juvenil no Departamento Materno-Infantil da universidade.