Nome do Projeto
A comida como ativo territorial: experiências a partir do patrimônio cultural e do turismo
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
01/09/2021 - 25/09/2024
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
Para além de sua função nutricional, a alimentação e as formas de fazê-lo exercem uma importante função social, ao constituir-se em um referente identitário da sociedade. Em escala crescente, a dimensão cultural da alimentação e os valores articulados (de caráter memorial, afetivo, identitário, econômico) vem ganhando espaço na sociedade, constituindo-se igualmente em importante arena de discussão acadêmica. Questões como a origem dos alimentos, o bem estar dos produtores, o papel de práticas tradicionais de produção agroalimentar na manutenção do meio ambiente, a saúde, passam também a figurar nos discursos e nas práticas alimentares. Se a comida esteve indissociavelmente ligada à sua dimensão cultural, a preocupação com a preservação de determinados referentes culturais alimentares dá-se em caráter mais recente, motivada por processos de industrialização e homogeneização de hábitos alimentares, e a gradual dissociação entre local de produção e de consumo. Em movimento contrário, surgem iniciativas ligadas a valorização dos componentes simbólicos, memoriais e afetivos atribuídos a comida, bem como do vínculo entre território e cultura, a partir da alimentação, com a procura por produtos locais ou tradicionais. Dentro deste contexto podemos situar a ativação patrimonial de referentes culturais alimentares, tanto em âmbito mundial, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), quanto nacional, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Ao compreender saberes, objetos, espaços, e práticas, estreitamente vinculados a paisagem, a noção de patrimônio alimentar questiona as formas de abordar e gerir o patrimônio cultural, diante de sua natureza sistêmica. Da mesma forma, ao contrário de uma patrimônio imóvel, é representativo das dinâmicas que só se fazem e permanecem por meio da transmissão, articulando o binômio estabilidade x dinamismo. Ao mesmo tempo, por tratar-se de um bem cultural que é, ao mesmo tempo, um produto, os patrimônios alimentares estão sujeitos às regulamentações sanitárias e de mercado, impondo a consideração da interface entre tradição e normatização. Da mesma forma, e por vezes estreitamente interligada, a comida passa a ocupar um papel cada vez maior na composição de experiências turísticas, por sua capacidade de mobilização sensorial e simbólica. Rotas turísticas baseadas em produções agroalimentares, eventos temáticos, paisagens culturais, iniciativas como a rede de cidades da gastronomia (França), ou a chancela das cidades criativas da gastronomia (UNESCO), passam a constituir-se na motivação principal dos deslocamentos, utilizando-se a comida e seu universo material e simbólico como eixo narrativo e como expressão do território e seus sujeitos. Consolida-se ainda a noção de turismo gastronômico e seus desdobramentos, como o enoturismo e o olivoturismo, que acabam por promover e agregar valor aos produtos. Por outro lado, vemos a proliferação de casos de descaracterizações de bens alimentares, e da exclusão das comunidades em projetos e iniciativas turísticas, apesar de serem estas as responsáveis pela própria permanência de algumas práticas alimentares ao longo do tempo. Neste sentido, esta pesquisa busca consolidar-se como um espaço de discussão e produção acadêmica das temáticas do patrimônio alimentar e do turismo gastronômico, tomando por base a comida como ativo territorial.

Objetivo Geral

O objetivo geral deste projeto de pesquisa consiste em analisar a importância da comida como um ativo territorial, a partir de dois eixos temáticos dialógicos e convergentes: a patrimonialização de referentes culturais alimentares e o desenvolvimento do turismo gastronômico.

