Nome do Projeto
Cartografias negras e quilombolas no Rio Grande do Sul
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
02/01/2023 - 02/01/2025
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
Este projeto pretende investigar as territorialidades negras e quilombolas ao redor da Laguna dos Patos, nos séculos XIX e XX, identificando assentamentos e deslocamentos tramados a partir dos parentescos, redes de solidariedade, resistência e de fé. Na estreita faixa de terras, entre a laguna dos Patos existem na atualidade, de ponta a ponta da laguna, oito comunidades remanescentes quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares, a maioria delas, assentadas no século XIX, a partir da conquista de terras e de liberdade. Para além destas comunidades atuais é possível identificar outras comunidades negras e quilombolas em documentos da primeira metade do século XIX. Para pensar neste litoral, é possível mirar para as águas. A antropóloga Ilka Boaventura argumenta que as terras de libertos poderiam ser um ponto estratégico de fugas para outros escravizados da região do litoral. A partir desta possibilidade pode-se analisar os arredores da laguna dos Patos onde encontra-se outras experiências de quilombos. Afinal as águas poderiam ser uma importante rota de fuga, mas também de troca, de solidariedade e transmissão de práticas de resistências. Na Ilha do Marinheiro, segundo Mario Maestri existiu o quilombo do Negro Lucas que era constituído por escravos fugidos. Do outro lado da laguna, na Serra dos Tapes, em Pelotas, houve o quilombo de Manoel Padeiro. Pinto, Moreira e Al-Alam investigaram as práticas quilombolas, na década de 1830, onde Manoel e seu grupo circulavam e resistiam desde, pelo menos, a metade do ano de 1834. O livro destaca o grande conhecimento dos quilombolas em relação ao território que circulavam, que era mapeado pelas localidades bem como os nomes dos proprietários, configurando uma “cartografia nominal” acionada para transitar, fugir e resistir. Desse modo, este projeto pretende identificar estes assentamentos e outros a serem encontrados durante esta pesquisa visando a elaboração de cartografias negras e quilombolas quem deem conta da complexidade das comunidades e sua relações com o território.

Objetivo Geral

O objetivo deste projeto é elaborar cartografias que contemplem as territorialidades, os parentescos, as solidariedades e as práticas sociais de comunidades negras e quilombolas assentadas ao redor da Laguna dos Patos. Os objetivos específicos são: analisar a bibliografia para identificar metodologias e conceitos centrais; examinar as famílias negras dentro das senzalas e suas redes para além do cativeiro; estudar as estratégias de manutenção das terras legadas; identificar as tramas de parentescos das extensas das famílias negras; mapear deslocamentos e assentamentos de comunidades negras e quilombolas.

Justificativa

Esta pesquisa justifica-se pela urgência de investigações que se debrucem sobre formas camponesas no pós-emancipação e pós-Abolição no Rio Grande do Sul, em especial no município ao redor da laguna dos Patos.

