Nome do Projeto
A natureza americana, por seus usos e percepções: Ciência e História em obras manuscritas e impressas de Botânica Médica e História Natural (América meridional, século XVIII)
Ênfase
Pesquisa
Data inicial - Data final
01/02/2023 - 31/12/2024
Unidade de Origem
Coordenador Atual
Área CNPq
Ciências Humanas
Resumo
O projeto “A natureza americana, por seus usos e percepções: Ciência e História em obras manuscritas e impressas de Botânica Médica e História Natural (América meridional, século XVIII)” propõe a análise, sob uma perspectiva comparativa, dos quatro Tomos do Paraguay Natural Ilustrado, obra escrita pelo padre José Sánchez Labrador, entre 1771-1776, durante seu exílio em Ravena, na Itália, bem como a transcrição e análise de um manuscrito localizado recentemente [em abril de 2022]: o terceiro Tomo do Paraguay Católico, também de autoria de Sánchez Labrador, que não foi ainda transcrito, publicado ou analisado. Neste terceiro Tomo, encontramos valiosas informações sobre a região da Província Jesuítica do Paraguay, sobretudo em termos de clima, relevo e vegetação, acompanhadas de uma série de desenhos [de plantas, de animais e de cenas cotidianas] e de mapas. Esta Terceira parte possui, ainda, um Apêndice, que reúne informações, sob o título de Viagens, Diários e Várias Cartas, e também mapas, que descrevem as regiões percorridas por Sánchez Labrador em suas viagens e as descrições que fez nas Cartas encaminhadas ao Provincial da Companhia de Jesus. O projeto possibilita a continuidade da reflexão sobre a conformação de uma cultura científica da América meridional do século XVIII, a partir das evidências de circulação, apropriação e produção de ideias e do intenso e produtivo processo de trocas entre saberes e práticas relativas às artes de curar e de concepções sobre a natureza americana. Prevê-se não apenas a identificação e a análise dos saberes e das práticas colocadas em circulação nas distintas regiões da América meridional, compreendendo tanto áreas do império colonial espanhol, quanto do português, mas, também, o levantamento de informações que subsidiam o que podemos denominar de uma história ambiental, a partir de um levantamento cartográfico das regiões de origem das plantas que circulavam entre os diferentes territórios que as Províncias Jesuíticas abarcavam. O cotejo entre as descrições sobre a natureza (e o espaço) feitas por Sánchez Labrado permitirá também aprofundar as discussões sobre as omissões intencionais, de comprovação de autoria/da experiência pessoal/do acesso a informantes, de evidências de intertextualidade e intratextualidade e, ainda, dos saberes nativos presentes nas duas obras. Em relação a esse último aspecto, vale ressaltar que dadas as condições em que se deu o avanço colonial sobre as terras americanas, a personalidade – os talentos – de cada missionário e o isolamento a que muitos deles estiveram sujeitos, é de se esperar que muitos destes registros – quer sob a forma de cartas, diários e crônicas, quer sob a forma de obras como as Histórias Naturais – tenham sofrido importantes influências dos saberes indígenas. Influências que se expressam tanto nas ratificações ou retificações às compilações botânicas e zoológicas já consagradas, quanto nos questionamentos acerca das expressões de religiosidade e de humanidade dos indígenas.