Justificativa

Este projeto de pesquisa integra-se às discussões promovidas no âmbito do projeto Capes-Print "Alimentação, Cultura e Identidade", desenvolvido pelo Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural, no âmbito das ações de internacionalização da UFPel. A justificativa para a realização do projeto deriva do contexto interdisciplinar do programa de pós-graduação ao qual está vinculado, e busca consolidar-se como um espaço de discussões para temas relacionados com mobilização da dimensão cultural da alimentação como ativo territorial, cujo interesse manifesta-se já em dissertações e teses desenvolvidas, e em estudos em desenvolvimento no momento no programa.
Partindo para um contexto mais amplo, na escala da cidade, temos parte da história de Pelotas estreitamente vinculada a alimentação, com o sal e o açúcar, elementos inicialmente opostos, a configurar o desenvolvimento da cidade e de algumas de suas manifestações culturais. Se a cidade já contava com algumas ações de tombamento em nível federal por parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em 2018 ocorre simultaneamente o registro das tradições doceiras de Pelotas e antiga Pelotas (Arroio do Padre, Capão do Leão, Morro Redondo e Turuçu) como patrimônio imaterial brasileiro, e o tombamento do conjunto histórico, por sua vez relacionado ao ciclo do charque.
Tal fato sinaliza como o tema da alimentação está presente na cidade, e como a leitura do território a partir desta abordagem do sal ao açúcar permite articular diferentes aspectos da história local (extrapolando-a inclusive), como aspectos culturais, econômicos, ambientais (relacionado ao aproveitamento das características paisagísticas, definindo tradições doceiras diferentes entre zona urbana e rural), religiosos, entre outros. Neste sentido, a alimentação pode ser considerada uma importante fonte de informações no âmbito do que era consumido e das técnicas de preparo, "mas também como reflexo de fluxos migratórios, representações ligadas ao alimento e a própria estruturação da economia" (GÂNDARA, GIMENES E MASCARENHAS, 2008, p. 181).
Tais patrimônios culturais, e suas interfaces, como a promoção da Feira Nacional do Doce - FENADOCE, equipamentos culturais como as charqueadas e o Museu do Doce (entre outros), constituem-se, ainda, em atrativos turísticos centrais na mobilização dos fluxos de visitantes, e por meio dos quais é possível narrar aspectos históricos e culturais locais.
Apesar de sua potencialidade como recorte territorial no desenvolvimento do projeto, a proposição da abordagem ampla de pesquisa que envolva diferentes casos relacionados a mobilização da dimensão cultural da alimentação no patrimônio cultural e no turismo justifica-se pela UFPel (e principalmente pelo Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural) reunir acadêmicos de diferentes regiões do Brasil, e por vezes do exterior, o que permite que os mesmos abordem pesquisas a partir de suas próprias realidades, enriquecendo a discussão a partir da diversidade de estudos de caso.
A alimentação humana é um ato social e cultural no qual a escolha e o consumo de determinados alimentos colocam em jogo fatores de ordem ecológica, histórica, cultural, social e econômica, ligados a uma rede de representações e simbolismos (ÁLVAREZ, 2002). Vista como um sistema (em sua dimensão material e simbólica), a comida constitui-se em um importante referencial identitário, que permite a vinculação dos sujeitos a determinada coletividade e a determinado território. Nossa identidade pode ser definida pelo que comemos, mas também por onde, quando e com quem comemos, e quais os significados compartilhados neste processo (MENASCHE, 2014).
A preocupação com a manutenção de referências culturais alimentares passa a delinear-se, mais claramente, com os processos de industrialização e homogeneização de hábitos alimentares. Em movimento contrário, consolidam-se novas preocupações em relação às culturas locais e o desenvolvimento de uma consciência da erosão dos complexos alimentares animais e vegetais - diante da dissociação cada vez maior entre local de produção e consumo, produzindo uma certa nostalgia relativa aos modos de se alimentar. Assim, passa-se a valorizar produtos e matérias-primas de caráter local ou tradicional, e o nexo entre um território e uma determinada cultura (CONTRERAS, 2005).
No que tange a ativação patrimonial de referentes culturais ligados a alimentação, esta passa a delinear-se mais especificamente a partir de 1992, com a criação da figura da paisagem cultural na Lista do Patrimônio Mundial, e que possibilitaria a inclusão de paisagens vinícolas, cafeeiras, rizícolas, entre outras. Um novo contorno conceitual seria dado a partir da tipologia de patrimônio imaterial, em 2003, levando ao reconhecimento da dieta mediterrânea; da gastronomia francesa; da gastronomia tradicional mexicana de Michoacán; do Wakoshu, sistema alimentar e culinário tradicional dos japoneses, entre outros bens.
