Nome do Projeto
Efeitos dos testes de ancestralidade genética no pertencimento geográfico dos usuários: mapeando pensamentos exclusionários
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
01/06/2022 - 01/06/2026
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
O presente estudo se trata de uma análise de um produto cada vez mais popular no mercado brasileiro, os testes de ancestralidade. Seu uso é bastante controverso e tem recebido muitas críticas da literatura internacional pelo tipo de pensamento e lógica que sustenta, enunciando a raça como algo real, promotor de identidades e origens e estritamente relacionado a uma região geográfica. Com isso, nos interessa aprofundar que tipo de efeitos de pertencimento são produzidos tanto pelas expectativas geradas pela autopercepção étnico-racial e de origem, quanto que contínuos e descontínuos a leitura dos resultados dos testes poderá produzir naqueles que o utilizam. Espera-se com esses resultados avançar e aprofundar o debate sobre o crescimento do nacionalismo, racismo e xenofobia que pautam algumas comunidades no sul do Brasil, entendendo a formação do pensamento preconceituoso como associado a algumas premissas da identificação geográfica e corporal.

Objetivo Geral

O objetivo dessa pesquisa é o de mapear efeitos de pertencimento geográfico nos
usuários dos testes de ancestralidade genética. Para tanto, estabelece-se as seguintes metas
de pesquisa:
1 – Identificar elementos de teor espacial no material institucional e de promoção dos testes de
ancestralidade genética.
2 – Registrar as expectativas dos participantes sobre suas autopercepções de origem, etnia,
pertencimento geográfico e outros vínculos identitários.
3 – Documentar reações a partir dos resultados dos testes, identificando continuidades e
descontinuidades nas expectativas.
4 – Explorar elementos de pensamentos espaciais exclusionários, autoexclusionários,
essencialistas, além de outras elaborações dos participantes sobre sua própria ancestralidade e
pertencimento espacial.

Justificativa

O racismo, o nacionalismo, a xenofobia e outros sistemas de segregação baseados na
designação espacial dos corpos não são mecanismos de poder recentes na história do Brasil e
do Rio Grande do Sul, contudo, com a ascensão da validação de discursos de ódio, práticas
preconceituosas foram redesenhadas em novos argumentos e passaram a adotar novos
dispositivos em sua perpetuação. A literatura contemporânea (MARTINEZ; GOIS, 2021;
MARTINEZ; ESPINOZA-AROS; MATUS, 2020; MARTINEZ, 2020; KILOMBA, 2020
BIALASIEWICZ; MAESSEN, 2018; TIJOUX; CÓRDOVA-RIVERA, 2015; SIDHU;
DALL’ALBA, 2012; AHMED, 2006) tem se dedicado a estudar a correlação existente entre
pensamento espacial e a promoção de preconceitos, sinalizando que a produção das diferenças
racial, de gênero, sexual, dentre outras, é um evento com significação espacial. A contribuição
da Geografia no combate a práticas racistas é necessária e urgente, sendo necessário observar
e politizar os novos cotidianos para entender a gênese normativa do pensamento
preconceituoso. Um dos enunciados renovados pelo discurso essencialista quanto a corpos e
espaços é o da genética como fator de verdade e causa determinante dos fenômenos sociais.
Esse projeto, portanto, tem por interesse investigar o uso de testes genéticos de ancestralidade
e seus efeitos em imaginários espaciais que favorecem a exclusão e o racismo.
Casos recentes, como a promoção da liberdade de criação de um partido nazista
brasileiro1 ou da morte por espancamento do imigrante congolês Moïse Mugenyi Kabagambe2
mostram que apesar de uma sociedade republicana que condena, inclusive constitucionalmente,
o preconceito em qualquer forma, ainda há espaço para discursos etnocêntricos que promovem
a violência contra grupos historicamente estigmatizados. A omissão pública à propagação de
ideais preconceituosos sustenta e valida práticas de violência contra negros, imigrantes,
mulheres e outros grupos não privilegiados. Tem-se, portanto, a necessidade de não apenas
denunciar casos de segregacionismo geográfico e racial, mas buscar entender como se

produzem tais imaginários e a que dispositivos eles se associam para perpetuar um senso-
comum preconceituoso. No Rio Grande do Sul, tem-se acompanhado com preocupação o