Objetivo Geral

O principal objetivo desta investigação é o de analisar os tomos já transcritos da obra Paraguay Natural e realizar a transcrição e análise do tomo manuscrito, ainda inédito, do Paraguay Católico, a fim de destacar sua importância para a história natural e para a medicina da Época Moderna, destacando, sobretudo, as evidências de circulação, apropriação e produção de conhecimentos, bem como o intenso e produtivo processo de trocas entre saberes e práticas relativas às artes de curar e de concepções sobre a natureza americana e sobre seus potenciais usos. Os objetivos específicos são: (1) a identificação e a análise dos saberes e das práticas colocadas em circulação nas distintas regiões da América meridional, compreendendo tanto áreas do império colonial espanhol, quanto do português, em especial daqueles relacionados às plantas medicinais nativas e às diferentes percepções e aos mais variados usos da natureza; (2) a elaboração de um levantamento cartográfico das regiões de origem das plantas [referidas no Paraguay Natural e na Terceira Parte do Paraguay Católico] que circulavam entre os diferentes territórios que as Províncias Jesuíticas abarcavam, cotejando-as com a incidência das enfermidades que acometiam as populações indígenas e não indígenas nas distintas regiões da América meridional e com as indicações terapêuticas presentes nos receituários; (3) a identificação e discussão das evidências da circulação de saberes e de práticas científicas relativas à Medicina/Cirurgia e à História Natural, tanto entre as distintas áreas de atuação da Companhia de Jesus, envolvendo as missões de evangelização e os centros de formação que constituíam uma rede de interlocução bastante representativa desta circulação, quanto entre a Europa e a América meridional, no século XVIII, e (4) a discussão das evidências de intertextualidade ou intratextualidade ou das omissões intencionais de certas informações, perceptíveis nas obras produzidas por irmãos e padres jesuítas; das evidências de comprovação de autoria (ou poliautoria) ou, então, de experiência pessoal presentes nos registros feitos, bem como dos indícios do acionamento de informantes [outros religiosos ou nativos] tanto para a ratificação quanto para a contestação de pressupostos ou concepções consagradas na Europa.

