Em 2020 a área cultivada com pessegueiro no Brasil foi de 15.590 ha, sendo 11.428 ha só no estado do Rio Grande do sul (RS). Deste total, a macrorregião do Sudeste rio-grandense, que compreende Pelotas e municípios vizinhos possui 5.332 ha (IBGE, 2021), cuja produção ocorre principalmente em pequenas propriedades de base familiar, gerando renda e fixando mão de obra no campo. Mesmo com expressiva área plantada, a produtividade dos pomares desta região atingiu apenas 8,4 t ha-1, enquanto os principais municípios produtores da Serra gaúcha obtiveram produtividades próxima de 19 t ha-1 (IBGE, 2021).
A produtividade do pessegueiro é afetada, dentre outros fatores, pelos porta-enxertos utilizados (GIORGI et al., 2005; BARRETO et al., 2017; FONT; FORCADA et al., 2020; MAYER et al., 2021), e das suas interações com as características físico-químicas, biológicas e de estresses associados ao solo (pH, teor de alumínio trocável e de matéria orgânica, nível de fertilidade, compactação, presença de nematóides patogênicos, limitaçãob hídrica e/ou excesso de água) (BERLATO et al., 2006; TIMM et al., 2008; PETRY et al., 2014).
Considerando que as plantas frutíferas quase sempre possuem dois componentes genéticos distintos, a cultivar copa e o porta-enxerto, o melhoramento genético deve focar em ambos os componentes de forma totalmente independente, uma vez que os problemas que estes componentes apresentam são diferentes, requerendo melhoramento e uso de estratégias de propagação diferenciadas.
No Brasil, se obteve grandes avanços no melhoramento genético de cultivares copa, porém poucas são as pesquisas com porta-enxertos, cuja importância deste componente genético só tem recebido atenção mais recentemente. A grande maioria dos viveiros comerciais no RS ainda utilizam misturas varietais de caroços de pêssegos tipo “conserva” (resíduo da industrialização) na produção de porta-enxertos, para posterior enxertia. Essa prática, que é utilizada desde o início da exploração comercial do pessegueiro no RS, resulta na produção de porta-enxertos com grande variabilidade genética, com diferenças em vigor e longevidade das plantas, na produção, na tolerância a estresses abióticos e bióticos, e na reação à morte-precoce do pessegueiro.
A morte-precoce do pessegueiro tem sido um dos principais problemas agronômicos na persicultura da metade sul do RS, cuja incidência tem levado a mortalidade de plantas de até 90%, principalmente no polo produtivo de Pelotas (MAYER et al., 2009). Essa síndrome tem sido associada a fatores de ordem biótica (presença de nematóides patobgênicos, principalmente M. xenoplax; bacteriose causada por P. syringae pv. Syringae), mudas de baixa qualidade e porta-enxertos suscetíveis, e abiótica (manejos de poda inadequados; limitações físicas e químicas do solo, adoção de replantio em áreas ocupas com prunáceas, condições de estresse hídrico) (CAMPOS et al., 2014).
Alguns desses entraves acima expbostos podem ser mitigados ou superados pela adoção de porta-enxertos melhorados, contendo tolerância e/ou imunidade a agentes fitopatogênicos no solo, assim com o uso de porta-enxertos com melhor eficiência de absorção e uso de água e nutrientes minerais (MENEGATTI et al., 2022), com tolerância a déficit ou excesso de água no solo (RICKES et al., 2017; KLUMB et al., 2019).
Porta-enxertos contendo algumas dessas características foram introduzidos no Brasil. A maioria não são utilizados comercialmente, por não serem adaptados as condições climáticas brasileiras, porém têm sido utilizados como fonte de genes para o melhoramento genético e obtenção de novas seleções de porta-enxertos. Outros genótipos não são utilizados por dificuldades de propagação. Muitas das cultivares de porta-enxertos introduzidas tem grande potencial de uso imediato a exemplo das cultivares ‘Flordaguard’, série ‘Tsukuba’, ‘Okinawa’ e ‘Myrobalan 29C’, ‘Marianna 2624’, ‘Julior’, série ‘Mr. S.’, para pessegueiro e ameixeira, respectivamente, com vantagens já comprovadas em relação aos materiais utilizados atualmente como porta-enbxerto. Tanto a Universidade Federal de Pelotas, quanto a Embrapa Clima Temperado têm realizados trabalhos de seleção por hibridação, e de seleção clonal, respectivamente, visando obter genótipos tolerantes a nematóides causadores de galhas e variabilidade para vigor, bem como para tolerância a morte precoce das plantas de pessegueiro.
A obtenção de novos genótipos de porta-enxertos por meio de cruzamentos direcionados ou prospecções a campo, em função de seus caracteres agronômicos, requerem a produção de plantas matrizes por propagação vegetativa, visando a fixação dos caracteres favoráveis. A seleção sanitária desse material também é fundamental para difundir porta-enxertos de alta qualidade desde o primeiro momento de uso. Normalmente a propagação clonal é feita por estaquia ou por cultivo in vitro.