aumento no número de grupos neonazistas e de outros movimentos propagadores de discursos
de ódio (NETO, 2020; NUNES, 2020; OLIVEIRA, 2019). Muitos desses grupos utilizam como
força matriz de suas ideias os princípios que o estado gaúcho é (1) formado por comunidades
predominantemente de identificação europeia (branquitude e invisibilização da presença e
história negra e indígena), (2) que esses descendentes de brancos europeus são mais inteligentes
e capazes (supremacia branca e darwinismo social) e que, portanto, (3) não se deveria
compartilhar o mesmo espaço e cotidiano com a população negra e indígena (segregacionismo,
nacionalismo, separatismo). Esses princípios desdobram-se em práticas de racismo em diversas
situações cotidianas e têm sua raiz no imaginário colonial de competência e capacidade
atribuído às populações de origem europeia. Conforme nos apontam autoras como Grada
Kilomba (2020) e Sara Ahmed (2006), os imaginários coloniais produzem o mundo como um
lugar dos brancos e as pessoas de cor como estrangeiras em qualquer lugar.
Cada vez mais populares, os testes de ancestralidade são dispositivos promotores de
imaginários geográficos específicos, pois utilizam um discurso cientificista – a genética, o
DNA, a estatística – para correlacionar pessoas a espaços. São, portanto, espaços de afirmação
ou interrupção de autopercepção racial e geográfica. Ao indicar um lugar de “origem”,
imputam uma condição natural à relação com o espaço, fazendo supor que haveria uma região

1 Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/monark-desligado-de-podcast-apos-declaracao-sobre-
nazismo-1-25385834

2 Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/parem-de-nos-matar-comunidade-congolesa-cobra-justica-por-
moise-em-manifestacao-25382136

própria – estabelecida geneticamente – para cada pessoa ou grupo social. O uso do DNA como
dispositivo da “verdade” não é algo circulante somente no universo científico, mas já bastante
afirmado no pensamento popular. Testes de paternidade, evidências em cenas do crime,
identificação de doenças congênitas: os testes genéticos são sinônimos de irrefutabilidade ao
senso-comum. Em 2021, a emissora britânica BBC lançou um reality show denominado
“Segredos de Família – DNA” [DNA Family Secrets] cujo propósito é fazer revelações
genéticas que transformarão as relações e a percepção sobre a identidade e trajetória das
famílias. Em alguns desses episódios, são utilizados testes genéticos de ancestralidade para
revelar origens étnicas e geográficas dos participantes. Segundo as empresas que realizam esses
testes no Brasil, em 2021, houve um crescimento de mais de 700% na busca pelo produto
(BARROS, 2022). Mundialmente, o Massachusetts Institute of Technology (MIT) indicava
que em 2019 já mais de 26 milhões haviam realizado a testagem de ancestralidade e a
expectativa é que esse número tenha ultrapassado os 100 milhões de usuários em 2021
(BURSZTYNSKY, 2022).
Disponível por menos de 200 reais no mercado brasileiro, os testes passam a ser
acessíveis a uma parte considerável da população e ajudam a compor imaginários de
pertencimento, pois combinam linguagem espacial (mapas, designações continentais e
regionais) com linguagem científica de validez (percentuais, genética, laboratórios, coletas de
DNA).

A pesquisadora Natalia Pasternak escreveu recentemente, para o jornal O Globo, sobre
as contradições e limites dos resultados dos testes ancestrais. Segundo ela (PASTERNAK,
2022, n. p.), apesar de estudos genéticos serem importantes no entendimento de fenômenos
sociais, como as migrações, eles não são relevantes na escala individual e reforça que “passar
a impressão errada de que o DNA pode identificar origens pode reforçar a ideia que raças
humanas são importantes”. De acordo com Gaspar Neto e Santos (2011, p. 231), os testes de
ancestralidade tratam a raça como um componente lucrativo ao buscar consumidores que se
autoidentificam com certos perfis étnico-raciais. Tem-se, então, uma disjunção em seu uso. Por
um lado, os testes de ancestralidade poderiam servir para resgatar trajetórias familiares de
grupos sociais que as tiveram interrompidas; esse seria o caso de comunidades negras que
tiveram suas memórias apagadas pelo sistema escravista ou de comunidades judaicas que
perderam o contato com ascendentes em função de perseguição étnico-racial. Contudo, por

outro lado, há de se considerar que tais dispositivos reiteram a ideia de raça como um objeto
geneticamente identificável. Além disso, que esses grupos delineáveis por exames de DNA
teriam um correspondente geográfico, um espaço “natural” de pertença, favorecendo práticas
exclusionárias por incompatibilidades entre espaços e racialidades. Com o uso crescente dos
testes de ancestralidade, é imperativo perguntar: que interpretações surgem dos seus resultados
e que efeitos têm na própria consciência geográfica? Como afetarão a própria percepção
identitária, racial, histórica?