No Brasil, a abertura a patrimonialização de referentes culturais alimentares dada pela figura de patrimônio imaterial viria a incluir, em seu rol, cerca de 07 bens assim enquadrados, entre eles, o ofício das paneleiras de Goiabeiras (ES), cuja importância, para além do bem em si, reside em constituir-se no primeiro bem registrado no Livro de Registro dos Saberes. Além deste, constam, entre outros, o modo artesanal de fazer queijo de Minas, nas regiões do Serro, da Serra da Canastra e do Salitre (MG); os sistemas agrícolas tradicionais do Rio Negro (AM) e do Vale do Ribeira (SP); o oficio das baianas de acarajé (BA).
A noção de patrimônio alimentar compreende, além dos alimentos, objetos, espaços, práticas, representações, conhecimentos e habilidades, fruto da ação histórica continuada de comunidades e grupos sociais (GONZÁLEZ, 2010). Ao contrário de um patrimônio fixo, o patrimônio alimentar é representativo das dinâmicas que só se fazem e permanecem por meio da transmissão, pois envolve questões de identidade e continuidade, mas lida, igualmente, com as lógicas de abertura, circulação e trocas (CANO, 2019). A patrimonialização de referentes culturais alimentares suscita, assim, uma série de questões que envolvem o domínio da memória, da identidade, da religiosidade, da economia, e que, portanto, apresentam-se como importantes elementos de análise a serem contemplados em pesquisas acadêmicas.
No que se refere ao turismo, a alimentação é vista como indispensável na mobilização dos fluxos turísticos e na permanência nos destinos, mas é também, cada vez mais, um importante recurso transformado em atrativo turístico, por meio de rotas, eventos, ou mesmo pela relevância histórica de determinadas atividades produtivas vinculadas a alimentação na formação de algumas cidades.
Por este motivo, diferentes iniciativas turísticas vem se consolidando, por vezes estreitamente vinculadas com ações de patrimonialização, como a declaração da gastronomia francesa como patrimônio imaterial da humanidade pela UNESCO, em 2010, e a criação da rede de cidades da gastronomia (Lyon, Dijon, Paris e Tours) como um desdobramento da chancela. Ou a rede de Cidades Criativas da Gastronomia, programa promovido pela UNESCO, do qual 04 cidades brasileiras foram chanceladas: Belém (PA), Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC) e Paraty (RJ).
Dentro do segmento do turismo gastronômico, o enoturismo e o olivoturismo consolidam-se como algumas de suas expressões mais populares, principalmente na Europa. No Brasil, práticas de enoturismo já vem sendo consolidadas há algumas décadas, com destaque para a Serra Gaúcha (RS), que concentra grande parte da produção nacional de vinhos, e sobre a qual proliferam iniciativas vinculadas a exploração do turismo gastronômico (e que, por este motivo, concentra também uma série de estudos sobre o tema). Cabe destacar que o Rio Grande do Sul concentra 6 selos de indicação geográfica relacionada a vinhos e espumantes, o que lhe consagra no cenário enoturístico brasileiro.
Recentemente, uma nova região no Estado vem despontando no desenvolvimento da vinicultura e investindo ao mesmo tempo na promoção do enoturismo: a Campanha Gaúcha, fato que pode ser atestado pela recente obtenção do selo de indicação de procedência dos "Vinhos da Campanha Gaúcha", e que concentra cerca de 16 vinícolas entre os municípios de Alegrete, Bagé, Candiota, Dom Pedrito, Hulha Negra, Itaqui, Maçambará, Quaraí, Rosário do Sul, Santana do Livramento e Uruguaiana.
Já o olivoturismo apresenta um caráter recente de exploração, tanto no Estado como no país de modo geral. O cultivo da oliveira e a produção de azeite de oliva estão presentes nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, sendo que este Estado concentra cerca de 70% da produção nacional (KERSANACH e VALDUGA, 2019). No que se refere ao seu aproveitamento turístico, algumas iniciativas começam a se delinear, como parques temáticos, visitas guiadas em plantações e lagares, pousadas, além da criação da Rota das Oliveiras, em 2019, que envolve 24 municípios, dentre os quais 10 encontram-se também na Campanha Gaúcha.
Tanto a vinicultura quanto a olivicultura passam a ocupar um importante lugar nas práticas e no discurso turístico estadual, com iniciativas que equacionam o discurso da tradição, das estâncias de criação de gado bovino e ovino, e da figura do gaúcho, com o discurso da inovação, a partir da produção de vinho e de azeite de oliva. Por este motivo, a investigação sobre o processo de desenvolvimento do enoturismo e do olivoturismo na região da Campanha Gaúcha será um dos eixos de análise iniciais desta pesquisa.

Metodologia

A pesquisa, de caráter exploratório, baseia-se em pesquisa bibliográfica e documental. Utiliza-se, como instrumentos metodológicos, a realização de entrevistas semiestruturadas e observação de campo, para abordagem dos sujeitos diretamente envolvidos com as temáticas e conhecimento de modo mais aprofundado das realidades pesquisadas.

Indicadores, Metas e Resultados

Espera-se, com este projeto, contribuir para o aprofundamento das pesquisas relacionadas com a compreensão e gestão do patrimônio alimentar, bem como do turismo gastronômico, de modo a fornecer subsídios para o tratamento do tema por outros acadêmicos, bem como por instituições patrimoniais, gestores públicos, iniciativa privada e outros setores da sociedade.

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
Juliane Conceição Primon Serres1
LUCIANA DE CASTRO NEVES COSTA20
Lucas Martinelli

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