A propaganção por estaquia requer menos investimento em infra-estrutura, entretanto muitos genótipos tem baixas taxas de enraizamento de estacas, inviabilizando seu uso comercial. Além disso, a propagação por estaquia pode favorecer a difusão de doenças fungicas, bacterianas e de origem virótica, quando não utilizado material propagativo certificado.
O cultivo in vitro é uma técnica que permite clonar plantas em grande quantidade, de forma relativamente rápida, utilizando pouco espaço físico, entretanto necessita de maior investimento de infra-estrutura (BIANCHI et al., 2021). Esta biotecnologia permite ainda multiplicação massiva de espécies de difícil propagação por outros métodos, pode ser utilizada para estudos fisiológicos diversos, seleção, preservação e intercâmbio de germoplasma, indução de variabilidade genética, incluindo a obtenção de plantas transgênicas, dentro outras aplicações (SALAZAR, 2010).
A micropropagação de espécies frutíferas de caroço é mais difícil do que de espécies herbáceas e outras espécies da familia Rosaceae, devido à perda da capacidade morfogenética dos tecidos (WENDLIG et al., 2006). No Brasil vários estudos já relataram os processos de estabelecimento, multiplicação in vitro de pessegueiro e de ameixeira (CHAVES et al., 2004; ROCHA, et al., 2005ab; ; RADMANN et al., 2009ab; BANDEIRA et al., 2013; GALLO et al., 2017; RITTERBUSCH et al., 2020; BIANCHI et al., 2021) e no enraizamento (ROCHA et al., 2006; CAMPOS et al., 2007; BANDEIRA et al., 2012). A maioria destes trabalhos não apresentaram uma continuidade sequencial, principalmente de multiplicação, devido as dificuldades de manter os explantes viáveis durante muitos subcultivos, entretanto alguns estudos tem sido promissores, demonstrando as potencialidades desta técnica de propagação (RADMANN et al., 2009; RITTERBUSCH et al., 2020; BIANCHI et al., 2021).
Sendo assim, a variação nas respostas das espécies lenhosas inseridas in vitro, torna necessário que sejam escolhidas ou desenvolvidas condições de cultivo para cada genótipo. Tais condições envolvem a adaptação do tipo de meio básico e suas concentrações de sais, vitaminas e aminoácidos, fontes de carbono, tipo de reguladores do crescimento, cujas concentrações devem ser avaliadas para cada espécie/genótipo (IZQUIERDO, 1999; RADMANN et al. 2009).
A ambientação ex vitro das microplantas é a fase mais delicada deste processo produtivo. O percentual de sobrevivência vai influenciar o número de plantas aptas para serem comercializadas e o custo de produção. As condições de esterilidad e necessárias no cultivo in vitro elimina todos os microrganismos patogênicos e a microflora do solo benéfica para a planta, criando um “vácuo biológico” (SCHUBERT; LUBRACO, 2001). A recomposição dessa microflora é benéfica e pode ser feita pelo uso de substratos micorrizados, por exemplo, possibilitando mitigar o efeito dos estresses do transplantio, melhorando a taxa de aclimatação das microplantas no novo ambiente. Entretanto, essas estratégias requerem estudos exploratórios visando adaptar o tipo de substrato e as dosagens e tipos de microrganismos que induzam a melhor resposta de crescimento.
Um eficiente sistema de produção de mudas de qualidade é de grande importância para qualquer segmento do setor produtivo de espécies frutíferas, pois a muda de qualidade é a base do pomar e pode determinar o sucesso na qualidade e produtividade do novo pomar. Mudas de boa qualidade podem também servir de base para a realização de experimentos de avaliação de compatibilidade de enxertia, bem com para testes de avaliação de tolerância a diferentes condições de estresses, visando identificar genótipos com maior potencial de uso.
Devido a indefinição de porta-enxertos para as frutíferas de clima temperado, em especial para frutíferas de caroço, tem sido registrado alto índice de morte de plantas nos pomares, por fatores estressantes variados, reduzindo a produção e a produtividade dos pomares.
Diferente das grandes culturas de cereais, o cultivo de frutíferas requer investimentos muito mais altos para implantação e manutenção dos pomares. A redução da produção e/ou a perda de plantas por evento de estresse de ordem biótica e abiótica, causam prejuízos importantes para os produtores a cada ano.
Baseado nisso, buscar-se-à estudar os processos fisiológicos, bioquímicos e moleculares associados a produção de porta-enxertos in vitro e de mudas de diferentes espécies do gênero Prunus spp. (pessegueiro, ameixeira, amendoeira e damasqueiro) enxertadas sobre diferentes porta-enxertos, visando gerar dadas que possam ser utilizados para estimular o uso de novos por porta-enxertos por parte de viveirista e produtorfes brasileiros de frutíferas de caroço.