Diversos estudiosos apontam a importância, assim como, a relevância da obra de Álvaro Vieira Pinto (TOLEDO, 1977; PAIVA, 1986; FREITAS, 1998; CÔRTES, 2003; VALE, 2006; FAVERI, 2014), alguns tratam de sua trajetória e atuação mais pontualmente no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), no qual inclusive em determinado momento foi diretor; outros centram-se na sua contribuição no campo da filosofia brasileira; por fim, existe aqueles preocupados com a sua visão de educação.
Tanto na obra de Caio Navarro de Toledo – ISEB: fábrica de Ideologias, bem como na de Vanilda Pereira Paiva – Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista, primeiros estudos mais exaustivos onde Álvaro Vieira Pinto é parte das análises desenvolvidas. De certa forma, os autores procuram contextualizar a trajetória de Álvaro Vieira Pinto e elucidar os vínculos entre o legado teórico do autor. Para Toledo é preciso relativizar a homogeneidade dos intelectuais isebianos, pois além de Álvaro Vieira Pinto, salientavam-se Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Cândido Mendes, Alberto Guerreiro Ramos, Nelson Werneck Sodré. Deste modo, para Toledo entre outros aspectos, devemos ter claro que: “O que distingue, porém, a posição de Vieira Pinto acerca dos critérios para a constituição da ideologia autêntica é a sua afirmação segundo a qual esta deve ser extraída da sua consciência das massas trabalhadoras, pois são estas que impõem a exigência de desenvolver-se o país. A ideologia do desenvolvimento, entende Vieira Pinto, somente será legítima ou autêntica quando exprimir a consciência das massas, revelando suas aspirações, num projeto que não é imposto a elas, mas que procede delas (TOLEDO, 1977: 43).
Por sua vez, a obra de Vanilda Paiva procura descortinar a dívida que Paulo Freire possui com o movimento nacionalista/desenvolvimentista que vicejou no Brasil na década de 50/60, particularmente nos governos de Juscelino Kubistchek e João Goulart. A autora reconstrói a trajetória intelectual através do qual Paulo Freire foi construindo seu método e suas ideias partindo da leitura dos isebianos, entre eles, Álvaro Vieira Pinto. Como a própria autora declara, esse autor, “o mais palatável isebiano histórico entre os círculos da esquerda do início dos anos 60, cabe o papel de principal referência de Paulo Freire em seu esforço de definição do que viria a ser seu método de educação e como ele poderia levar as massas, por meio da prática pedagógica, a um estágio de consciência crítica (PAIVA, 2000: 11).
O que queremos salientar é conforme apontado por diversos autores que de muitas maneiras Paulo Freire é devedor do pensamento de Álvaro Vieira Pinto. Rastros, pistas, indícios estão presentes nas diversas obras escritas sob os mais amplos matizes. Minha centralidade é problematizar o conceito de conscientização e seu desdobramento e análise efetuada por Vieira Pinto, na obra Consciência e Realidade Nacional, editada em 1960, e que em grande parte debruça-se sobre a consciência ingênua e a consciência crítica. Desse modo, pretendo verificar em que medida e profundidade, esses conceitos chaves na obra de Vieira Pinto, marcaram e moldaram o pensamento de Freire.
Em sua tese de livre docência, intitulada – Educação e atualidade brasileira -, a superação de uma consciência ingênua para uma consciência crítica, em nosso entender grande parte das análises desenvolvidas por Freire são devedoras do pensamento de Álvaro Vieira Pinto. Nesse livro ele esboça seus primeiros ensaios de teorização, afirma que duas são as posições mais gerais que o homem brasileiro parece vir assumindo diante de sua realidade. São elas: A consciência intransitiva, caracterizada pela “quase centralização dos interesses do homem em torno de formas mais vegetativas de vida. [...] Suas preocupações se cingem mais ao que há nele de vital, biologicamente falando” (FREIRE, 2001: 32).
Por sua vez, Álvaro Vieira Pinto na obra “Consciência e Realidade Nacional”, publicada em dois volumes (1960/61), desenvolve profícua analise de dois conceitos fundamentais: a consciência ingênua e a consciência crítica, conforme o próprio autor estabelece: “São dois gêneros de pensar, que definiremos com se segue: a consciência ingênua é, por essência, aquela que não tem consciência dos fatores e condições que a determinam. A consciência crítica é, por essência, aquela que tem clara consciência dos fatores e condições que a determinaram” (PINTO, 1960: 82).
Deste modo, para o autor, cabe à consciência crítica, produzir a ideologia e conduzir o processo de desenvolvimento nacional. Isso será possível quando a sociedade superar o nível de consciência imediatista e sensível, provocado pela realidade que determina o estágio de subdesenvolvimento e, portanto, de desumanização individual e coletiva do ser humano, por hospedar em si uma consciência ingênua.
Avançando em suas propostas, Álvaro Vieira Pinto, aponta: “chegamos, assim, a um ponto deste ensaio ao qual devemos dedicar toda atenção. [...] torna-se patente que a consciência crítica da realidade nacional é requisito imprescindível para a revolução, que venha arrancar o país do estado de subdesenvolvimento econômico. Mas, é seguro também que esta só ocorrerá pela constituição de uma ideologia que, vinculada as massas, por ela compreendida e incorporada, desencadeie um movimento social, de que o aspecto econômico é apenas um setor, que termine por fazer a comunidade ascender a outro plano de existência histórico. Nisso, consiste a sua revolução nacional” (PINTO, 1960: 93/94).
Atuando de forma permanente e ativa, não apenas como professor catedrático de filosofia da educação, mas assumindo cargo de responsabilidade dentro das estruturas governamentais, caso por exemplo, de Diretor do ISEB. Vieira Pinto, propugnava não o simples ato de pensar, ou um discurso abstrato. Tratava, isto sim, de forjar uma determinada ideologia, aquela necessária a nação a fim de “tomar consciência” de seu subdesenvolvimento e lutar pela superação desse estágio, mediante um esforço desenvolvimentista.