Justificativa

O projeto dá continuidade a projetos anteriores que se dedicaram à transcrição e à análise de obras de medicina [botânica médica e cirurgia] escritas por jesuítas no século XVIII, visando à reflexão tanto em torno da apropriação e da difusão dos conhecimentos e procedimentos médico-cirúrgicos e farmacológicos vigentes na Europa do Setecentos na América platina, quanto sobre a circulação e, consequentemente, a produção de novos saberes e técnicas resultantes do contato com as populações indígenas e com a natureza do Novo Mundo. As obras escritas pelo padre jesuíta José Sánchez Labrador, durante seu exílio em Ravena, na Itália, evidenciam uma intensa circulação de informações sobre Botânica, Zoologia, Medicina, Paleontologia, Arqueologia e Geologia, não somente entre membros da Companhia de Jesus, mas também na confirmação ou na refutação de estudos clássicos e publicados no Setecentos referidos pelo padre jesuíta. Em suas obras, Sánchez Labrador estabeleceu contínuas relações e comparações entre as práticas curativas indígenas e as europeias, fundamentando suas observações no conhecimento divulgado por autoridades em Medicina e Farmácia. Em algumas situações, contudo, ele contestou certas concepções europeias, contrapondo-as às observações e as experiências que realizou durante o período de sua atuação como missionário junto aos indígenas da região platina. Sua narrativa parece, portanto, sobrepor e mesclar as experiências que vivenciou na América àquelas próprias de seu período de formação na Europa e, ainda, às que posteriormente viveu durante o exílio na Itália. Sabe-se que os padres da Companhia de Jesus, desde que chegaram à América, produziram documentos a respeito de suas atividades missionárias. Teceram, nas cartas que enviavam aos seus superiores, relatos minuciosos dos avanços, recuos e problemas enfrentados. Além disto, produziram obras de caráter informativo a respeito da nova terra, de seus moradores e de sua natureza. Apesar da significativa atuação dos jesuítas, tanto nas tentativas de compreensão e de descrição da natureza e dos costumes das gentes do Novo Mundo, quanto na formação e na manutenção das sociedades dos vastos impérios português e espanhol, poucas foram os historiadores que se dedicaram a analisá-los levando em conta seus aspectos temporais e seu papel na história intelectual do Renascimento e dos inícios da era moderna. A maior parte das pesquisas debruçou-se, no entanto, sobre as estratégias de catequese e de controle sobre as populações indígenas empregadas pelos inacianos, dedicando-se à análise de sua atuação como religiosos. O privilegiamento dado a este enfoque justifica a proposição de estudos e que se debruça sobre a produção intelectual de padres e irmãos da Ordem e sobre a apropriação feita dos conhecimentos acumulados pela Companhia de Jesus durante os três séculos em que estiveram na América. Sob esta perspectiva, os livros, os medicamentos, os utensílios e instrumentos que foram relacionados nos inventários das bibliotecas e boticas instaladas nos colégios e reduções da Companhia de Jesus na América meridional parecem, efetivamente, atestar que tanto os colégios, quanto as reduções foram, por excelência, espaços de circulação de ideias – mediante a formação de redes de conhecimento –, de produção científica que promoveram tanto a criação, quanto a validação de práticas e saberes. As menções feitas a autores clássicos, a aplicação ou, então, a contestação de alguns de seus pressupostos, parecem confirmar o acesso e a leitura destas obras médicas de referência pelos jesuítas em missão na América ou nas bibliotecas a que tiveram acesso durante o período de exílio após 1767.
Durante muito tempo prevaleceu a visão – fundamentada na percepção da existência de uma dicotomia entre prática científica e cultura católica – de que o catolicismo, a censura inquisitorial e os jesuítas obstruíram o pensamento científico nos países e regiões de colonização ibérica na Época Moderna. Tributária de uma ação eficiente do antijesuitismo e de uma historiografia que defende um processo unidirecional de difusão de conhecimentos produzidos na Europa, esta visão consagrou-se a ponto de a importância do mundo ibero-americano para a história das ciências ter sido negligenciada ou, então, minimizada (BLEICHMAR, 2009; PRIETO, 2011). A necessidade de expandir o estudo da história das ciências, incluindo espaços não europeus, que, tradicionalmente, não foram privilegiados nas narrativas da produção do saber científico, foi ressaltada tanto por Sanjay Subrahmanyam (1997), quanto por Jorge Cañizares-Esguerra (2004, 2007) e Serge Gruzinski (2014), ao questionarem a exclusividade ocidental no desenvolvimento da ciência moderna e a concepção cristalizada de que as assim denominadas periferias do mundo se limitaram a receber [e a se apropriar] os conhecimentos produzidos na Europa. Já o historiador franco-indiano Kapil Raj (2015) destacou que em espaços caracterizados por uma intensa circulação [de pessoas, ideias e mercadorias], independentemente de sua extensão, práticas, técnicas e conhecimentos de diferentes culturas se movimentam, dando lugar a um amplo processo de negociação. Sob esta perspectiva, os encontros entre culturas das quatro partes do mundo não provocaram a sobreposição de uma sabedoria sobre a outra – ou uma relação de hierarquia centro-periferia –, possibilitando a formulação de um novo tipo de conhecimento, na medida em que “as interações resultantes [entre agentes de saber] são elas mesmas um local de construção e reconfiguração do conhecimento” (RAJ, 2015, p. 170). Em investigações anteriores, nas quais analisei outras fontes manuscritas, já ressaltei que a produção intelectual dos missionários aponta para um amplo processo de construção e reconfiguração do conhecimento na América meridional no século XVIII. Esta produção contribui significativamente para a reavaliação do papel desempenhado tanto pela Companhia de Jesus na chamada ciência moderna, quanto pelas populações locais e indígenas nos conhecimentos divulgados nas obras de Botânica Médica, Cirurgia e História Natural escritos na América, cujas cópias podem ser encontradas em bibliotecas e arquivos europeus e latino-americanos. Nestas obras, mais do que inventários do mundo natural, se descortinam interações entre diferentes agentes de saber e intercâmbios locais e globais operados por missionários da Companhia de Jesus instalados nas quatro partes do mundo, que foram fundamentais para a formulação de novos conhecimentos científicos na Época Moderna. São estas as razões que me motivam a dar continuidade à reflexão que venho fazendo sobre a conformação de uma cultura científica da América meridional do século XVIII, a partir das evidências de circulação, apropriação e produção de ideias e do intenso e produtivo processo de trocas entre saberes e práticas relativas às artes de curar e de concepções sobre a natureza americana. A análise dos tomos de Paraguay Natural Ilustrado, bem como do terceiro tomo manuscrito do Paraguay Católico, recentemente localizado, podem, nesta perspectiva, contribuir não apenas para a identificação e a análise dos saberes e das práticas colocadas em circulação nas distintas regiões da América meridional, compreendendo tanto áreas do império colonial espanhol, quanto do português, mas, também, para o que poderíamos denominar de uma história ambiental, a partir de um levantamento cartográfico das regiões de origem das plantas que circulavam entre os diferentes territórios que as Províncias Jesuíticas abarcavam.