Metodologia

A geógrafa Daniela Vieira (2017) investigou a territorialidade negra, no espaço urbano, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no período compreendido entre 1800 a 1970, a partir do cruzamento de fontes diversas como jornais, documentos históricos, fotografias, crônicas e narrativas, visando construir uma cartografia negra. Vieira argumenta que inicialmente os territórios negros estavam localizados na área central, mas paulatinamente foram deslocados para as bordas da cidade. Para esta autora, a territorialidade “está diretamente associada aos sentidos e significações que se deseja, ou que se rejeita, para determinado espaço”. A partir destas contribuições de Vieira podemos pensar em territorialidades quilombolas que surgem ainda durante a escravidão e se estendem na emancipação e pós-Abolição a partir de diferentes formas de ocupação e representação daqueles imóveis outrora listados em testamentos. Os territórios quilombolas herdados em testamentos foram espaços de escravidão e posteriormente abrigaram experiências de liberdade. Lugares de plantação e colheita. Espaços de criar e cuidar o pequeno rebanho. Territórios para seguir as trilhas em direção às benzedeiras ou ainda de esperar o deslocar das parteiras. Territórios erguidos, em terrenos legados, disputados com demais herdeiros, invadidos pelos plantios de arroz. Territórios tecidos com memórias de fé em Nossa Senhora do Rosário, do Ensaio e da Festa anual, lembranças de terno de reis. Lugar de festas de casamentos, de bailes separados. A geógrafa cultural Katherine McKittrick (2011) destaca que histórias e geografias negras são difíceis de rastrear e mapear cartograficamente. A escravidão transatlântica foi baseada em várias práticas de violência espaciais que visavam os corpos negros e lucravam com o apagamento de um sentido negro de lugar. Geograficamente, no centro está a fazenda escrava e suas geografias, o quarteirão, a casa grande, os campos, as plantações, a senzala, os meios de transporte de ida e volta da fazenda, entre outros. A plantação evidencia uma economia colonial-racial desigual que, embora articulada de forma diferente ao longo do tempo e do lugar, legalizou a escravidão negra ao mesmo tempo em que ratificou a falta de lugar e a restrição dos negros. A escravidão negra não excluiu as geografias negras, pois incitou práticas alternativas de mapeamento durante e após a escravidão transatlântica, muitas, inclusive, foram e são produzidas fora dos princípios oficiais da cartografia: mapas de fugitivos e quilombolas, mapas de alfabetização, mapas de famílias, mapas musicais. Para a autora um sentido de lugar negro é o processo de situar material e imaginativamente as lutas históricas e contemporâneas com práticas de dominação e os difíceis emaranhados do encontro racial. O que estrutura um sentido negro de lugar são os princípios diaspóricos de colonialidade, desumanização e resistência. O sentido de lugar negro não é uma maneira estável, focada e homogênea de ver e estar no lugar. A partir destas possibilidades de territorialidades e cartografias buscaremos os vestígios, pois conforme Ginzburg (1989, p. 183) ao analisar a metodologia de Natalie Zemon Davis em “O retorno de Martin Guerre” é necessário ligar o caso específico ao contexto, o que possibilitará um “campo de possibilidades historicamente determinadas”, onde o verdadeiro e o verossímil, as provas e as possibilidades entrelaçam-se, continuando, embora rigorosamente distintas. Ainda em busca dos vestígios farei uso da ligação nominativa nas diversas fontes visando perseguir homens e mulheres campesinos, conforme Slenes (2011, p. 20). Buscar as personagens pelos nomes em diversas fontes é uma tarefa árdua e, por vezes, com limitações, especialmente pelas variações de grafia em registros diferentes, pela repetição do mesmo nome em gerações diferentes e pela prática de nomeação (WEIMER, 2007) dos escravizados após a conquista da liberdade. Entretanto, este método possibilita a partir da pesquisa cuidadosa nos vestígios encontrar os nomes das várias gerações e reconstruir as árvores genealógicas das famílias negras.

Esta pesquisa utilizará diferentes documentos como inventários, testamentos, registros de batismos, casamentos, óbitos e documentos relativos a terras, alguns destes já digitalizados e outros já catalogados, neste contexto serão de suma importância os catálogos publicados pelo Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS) sobre escravidão.
Outro documento fundamental para a pesquisa é o Livro de Registro Paroquial de Terras de São José do Norte, da freguesia de São Luís de Mostardas, também armazenado no APERS e já digitalizado. O livro é resultado da Lei de Terras de 1850 que tornou obrigatório o registro dos imóveis e, é um importante documento para investigação dos camponeses negros. Nos registros constam: o nome do proprietário que registrou os imóveis, a localização, ainda que de forma muito imprecisa (talvez não por acaso); a extensão do terreno, um dado extremamente impreciso e os limites dos terrenos. Embora seja uma fonte cheia de lacunas, possibilita trazer à tona alguns libertos legatários de terra que ou deslocaram até a paróquia para fazer seu registro ou tiveram suas terras citadas como limítrofes de propriedades contíguas.
Visando compreender os laços tecidos entre escravizados, legatários e libertos é de suma importância o uso dos livros de batismos, de casamentos e de óbitos de São José do Norte, disponíveis no site https://www.familysearch.org/pt/. Não se fará uma pesquisa quantitativa, mas uma busca de indícios de nossas personagens, esquecidas nas páginas dos antigos livros.

Indicadores, Metas e Resultados

Espera-se que este projeto possibilite a criação de cartografias quilombolas que contemplem as diversas territorialidades negras e quilombolas ao redor da Laguna dos Patos.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
CLÁUDIA DAIANE GARCIA MOLET6
NATALIA GARCIA PINTO
ÁLISSON BARCELLOS BALHEGO

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