Metodologia

A pesquisa será de caráter qualitativo e a produção de dados ocorrerá em três etapas,
com desenho sequencial e análise a partir da triangulação dos dados. A primeira etapa será um
diagnóstico do conteúdo de promoção dos testes de ancestralidade pelas empresas ofertantes
no Brasil; a segunda etapa consiste em uma entrevista prévia de sondagem das expectativas
dos participantes e dos imaginários vigentes sobre suas próprias origens e identidades, além da
coleta da amostra de DNA; na terceira etapa, será realizada uma entrevista a partir da leitura
dos resultados do teste.
Inicialmente, realizar-se-á uma análise sistêmico-funcional do conteúdo discursivo das
páginas de empresas que realizam e promovem os testes de ancestralidade, bem como de seu
material publicitário. A análise sistêmico-funcional é aquela que se preocupa com a linguagem
em todas as suas manifestações, sendo, portanto, uma análise do discurso com interesse
semiótico (BÁRBARA; MACÊDO, 2009). Para tanto, investigar-se-á o material de três
empresas que realizam o serviço de testagem no Brasil. A seleção dos
dados foi realizada tendo por objetivo principal o teste genético de ancestralidade, pois as
empresas citadas oferecem diversos produtos com inúmeras outras informações sobre o
material genético. Todas as empresas selecionadas possuem escritório no Brasil, contudo,
apenas a empresa MeuDNA possui capital brasileiro.


Na segunda etapa, serão selecionados 15 participantes de cinco diferentes regiões do
Rio Grande do Sul a partir de formulário eletrônico de interesse divulgado em redes sociais.
Como não há intenção de extrapolação estatística ou generalização dos resultados, os
participantes serão selecionados a partir de critérios de diversidade étnica, de gênero, etária e
geográfica, buscando conformar uma amostragem diversa para explorar o maior número de
relações e possibilidades de leitura. Com tal amostragem, será realizada uma entrevista em
profundidade com roteiro semiestruturado para mapear expectativas de pertencimento
geográfico e entender a produção da consciência geográfica sobre a própria trajetória. Serão
realizadas perguntas sobre o histórico familiar, ideias de pertencimento com sua região,
entendimentos sobre a própria nacionalidade e a vinculação com diferentes territórios (ver
Anexo 1). Na entrevista, também será entregue o teste de ancestralidade e repassadas instruções
sobre sua aplicação e envio. O teste aplicado será o de menor valor ao momento da compra.
Foram definidas cidades gaúchas de médio a grande porte que fogem dos enclaves coloniais
etnocêntricos para poder abarcar trajetórias espaciais mais diversificadas, multiétnicas e de
maior possibilidade de múltiplas autoidentificações. Entende-se que o espaço urbano é um
espaço de aceleração de encontros sociais e, portanto, possui identidades dinâmicas e
suscetíveis a dispositivos de informação. Também se demonstra preocupação em buscar uma
pluralidade de posições e corpos da mesma região, motivo pelo qual serão selecionados três
entrevistados por cidade-campo. As cidades onde haverá produção de dados, portanto, são:
Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Erechim e Bagé.
Após publicados os resultados pela empresa realizadora do teste, será realizada a
entrevista de terceira etapa. Essa fase consiste em uma nova rodada de conversas com roteiro
semiestruturado com os participantes (ver Anexo 2) para identificar contínuos e descontínuos
em suas expectativas, bem como mapear as interpretações que emergem da leitura do teste. A
análise das três fases será realizada em conjunto, triangulando e reconstituindo os dados a partir
das entrevistas de cada participante com a análise do conteúdo promovido pelas empresas. Os
dados serão organizados e codificados após transcrição das entrevistas por meio de software
de análise de dados qualitativos (NVIVO). A análise será guiada pela abordagem da
fenomenologia queer (AHMED, 2006), buscando não meramente a percepção dos sujeitos,
mas as ações e direções relacionadas a essa percepção. Ou seja, busca-se não tomar os
processos de identificação como algo legítimo e interno aos participantes, mas entendê-los
como um engendrado social de grande complexidade. Para isso, duvidar da identidade como
algo inerente à população e buscar dispositivos normativos e (auto)exclusionários nas
percepções. Com isso, será possível entender de que forma os resultados dos testes dialogam
com o senso-comum e como isso pode gerar pensamentos exclusionários quanto à relação de
pertencimento com os espaços a partir das racialidades. O pertencimento geográfico é analisado
nessa pesquisa a partir de um marco crítico que entende que identidade e pertencimento estão
atrelados a formas de hierarquizar e essencializar os grupos sociais (ANTHIA, 2013), mas
também de reivindicar posse e direitos sobre determinados espaços por parte de grupos
excluídos historicamente (ANTONISICH, 2010). Assim, derivam de uma sensação de
pertencimento a uma comunidade que não se conhece entre si, mas que se reconhece e atribui
características comuns (ANDERSON, 2008).
Apesar de tangenciar um tema sensível sob o prisma ético – a entrega de DNA –, essa
pesquisa não apresenta natureza genética e nem interage com dados específicos de saúde dos
usuários. Isso se dá pelo fato que a análise em questão se dá sobre um produto disponível no
mercado e acessível para qualquer sujeito. Os dados tampouco estariam sob controle da equipe,
uma vez que todo o procedimento técnico, legal e operacional está vinculado ao consumo do
teste de ancestralidade, sendo responsabilidade da empresa fornecedora a correta execução e a
responsabilidade total sobre o uso do produto. Ainda assim, para explicar e demarcar
corretamente a ação proposta, far-se-á procedimento de informe consentido em que se
manifeste expressamente a voluntariedade da participação, a possibilidade de desistência a
qualquer tempo e as características das atividades realizadas. O projeto será submetido a comitê
de ética em pesquisa na Universidade Federal de Pelotas e inscrito na Plataforma Brasil do
Conselho Nacional de Saúde. Todas as informações pessoais que possivelmente identifiquem
participantes serão anonimizadas e o conjunto dos dados guardados em disco rígido externo
sem acesso a internet por prazo mínimo de cinco anos após sua transcrição.