Metodologia

O projeto prevê a leitura e a análise tanto de obras manuscritas, no caso, a Terceira Parte do Paraguay Católico, recentemente localizado no ARSI, quanto de obra cujos tomos já foram transcritos e publicados, o que exigirá procedimentos [como a leitura paleográfica para a transcrição, por exemplo] e metodologias distintas com relação à sua leitura, fichamento e análise, bem como a consulta a dicionários [como, por exemplo, os de R. Bluteau e da Academia Espanhola] para consulta a termos específicos do Setecentos. Em relação ao Paraguay Natural Ilustrado será realizada, primeiramente, a leitura e a sistematização de informações relativas aos saberes e práticas curativas e às concepções de natureza, a fim de identificar apropriações e evidências de intertextualidade/intratextualidade. Prevê-se, ainda, a leitura de obras de referência sobre a temática do projeto e seu correspondente fichamento, tendo em vista a fundamentação das análises a serem realizadas e sua discussão nas sessões do grupo de estudo composto por graduandos bolsistas de Iniciação Científica e pós-graduandos sob minha orientação. Dentre os autores que se dedicaram a uma caracterização da aplicação dos pressupostos tradicionais da Ciência e da Medicina europeia e enfocaram os saberes, as terapias e as práticas médicas mantidas ou resultantes das concessões e/ou trocas havidas em terras americanas submetidas à Coroa espanhola estão ANAGNOSTOU (2011), BARRERA-OSORIO (2006), BLEICHMAR (2009, 2011), DELBOURGO & DEW (2008), DI LISCIA (2002), ESPINOSA (1992), FECHNER, (2008), FREILE (2010), DELGADO LOPEZ (2008), PASTOR ARENAS (1997) e PORTUONDO (2009), que muito poderão contribuir para o desenvolvimento da proposta aqui apresentada. Em relação aos estudos sobre etnobotânica da América platina, com ênfase nos territórios da antiga Província Jesuítica do Paraguai, cabe destacar os trabalhos realizados por pesquisadores vinculados à División de Botánica do Museo Argentino de Ciencias Naturales Bernardino Rivadavia (MACN-CONICET) e à Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade de Buenos Aires e, também, a produção de ARATA, P. N. (1898), OTAZÚ (2014), MARTÍN MARTÍN, C. & VALVERDE, J. L. (1995), MARTÍNEZ, G. J. (2010), MONTESANO DELCHI, A. (1913), MEDEIROS, N. H. (2009), MUIÑO, W.A. (2011), PARODI, D. (1886), PÉRGOLA, F. (1973), RICCIARDI, A. Y CHIFA, C. (2014), ROSSO, C. N. (2011, 2012) e de SCARPA, G. F. (2002). A investigação insere-se nas recentes discussões sobre a história da cultura escrita e sobre suas contribuições para a compreensão das transformações socioculturais em um determinado momento, com destaque para os trabalhos de BOUZA (1992, 2001), BURKE (1992, 1995), CAÑIZARES ESGUERRA (2004, 2006, 2007), CASTILLO (1999), CERTEAU (1982), CHARTIER (1990, 1991, 1992, 1994, 1998), DARNTON (1992), LÓPEZ MERAZ (2008), MEGIANI (2009a e 2009b), PETRUCCI (1999), que muito podem aportar à análise sobre a sistematização do conhecimento e das teorias e das práticas científicas do Setecentos, sobre a produção de novos saberes e técnicas no continente americano [através de distintos suportes textuais] e, ainda, sobre sua circulação, mediante a constituição de uma rede de troca não só de procedimentos e medicamentos, mas, sobretudo, de concepções científicas, como já foi constatado por H. GESTEIRA para a América portuguesa (2006) e por MILLONES-FIGUEROA para a América espanhola (2015). Vale lembrar as contribuições incontornáveis de Sanjay SUBRAHMANYAM (1997) e de Serge GRUZINSKI (2014), que questionam a exclusividade ocidental no desenvolvimento da ciência moderna e a concepção cristalizada de que as assim denominadas periferias do mundo se limitaram a receber [e a se apropriar] os conhecimentos produzidos na Europa. Já o historiador franco-indiano Kapil RAJ (2007, 2015) destacou que em espaços caracterizados por uma intensa circulação [de pessoas, ideias e mercadorias], independentemente de sua extensão, práticas, técnicas e conhecimentos de diferentes culturas se movimentam, dando lugar a um amplo processo de negociação. Sob esta perspectiva, os encontros entre culturas das quatro partes do mundo não provocaram a sobreposição de uma sabedoria sobre a outra – ou uma relação de hierarquia centro-periferia –, possibilitando a formulação de um novo tipo de conhecimento, na medida em que “as interações resultantes [entre agentes de saber] são elas mesmas um local de construção e reconfiguração do conhecimento” (RAJ, 2015, p. 170). O emprego do termo história dos saberes é tributário, portanto, dessa nova compreensão e da proposição de uma História cultural e global da Ciência, que “estudia la circulación modelada por el intercambio global y los vínculos culturales entrecruzados (cross-cultural).” (GAUNE, 2019, p. 141). Perspectiva que se aproxima da defendida por Thomas HADDAD (2014), para quem, por mais assimétricos que tenham sido os contatos entre a Europa e os outros continentes, a agência e o protagonismo nunca estiveram totalmente concentrados