O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é o transtorno do neurodesenvolvimento mais comum na infância (CAYE et al., 2016; DEMIRCI et al., 2016). A prevalência mundial de TDAH em crianças e adolescentes varia de 5 - 12% (POLANCZYK, et al., 2007; THOMAS et al., 2015; DEMONTIS et al., 2019; POSNER & GREENHILL, 2013), e estima-se que 50% a 80% dessas crianças continuem a apresentar os sintomas do transtorno na vida adulta (BENCZIK & CASELLA, 2015). No Brasil, a ANVISA e outros estudos relatam uma grande variação na prevalência, com estimativas que variam de 0,9 - 26% (dados revisados em DA HORA et al., 2015; ORTEGA & MÜLLER, 2020). O TDAH está relacionado a disfunção executiva e prejuízo na tomada de decisão, auto monitoramento, memória, atenção, linguagem, controle das emoções e comportamento social. Em conjunto, essas disfunções podem dificultar os relacionamentos afetivos e sociais, e a impulsividade pode desencadear rejeição pelos colegas de escola e professores (POSNER & GREENHILL, 2013).
A etiologia do TDAH é multifatorial, e os possíveis fatores de risco no desenvolvimento do transtorno ainda não foram completamente identificados. Entretanto, já se sabe que a etiologia compreende interações complexas de sistemas de neurotransmissores e alterações neuroanatômicas (BARI & ROBBINS, 2013; HOOGMAN et al., 2017). Estudos epidemiológicos e clínicos sugerem que fatores de risco genéticos e ambientais afetam a estrutura e capacidade funcional das redes cerebrais envolvidas no comportamento e cognição (DEMONTIS et al., 2019). De relevância, estudos com gêmeos indicam que a herdabilidade é de 70-80% ao longo da vida (DEMONTIS et al., 2019). Assim, diversas evidências apoiam causas genéticas onde vários genes estejam envolvidos, entretanto, a busca não é por um gene específico de TDAH, mas sim por genes que regulam o funcionamento cerebral (DEMONTIS et al., 2019).
Dentre os sistemas biológicos envolvidos na neurobiologia dos distúrbios do desenvolvimento e do comportamento, e de interesse na investigação do TDAH e seus endofenótipos, surge o sistema da via oxitocina-vasopressina. A oxitocina (OT) e a arginina vasopressina (AVP) são neuropeptídeos sintetizados no hipotálamo e secretados pela hipófise posterior (BARIBEAU & ANAGNOSTOU, 2015). Os genes dessa via influenciam os níveis destes neuropeptídeos no cérebro, os quais, através de seus resceptores específicos, demonstraram modular regiões cerebrais hipotalâmicas ou límbicas (BARIBEAU & ANAGNOSTOU, 2015), explicando sua influência no desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais (CARTER, 2014) e comportamentos que compõem déficits de habilidades sociais (DOLEN, 2015).
De fato, há ampla pesquisa que sugere que variações genéticas na estrutura do receptor para essas moléculas pode afetar alguns aspectos do funcionamento social em humanos; além disso, a administração central de OT parece estimular certos comportamentos sociais e capacidades cognitivas (MEYER-LINDENBERG et al., 2011). Estudos também relataram níveis de OT circulantes mais baixos em indivíduos com TDAH em comparação com controles, sugerindo que a OT pode desempenhar um papel na patogênese do transtorno (SASAKI et al., 2016). Em amostras de adultos, estudos mostraram o envolvimento de AVPR1A na relação interpessoal (WALUM et al., 2008) e empatia cognitiva (UZEFOVSKY et al., 2015). Já estudos sobre o AVPR1B em humanos mostram evidências de que esse gene afeta a agressividade em crianças (LUPPINO et al., 2014; ZAI et al., 2012), enquanto estudos em animais mostraram envolvimento de AVPR1B na motivação social e memória social (WERSINGER et al., 2004).
Essa linha de raciocínio sugere que variações genéticas, como os polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs), dentro dos genes envolvidos nessa via são uma forte estratégia complementar para a compreensão do papel sistema OT-AVP no TDAH e também em seus endofenótipos. De fato, achados de estudos amplos do genoma estabelecem que a arquitetura genética dos transtornos psiquiátricos e do desenvolvimento é altamente poligênica. Entretanto, embora a contribuição individual de cada variante seja pequena, o efeito cumulativo desses SNPs tem uma contribuição substancial, e assim, a identificação desses genes se faz importante para desvendar os mecanismos biológicos compartilhados entre o transtorno, o direcionamento de estudos funcionais, de determinação de novos alvos terapêuticos e diagnóstico diferencial. Assim, a presente proposta tem plausibilidade científica por demonstrar novos possíveis alvos genéticos compartilhados no TDAH e seus endofenótipos, que interagindo com fatores ambientais possam melhor diagnosticar e tratar os indivíduos acometidos por esse transtorno.
Para isso, o uso de duas abordagens se torna importante: uma abordagem baseada em uma pontuação de escore de risco poligênico específica para o sistema OT-AVP, usada para elucidar o risco cumulativo de certos SNPs; e a abordagem baseada em genes, que permite interrogar conjuntamente todos os SNPs dentro de um gene. Espera-se que tomar o gene como unidade de análise aumente o poder estatístico em relação à análise de um único SNP, porque é responsável por várias variantes funcionais independentes enquanto diminui o número de testes estatísticos.