Indicadores, Metas e Resultados

Espera-se obter um panorama mais complexo em relação ao modo de operação dos dispositivos estudados na formação do pensamento político e espacial da população sul-rio- grandense. Com o crescimento do uso dos testes de ancestralidade, será importante vislumbrar suas potencialidades e efeitos na construção da identidade regional gaúcha, sobretudo no que diz respeito a combater práticas exclusionárias como o racismo e a xenofobia. Antevê-se que a pesquisa proverá um aprofundamento da gênese do pensamento espacial e, assim, uma melhor
exploração de pensamentos que fundamentam racionalidades preconceituosas. Isso dará
elementos mais adequados para fomentar uma educação antirracista mais precisa e ajustada ao
pensamento senso-comum de nosso estado. Como produto, espera-se produzir uma cartografia
dos fluxos das expectativas de maneira a contrastar os resultados dos testes aos imaginários
prévios dos participantes. Como resultado derivado, também será possível ver quais relações
os participantes poderão desenvolver com os espaços anunciados nos testes. Ou seja, qual o
alcance de seus conhecimentos histórico-geográficos e como esses conhecimentos afetam a
autopercepção. Planeja-se publicar os resultados da pesquisa em periódico de indexação
internacional, com prioridade àqueles relacionados pelas bases SCOPUS e/ou Web of
Knowledge.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
Ana Paula Melo Da Silva
CESAR AUGUSTO FERRARI MARTINEZ1
GABRIELA RODRIGUES GOIS
TALITA FERNANDES GONÇALVES
VÍTOR EMANUEL SILVA DE OLIVEIRA

Fontes Financiadoras

Sigla / NomeValorAdministrador
FAPERGS / Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado Rio Grande do SulR$ 10.200,00Coordenador

Plano de Aplicação de Despesas

DescriçãoValor
339033 - Passagens de Despesas de LocomoçãoR$ 682,00
339030 - Material de ConsumoR$ 8.160,65
339014 - Diária Pessoa CivilR$ 640,00
449052 - Equipamentos e Material PermanenteR$ 717,35

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