nas mãos dos atores europeus, e o conhecimento natural ou missiológico, as práticas e o saber-fazer não escaparam à efervescência das zonas de contato. Nelas, os europeus – viajantes, naturalistas, comerciantes, funcionários coloniais e missionários –, inevitavelmente, entraram em contato com os sistemas de classificação e valoração de mundo de mediadores e informantes locais, potencializando trocas e negociações constantes – locais e globais – que, a despeito de serem assimétricas e marcadas pela violência, foram relacionais. Como já referido, a análise das duas obras considerará as evidências de “intertextualidade” e de “transtextualidade” nelas presentes e a apropriação que seus autores fizeram tanto de autores clássicos do meio erudito europeu, quanto de contemporâneos a ele. O conceito de “intertextualidade” que empregaremos está em concordância com o desenvolvido por Julia KRISTEVA (1981; 1974) – que nomeia e determina o conceito com base em Mikhail Bakhtin – nas obras “Semiotica” (I e II) e “Introdução a Semanalise”. De acordo com ela “[...] todo texto se construye como mosaico de citas, todo texto es absorción y transformación de outro texto” (KRISTEVA, 1981, p. 190), o que seria o princípio da intertextualidade. Levamos em consideração, ainda, o afirmado por Gerard GENETTE (2006, p. 8), em sua obra “Palimpsestos: a literatura de segunda mão”, na qual afirma que entende intertextualidade como uma “(...) relação de co-presença entre dois ou vários textos, isto é, essencialmente, e o mais frequentemente, como presença efetiva de um texto em um outro”, sendo assim um dos cinco tipos de “transtextualidade”. Assim, a aplicação do conceito de intertextualidade será feita com base nestes dois autores e na classificação de tipos de intertextualidade. Para fundamentar as práticas de escrita do século XVIII recorremos a Roger CHARTIER, enquanto que a questão da “escrita erudita” e das “autoridades” do mundo científico será examinada a partir da perspectiva de Michel de CERTEAU (1982). Assim como os conceitos de apropriação, de intertextualidade/intratextualidade e de autoria são fundamentais para a investigação que estou propondo, o mesmo ocorre em relação ao conceito de representação. O contato com a alteridade ultrapassa a dimensão humana do encontro de sujeitos de uma realidade distinta. Inequivocamente, as reações e avaliações suscitadas pelos contatos com a alteridade estendem-se também ao ambiente natural e se fazem presentes nos escritos de alguém, mesmo sendo este um religioso, interessado em História Natural. A intenção é, por isso, a de realizar uma discussão sobre as representações da natureza presentes nas obras que serão analisadas à luz também do conceito de paisagem, na acepção dada por estudiosos que se inserem em uma abordagem cultural e simbólica, e que têm como um de seus maiores representantes o geógrafo inglês Denis COSGROVE. Para este autor, a paisagem apresenta-se como uma construção cultural e social, a partir do olhar do observador que opera um enquadramento e uma seleção dos conjuntos reais naturais ou construídos. Ao trabalharmos sob a perspectiva da paisagem, nos aproximamos das reflexões de Michel de CERTEAU, para quem, “Todo relato é um relato de viagem – uma prática do espaço” (CERTEAU, 1996, p. 200). Ou seja, para o autor há ações narrativas que organizam o espaço, transcendendo o campo da linguagem. Suas reflexões, portanto, resultam profícuas, ao não dissociarem o conceito da sua dimensão narrativa. Em suma, a definição de paisagem adotada nesse trabalho parte do pressuposto de que a paisagem é uma elaboração em que o enquadramento de uma cena, a descrição e a organização dos elementos naturais ou criados são mediadas por olhares e percepções que os elaboram e os avaliam. De imediato, destaca-se a proeminência da figura do observador nesse processo, bem como a inserção da paisagem em uma narrativa, o que implica em não desconsiderar a influência das estratégias narrativas, da estrutura do relato, dos temas abordados e dos objetivos do relato/da obra produzida. Além do mais, entendemos que os registros se constituem em uma produção cultural oriunda do lugar institucional dos autores, no caso, os padres da Companhia de Jesus, que, necessariamente, discutem a natureza e o espaço americano a partir de uma série de pressupostos religiosos, filosóficos e políticos próprios da Companhia que integram, não desconhecendo, no entanto, o debate em curso na Europa, sobretudo na segunda metade do século XVIII, acerca da inferioridade americana. Os tomos do Paraguay Natural e a Terceira Parte do Paraguay Católico serão, portanto, pensadas como “escrituras para (contra)argumentar” e não, exclusivamente, como “escrituras para mostrar”, na medida em que foram produzidas em um contexto marcado pelas ideias da Ilustração e a partir da experiência de expedições realizadas para a coleta de espécimes ou para cartografar regiões atendendo às orientações do Provincial ou do Padre Geral da ordem jesuíta.

Indicadores, Metas e Resultados

Prevê-se a elaboração de artigos de divulgação dos resultados obtidos ao longo da investigação, com vistas a sua publicação em revistas especializadas e sua apresentação em eventos de caráter acadêmico-científico regionais, nacionais e internacionais. Espera-se que os resultados finais dessa investigação possam também ser publicados sob a forma de livro, permitindo o acesso a um material relevante – e, ainda inédito, no caso da Terceira Parte do Paraguay Católico – para os pesquisadores de História Moderna e de História da América, com estudos voltados para a História das Ciências, da Saúde e das Doenças e da Medicina, bem como para aqueles que se propõem a reavaliar o papel desempenhado pela Companhia de Jesus na renovação dos conhecimentos médicos e dos saberes e práticas científicas nos séculos XVII e XVIII. Para além destes resultados, pretende-se oportunizar a capacitação – de alunos do Curso de Graduação em História, extensivo aos graduandos de Biologia, de Farmácia, de Biomedicina e de Medicina – através do contato com essa valiosa documentação, inserindo-os em atividades de pesquisa e de catalogação – mediante a participação como bolsistas de Iniciação Científica no projeto. Visando à qualificação da equipe de bolsistas pretendo manter a modalidade de grupo de estudos que oportunizará a discussão, sob a minha orientação, de textos de fundamentação histórica e teórico-metodológica relacionados às temáticas centrais da investigação. O desenvolvimento dessa investigação permitirá, ainda, a oferta de disciplinas e seminários no Programa de Pós-Graduação em História da UFPEL e a orientação de dissertações e teses com temáticas que dialoguem com a minha formação/qualificação e com os projetos de pesquisa que já desenvolvi e desenvolvo com o apoio do CNPq, por meio de uma Bolsa de Produtividade em Pesquisa (Pq2).

Equipe do Projeto

NomeCH SemanalData inicialData final
DOUGLAS DE LIMA JARDIM
ELIANE CRISTINA DECKMANN FLECK16

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